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O VALOR E A PRODUTIVIDADE DA ATIVIDADE DE CATALOGAÇÃO

Qual é o valor, na atualidade, da atividade de catalogação realizada pelo bibliotecário? Décadas atrás, o valor do trabalho catalográfico costumava ser medido de forma quantitativa. Mensal ou anualmente, os relatórios coletavam a produção de materiais catalogados, em relação ao tempo gasto. 

Era um indicador praticamente inútil no que refere a qualidade e aos impactos gerados para a produção científica, no caso de biblioteca universitária; para a aprendizagem, no caso da biblioteca escolar; desenvolvimento social e humano, no caso da biblioteca pública; e para a gestão do conhecimento e produtividade organizacional, no caso da biblioteca corporativa.

Ademais, quando se fala da atividade do bibliotecário de catalogação, que atividade é esta; apenas realizar a representação descritivas dos documentos, ou gerenciar padrões de metadados em repositórios de conteúdo digital, revistas de acesso aberto e outras bases bibliográficas criadas e/ou mantidas pela biblioteca, além dos processos de digitalização e de preservação; ou mesmo na gestão dos dados de pesquisa, dentre outras possibilidades.

Mesmo a denominação “catalogador”, atualmente, é denominação limitada e restritiva para designar a dimensão da própria catalogação amparada pelas inovações e dispositivos tecnológicos. Assim, avaliar o desempenho e a produtividade do bibliotecário de catalogação (catalogador, gestor de metadados, bibliotecário de metadados, curador de estrutura de dados descritivos etc.) requer um planejamento e elaboração de indicadores consistentes ao que se vai avaliar das possibilidades da atividade catalográfica.

A questão foi tratada, recentemente, por gerentes de metadados da OCLC Research Library Partners, e as Universidades de Princeton, Washington e da Califórnia - UCLA (Los Angeles). Em realidade, a OCLC mantém grupos de foco sobre os mais diversos temas catalográficos, como uma oportunidade de envolver especialistas de diversas instituições parceiras da sua rede bibliográfica, responsáveis pela criação e gerenciamento de metadados.

Segundo os gerentes, em geral, a medida de produtividade para o trabalho do catalogador é o número de registros e o tempo gasto na sua produção. Entretanto, bibliotecários de catalogação e metadados estão cada vez mais envolvidos em outras atividades relacionadas à gestão de dados, e que não são facilmente quantificáveis (por exemplo, a produção de dados vinculados - linked data - ou projetos semelhantes). O problema de avaliar ou medir esta produtividade está em também indicar o seu valor de impacto social ou científico, algo que se torna difícil. 

A dificuldade com as estatísticas de catalogação, também decorre da inexistência de capturar o impacto da catalogação sobre o usuário final. Por exemplo, não há nenhuma indicação sobre como as descrições bibliográficas disponíveis no catálogo realmente contribuem para o êxito do usuário em encontrar o recurso adequado à sua necessidade ou desejo, ao desenvolvimento do seu projeto ou tomada de decisão em suas ações. 

Ademais, os gestores destacam que neste processo, há um incentivo perverso para que os catalogadores trabalhem apenas com materiais ou problemas mais fáceis, ao invés de lidar com aqueles de maior impacto e complexidade e que, portanto, requerem o melhor uso cognitivo e de habilidades dos especialistas em catalogação, pois são esses que maximizam as estatísticas. 

Entretanto, como cada vez mais dados de catalogação estão disponíveis em fontes externas e os registros geralmente podem ser intercambiados em grandes lotes “de” e “para” as bases e catálogos bibliográficos, o número de títulos adicionados pode não refletir com precisão a contribuição de um único bibliotecário para o catálogo.

No encontro citado da OCLC e Universidades norte-americanas, os participantes focaram no destaque dos sucessos e desafios dos especialistas em metadados com a instituição, na maneira de como os metadados contribuem para alcançar as metas estratégicas da biblioteca ou serviço de informação e da organização. Essas metas podem incluir o “fomentar a descoberta e o uso” dos recursos e da biblioteca; enriquecer “a experiência do usuário”, para o qual bons metadados são críticos. Já, as camadas de descoberta aplicadas sobre as fontes informacionais, geralmente, indicam as falhas existentes nos metadados.

É mencionado, como meio de valorar os metadados, o levantamento de indicadores para a integração do trabalho dos bibliotecários de catalogação em outras atividades realizadas com outras unidades da organização.

Exemplos dessa integração incluem o envolvimento do bibliotecário nos projetos de uso da coleção; desenvolvimento de projetos; estabelecimento de conversas com diferentes grupos e especialistas atuantes com produção e curadoria de coleções digitais; e a divulgação quanto ao tratamento de metadados adotados – “metadados como um serviço”.

Mesmo, no ambiente da biblioteca, outras unidades departamentais devem perceber a necessidade do catalogador, agora especialista em metadados, antes de estabelecerem qualquer projeto de repositório digital, sem antes envolver este especialista. 

Os bibliotecários de catalogação atuais, também designados gerentes de metadados, percebem a expansão da atividade ao descobrirem as muitas necessidades de serviços de consultoria, como a análise de conteúdo e de taxonomia para páginas Web disponibilizadas para o público. Afinal, no macro ou micro do universo da informação digital, contribuir ativamente para as atividades realizadas por outras unidades departamentais ou organizacionais, reforça a importância dos metadados, e em decorrência, do catalogador.

Bibliotecas adotam uma diversidade de processos para divulgar o seu trabalho e as estatísticas de suas atividades. A divulgação, em geral, incluí: boletins informativos on-line, blogs, mídias sociais, vinculações a outras atividades da organização, como: exposições, consultas, artigos em literatura profissional, oficinas e outros eventos envolvendo as apresentações de funcionários com relatos sobre suas experiências.

Embora os bibliotecários de catalogação, em sua maioria, mantenham estatísticas (e talvez sejam obrigados a fazê-lo), o impacto das suas atividades vai além dos números de registros produzidos. 

É salientado, entre os gerentes de metadados, a importância de se atentar para os resultados e o impacto dos metadados na descoberta dos usuários; entretanto, esses resultados são difíceis de medir ou documentar. 

O antigo “setor de serviços técnicos”, agora, departamento de padrões de metadados; têm um forte suporte de gerenciamento baseado na experiência dos profissionais, que sentem o seu trabalho reconhecido. Porém, os responsáveis por estes setores tendem a achar difícil avaliar o trabalho individual, em especial daqueles que realizam diferentes tipos de atividades catalográficas. 

As estatísticas não representam, de maneira adequada, a amplitude das formas de descrição aplicadas para todos os diversos e vários tipos de materiais tratados, mas podem ser úteis como base para identificar falhas, tendências, alteração ou vinculação das obras, em vez de uma única medida de produtividade.

Observa-se que a distinção entre a catalogação "original" e por "cópia" perde o seu significado; a distinção entre processamento em lote e os registros que se precisa manusear, fica mais significativa. Entretanto, essa distinção é difusa, quando mais metadados são gerados por máquinas e requerem correção posterior. Enquanto isso, mais atenção é dispendida com a criação de metadados para coleções distintas e materiais não publicados.

Um ponto a destacar é a preocupação constante com a posição ocupada pelas bibliotecas, no âmbito informacional: a biblioteca encontra-se na linha de visão das pessoas que queremos atender? 

A buscabilidade e a descoberta têm ocorrido em outro lugar; um indício da falha profissional em colocar nosso conteúdo no local em que as pessoas procuram, embora os nossos metadados possam ajudar a fazer isso em um ambiente de dados vinculado. 

Neste sentido, estudo de caso mostra que, na Austrália, o processo de descoberta em geral acontece por meio do Trove, um portal que agrega conteúdos de bibliotecas, museus, arquivos, repositórios e de outras comunidades de informação. A finalidade é auxiliar o usuário a encontrar e usar recursos relacionados. É mais do que um mecanismo de busca. O serviço foi criado pela Biblioteca Nacional Australiana.

Na atualidade, a ausência de serviços de dados vinculados em bibliotecas pode ser considerada uma “inconveniência temporária”, enquanto a infraestrutura evolui. A RDA (Resource Description and Access) pretende promover um padrão neutro para o esquema de codificação, mas os fornecedores de informação, em geral, ainda não suportam diretrizes da norma; e as bibliotecas não exigem dos fornecedores, uma adesão.

Bibliotecários de catalogação precisam gerenciar, equilibradamente, a alocação de pessoal para as “atividades de catalogação tradicionais”, com os projetos ou ações exploratórias de P&D (pesquisa e desenvolvimento), e que não se relacionam diretamente com a obtenção de mais metadados em catálogos, como os projetos de dados vinculados e a exploração do Wikidata e ISNI (International Standard Name Identifier). 

No contexto geral, das discussões do tema, há necessidade de uma mudança cultural, desde o reconhecimento em torno da produtividade até a valorização das oportunidades de inovação e da exploração de novas abordagens catalográficas. 

Profissionais da catalogação precisam entender que melhorar os metadados e seus processos são mais importantes do que os índices numéricos de produtividade de qualquer indivíduo. 

Essa mudança cultural requer adesão dos gestores de biblioteca e das organizações, de apoiar programas de capacitação técnica para que a equipe da biblioteca aprenda novas maneiras de realizar as coisas, e veja na atividade de catalogação ou de metadados, mais do que apenas um processo mecânico de produção de registros ou dados. 

Os gestores diante da redução de pessoal e da necessidade de manter os níveis de produção, pode remanejar e justificar a alocação do tempo de pessoal para programas de pesquisa e desenvolvimento, de forma a explorar as seguintes questões: 

  • O que se pode deixar de fazer?
  • Qual é a única coisa que você aprendeu e que precisamos fazer mais?
  • O que é necessário para seguirmos em frente?
  • Qual software de código aberto poderia auxiliar na realização das atividades de forma mais eficiente?

Os gestores precisam estabelecer metas de sucesso ao processo de catalogação, não baseadas apenas em números quantitativos.

Uma alternativa é a terceirização ou a capacitação da equipe de suporte técnico operacional, para criar metadados orientados aos “objetos de descrição fácil ou simples” e exigir dos especialistas em catalogação a realização das gestões complexas, que só os bem capacitados podem realizar. 

Em síntese, materiais que requerem metadados simples permitem manipulação da equipe de suporte e dos próprios usuários. Excluídos esses materiais, resta os metadados que exigem conhecimentos de linguagens ou formatos e domínio de padrões descritivos (e de desambiguação) de pessoas, entidades corporativas e outras entidades com atributos específicos e fixação d relacionamentos.

Para incentivar a mudança de mentalidade entre os bibliotecários de catalogação, sobre como operar e estimular o seu interesse por oportunidades de aprendizagem, os gestores têm feito uso de várias abordagens:

  • Identificar, na equipe, os aptos em aprender novas habilidades. Em uma instituição, o funcionário compartilhou sua aprendizagem e a unidade se “animou” com o compartilhamento entre colegas. Isso gerou estímulo pela “aprendizagem contínua” e resultou na divulgação das realizações, por membros da equipe, em eventos nacionais.
  • Convocar discussões em grupo, para analisar os problemas de catalogação e de metadados, e encontrar soluções. Desta forma, incentiva-se os membros da equipe a avançar juntos. O pessoal menos interessado em obter novas habilidades pode captar parte da produção daqueles que estão na busca e aprendizagem de novas habilidades.
  • Promover “clubes de leitura” onde todos os membros da equipe leem um texto e respondam a três perguntas para discussão; desta forma, inspirar os profissionais a pensarem sobre questões mais amplas da catalogação e dos metadados, fora das suas rotinas diárias.
  • Realizar encontros semanais de grupos, em almoços técnicos – com uso de vídeos, abordando novos desenvolvimentos ou inovações da área, para que a equipe possa “observar e aprender”.
  • Promover e/ou participar de projetos catalográficos entre instituições.
  • Incentivar a participação dos membros da equipe em eventos profissionais e no desenvolvimento de padrões internos, regionais e nacionais.

Saliente-se ainda, a valorização do compartilhamento de ideias sobre como favorecer a adoção de mudanças culturais; bem como disseminar o valor do trabalho da catalogação e metadados em toda a biblioteca e na instituição. A catalogação não é tudo, na Biblioteconomia. É apenas seu núcleo essencial.

Indicação de leitura:

Smith-Yoshimura, K. Alternatives to Statistics for Measuring Success and Value of Cataloging. Hanging Together the OCLC Research blog, 15 April 2019. http://hangingtogether.org/?p=7122


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.