CAFÉ COM PÓS


CONVIDADOS CAFÉ COM PÓS 3 – LAÍS ALPI LANDIM: DOUTORADO SANDUÍCHE EM TEMPOS DE PANDEMIA

A pandemia pegou todo mundo de surpresa e 2020 tem sido um ano extremamente surreal. Os programas de pós-graduação e seus alunos se viram obrigados a se adaptar a novas metodologias e nosso trabalho, no geral e do contrário do que muitos pensam, aumentou muito – não apenas pela necessidade de adaptação de produção com prazos que não param, mas também pela demanda que aumentou (os professores com mil palestras que o digam!).

Também, a tarefa solitária da produção científica se intensificou e, se já tínhamos que cuidar de nossa saúde mental antes, todo o isolamento só potencializou muitas barreiras enfrentadas. E assim seguimos, cada um com sua luta diária em manter a qualidade de nossa produção dentro dos prazos e se adaptando com as limitações impostas pela pandemia.

Dentro de toda loucura vivida temos alguns colegas que têm passado por um “bônus” desafiador: os que estão e/ou estavam fora do país para realizar um sanduíche ou estágio. Pra falar um pouco sobre como têm sido essa vivência passo a “caneca” pra querida Laís Alpi Landim, aluna do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da Unesp de Marília e que está cursando um período de doutorado sanduíche na Universidad de Salamanca, na Espanha:

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Café com sanduíche... de Covid!

Que loucura! Imagino que todo mundo saiba o quão pesada, inesperada e avassaladora tem sido viver em uma época de eclosão de uma pandemia. E a mí me tocó, como dizem aqui na Espanha, estar iniciando o doutorado sanduíche exatamente uma semana antes do início do confinamento total, a famosa quarentena.

Fazer um doutorado sanduíche não é fácil, embora seja possível e recomendável. Envolve um planejamento de anos e uma série de procedimentos burocráticos, pessoais e todas as inquietações e ansiedades presentes em cada etapa e em cada imprevisto – no fim, geralmente, dá tudo certo, mas até aí, valha! E, comigo, não foi diferente.

O Processo

Uma das primeiras etapas do processo é estudar um edital e começar a preparar a documentação. No meu caso, o edital foi o Capes Print Redes, que exigia um breve projeto e a carta convite do orientador no exterior. Para mim, já não foi fácil entrar em contato com um orientador estrangeiro em uma língua em que não sou nativa – eu ficava muito insegura, com medo de cometer alguma gafe ou não usar uma linguagem suficientemente respeitosa em Espanhol. Porém, tive a sorte de escolher um orientador solícito, gentil e aberto que me auxiliou durante todo o processo.

A segunda etapa foi buscar atender às exigências quanto à proficiência em língua estrangeira do edital. Eu havia estudado inglês por um bom tempo da minha vida e já havia conseguido a nota exigida pela Capes no edital. Porém, meu certificado estava expirado. Como eu estava indo para a Espanha, optei por fazer o teste de proficiência em Espanhol – especificamente, o Siele, pela rapidez de inscrição, realização e obtenção do certificado. Eu também havia estudado espanhol e me preparei um pouco mais, de forma autodidata, antes do teste. O edital da Capes exigia a nota C1 nas quatro bandas avaliadas – leitura, compreensão auditiva, expressão oral e expressão escrita. Aí veio o primeiro susto: eu não consegui a nota C1 na banda expressão escrita! Paguei uma taxa para obter uma revisão da prova e nada! Comecei a buscar, então, alternativas. Consultando outras e outros estudantes na mesma situação, descobri que é muito comum não conseguir a nota C1 no Siele, inclusive estudantes nativos de países hispanofalantes! Ou seja, não recomendo a realização desse teste, pois parece bem difícil conseguir a nota exigida pelo edital da Capes.

Mas Laís, o que fazer então se preciso da nota para fazer o sanduíche? - você deve estar se perguntando. No caso do edital do qual participei, havia a possibilidade de apresentar um certificado de proficiência em língua inglesa, desde que o meu orientador no exterior expressasse na carta que aceitaria tal certificado. Foi o que fiz: acrescentei na carta a informação de aceite da língua inglesa e fiz, às pressas, um teste Toefl ITP, que também possui um rápido processo de inscrição, realização e obtenção do certificado. No caso do espanhol, há a possibilidade de realizar o DELE – neste, a nota exigida pela Capes é a B2 e pode ser mais fácil conseguir. Mas a melhor recomendação, aqui, é sempre estudar ao menos uma língua estrangeira e ter um teste de proficiência na manga para não passar perrengue e perder a chance de fazer o sanduíche!

Em seguida, vieram os procedimentos burocráticos junto ao consulado e o preparo dos documentos para realizar o doutorado em cotutela – um mar de burocracias que me fez sentir no romance O Processo, de Kafka! Nesta etapa, a ansiedade, para mim, foi inevitável. O processo de obtenção do visto envolve uma série de idas ao cartório para legalizar e apostilar documentos. Os consulados, normalmente, exigem, também, a carta de concessão da bolsa da Capes – que demora bastante para chegar. A minha só chegou por volta de um mês antes da minha partida, quando pude, finalmente, ir ao consulado solicitar o visto. Imaginem a minha ansiedade! Nessa etapa, foi importante estar em contato com outras e outros estudantes na mesma situação, que me informaram que essa demora era normal e que tudo saía meio em cima da hora mesmo!

Há outros aspectos que eu poderia relatar aqui – escolha do seguro saúde, procuração etc. – mas o texto ficaria demasiado longo e cansativo, então fico à disposição para responder dúvidas por e-mail e... vamos ao que interessa, o sanduíche durante a pandemia!

O Sanduíche durante a Pandemia

Imaginem o êxtase em que eu estava quando cheguei à Espanha após essa saga de procedimentos e dificuldades que encontramos antes de conseguir, finalmente, embarcar para o país destino do nosso período sanduíche! Cheguei a Madri no dia 06 de Março de 2020. Afortunadamente, minha orientadora do Brasil, a Maria José, havia conseguido um pós-doutorado na Universidade Carlos III de Madri (UC3M) com início no mesmo período que eu, então optamos por pegar o mesmo voo e chegar juntas à cidade.

Planejei passar dez dias na capital espanhola para visitar o Instituto Universitário de Estudos de Gênero da UC3M. Nos hospedamos em uma residência universitária – chamadas de colegio mayor aqui – a Casa do Brasil. Cheguei encantada pela cidade, pela sua arquitetura, pela diversidade de um ambiente diferente de tudo o que eu conhecia. Eu estava muito animada, com um ano inteiro de experiências culturais, acadêmicas e pessoais que me aguardavam. Chegamos pela manhã, numa sexta-feira, e saímos para dar uma volta pela cidade. Nosso alojamento era próximo do centro, então pude conhecer os principais pontos turísticos da cidade: o Arco de la Victória, a Gran Vía, Puerta del Sol...

No fim de semana, encontramos os professores com quem tínhamos contato e combinamos de ir, no dia 08 de março, às manifestações relacionadas ao Dia Internacional da Mulher em Madrid. Alguns rumores sobre o novo corona vírus estavam presentes em nossas conversas e preocupações, mas nada significativo. Muito pouco se sabia sobre a sua gravidade e ainda parecia um problema remoto, que ainda não tinha chegado à Espanha. Porém, na segunda-feira, veio de repente o aviso de que as escolas e universidades seriam fechadas a partir de quarta-feira, dia 11 de março. Ao longo da semana, as demais notícias informavam que museus, parques e centros culturais também seriam fechados, seguidos dos estabelecimentos comerciais e todos os serviços chamados não essenciais. Ou seja, só permaneceriam abertos os mercados, as farmácias, as delegacias e os hospitais. As viagens e deslocamentos não essenciais também estavam proibidos.

Um certo pânico tomou conta de mim e das pessoas que estavam no mesmo alojamento. Eu planejava ir de Madrid e me estabelecer em Salamanca no dia 17 de março, porém, já não poderia viajar nesta data. Eu perderia o apartamento que tinha reservado, tudo seria diferente do planejado. Assim, fiquei presa em Madrid, no início da pandemia.

O início da quarentena seguiu uma sequência de pensamentos, atitudes e providências que acredito ter sido comum para a maior parte dos estudantes de pós-graduação como eu. Iniciamos por uma tentativa de respirar, espantar o pânico e traçar os novos planos – reuniões virtuais, mais tempo para leitura e escrita, planejamento de atividades de lazer que pudessem ser realizadas de dentro de casa. Tudo permeado por momentos de medo e preocupação – pela minha saúde, a de minha família e dos meus próximos, e pelo futuro das sociedades subjugadas a um evento tão estarrecedor.

Como costuma ocorrer com a maior parte dos planos que traçamos, muito do planejado não ocorreu. Principalmente em termos de fazer cursos e aprender coisas novas. Acredito que, assim como para muitos, para mim também o clima pesado se instaurava cotidianamente, me paralisava; a pandemia era como a morte me encarando diretamente e colocando em questão tudo em que eu acreditava. Esse estado de alerta, esse questionamento constante, era exaustivo, e não sobrava energia mental para fazer curso de fotografia, língua ou qualquer outro que pensava em fazer para aproveitar o tempo em casa.

Aprendi, neste período, que ser produtivo pode envolver também o cuidar de si. Que nossa definição de fazer algo útil, aproveitar o tempo, pode estar demasiadamente contaminada pela visão mercadológica inerente ao sistema capitalista sob o qual vivemos. Comecei, então, a focar em atividades de autocuidado: caminhada pelo gramado do alojamento, cuidados com a pele e o cabelo, estabelecimento de uma rotina de organização da roupa e do quarto, meditação e auto-observação.

Pouco a pouco consegui dar seguimento às atividades acadêmicas à distância, via meios digitais. Tive reuniões virtuais com meu orientador da Espanha e com a rede de professores com quem temos contato. Enviei trabalhos para eventos e escrevi um capítulo de livro em colaboração com uma amiga no Brasil. Após dois meses de confinamento, a Espanha instituiu fases de desconfinamento - pudemos sair para caminhadas e, posteriormente, frequentar espaços públicos, de lazer e de comércio. Quando as viagens entre províncias foram liberadas, pude finalmente me mudar pra Salamanca e a cidade é encantadora.

Não tem sido fácil, a pandemia não acabou, e a situação descontrolada do problema no Brasil me preocupa diariamente. Mas sou grata por tudo que tenho vivido e aprendido, parte do que já era esperado para um período sanduíche, parte pelas inúmeras surpresas que a emergência da Covid-19 acrescentou à experiência. Ao final, não me arrependo de nada, faria tudo de novo e recomendo sem pestanejar, independente de pandemia ou não, atrever-se a experiências acadêmicas no exterior. Tenho a impressão que o saldo é sempre positivo!


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HELOÁ OLIVEIRA

Doutoranda em Ciência da Informação na Unesp - Marília, Mestra em Ciência da Informação pela Unesp - Marília e Graduada em Biblioteconomia pela Universidade Estadual de Londrina.