CAFÉ COM PÓS


SAÚDE MENTAL NA PÓS – O EU E O OUTRO

“Vou falar sobre minha saúde mental, então peço encarecidamente que quem não simpatiza com esse tópico não me ridicularize”. Com palavras diferentes, com apelos mais dramáticos ou sutilmente, tenho observado que a maioria dos discursos onde as pessoas criam coragem para expor seus problemas começam, são permeados, ou finalizados com esse tipo de apelo sincero aos “amigos da pós”.

Por outro lado, a saúde mental na pós-graduação foi o tema mais indicado para ser um dos tópicos dessa coluna. Se muitos querem falar sobre isso, e se muitos precisam se proteger dos colegas para entrar nessa discussão, comecei a delinear minhas inquietações para uma abordagem um pouco diferente: a falta de empatia. Até porque muitos são os especialistas que têm explorado o tema, e deixo, portanto, a eles a tarefa de trabalhar os aspectos médicos pertinentes.

A empatia, ou o “calçar o sapato do outro”, tem sido uma característica que poucos têm demonstrado na vida, o que se observa facilmente ao dar uma volta no centro da cidade – veremos então um desfile de individualidade e arrogância, numa luta árdua de se sair melhor que outros, beneficiado em alguma situação, por mais insignificante que a situação seja.

É como se as vitórias do dia fossem medidas pelos segundos que a pessoa “ganhou” no trânsito (mesmo que isso tenha significado colocar a vida de outros em risco), e os centavos economizados (mesmo que isso signifique não avisar ao caixa que ele voltou o troco errado, sabendo que ele mesmo terá que repor essa diferença tirando o valor de seu ridículo salário). Mas esses “mesmo que” são apagados dessas corridas diárias para se sentir superior. A euforia de se sentir melhor, ou mais privilegiado, mascara a agressão que fazemos a nossos semelhantes.

Pensando nas falácias dessa superioridade, passei a observar os comentários nos posts de “desabafos”, bem como discursos dos colegas “bem-sucedidos” em suas pesquisas. Definitivamente é entristecedor ver que o desenvolver da pesquisa não caminha ao lado do desenvolver de autocrítica.

Portanto, está na hora de repensar se estamos realmente preparados para ouvir o outro sem críticas infundadas, baseadas unicamente na nossa percepção de como é fácil trabalhar na pós-graduação. Talvez seja o momento de mudar nosso discurso que majoritariamente tenta mostrar “como foi fácil”, tentando falar os pontos que nos ajudaram, como nossa incrível organização e dedicação, e tentar ao mínimo se manter neutro, aberto a aceitar que muitos, talvez a maioria, tenham passado por turbulentos conflitos para chegar onde estão.

Voltamos ao ponto simples de que muitas vezes não atrapalhar é a melhor ajuda. O que nesse caso seria que não julgar é a melhor ajuda.

Não é que os colegas fiquem tristes com o sucesso do outro, muito pelo contrário, acredito que todos compartilhamos da enorme alegria que é ver o outro ter tranquilidade para fazer seu trabalho, porém, a forma de exposição é a que desestimula, pois parece que é um sucesso em detrimento dos que ainda estão em batalhas. Talvez aquele seu discurso do quanto foi fácil, tranquilo e organizado possa esperar outro momento e outros públicos.

Tentando manter essa visão mais aberta ao outro, passamos a questionar então: o que tem deixado essas pessoas tão mal?

Um importante aspecto para ressaltar é que não são apenas os alunos que sofrem com isso, mas também os professores, que têm o agravante de ter que lidar com situações oriundas das mais diversas naturezas quando trabalham com seus orientandos, tendo seus conflitos pessoais e os conflitos pessoais de seus diferentes orientandos em constante embate. Assim, empatia para com eles também é preciso, e talvez nos ajude a minimizar conflitos que possamos ter com eles.

Entre conversas, comentários e indicações, pude observar que os principais conflitos dentro da pós-graduação são oriundos de transtornos emocionais anteriores que são então potencializados no estresse da pós; problemas de relacionamento entre alunos; competitividade acadêmica; problema de relacionamento com o orientador; e dificuldade para lidar com a vida pessoal e a vida acadêmica – não necessariamente nessa ordem.

Como já dito, não é objetivo deste texto discutir aspectos de tratamentos médicos necessários para qualquer situação de estresse, muito menos dizer que não é preciso procurar a devida ajuda médica, pelo contrário, quero destacar que é importante sempre procurar ajuda, de preferência o mais rápido possível, se sentir algum peso psicológico, e assim evitar que o problema aumente, desencadeando e/ou potencializando doenças, o que infelizmente já vi acontecer.

Lembrando que as universidades costumam ter um setor de apoio ao aluno, e, caso não saiba a quem recorrer, converse com seu orientador ou coordenador. Se você tem, ou conhece alguém que tenha, algum transtorno que está sendo potencializado no curso da pós, é necessário buscar o apoio de grupos especializados nisso (como os próprios conselhos que tratam esses transtornos) – uma busca na internet pode te trazer o site oficial desses órgãos, onde encontramos esclarecimentos, apoio e indicações.

Quanto ao relacionamento entre alunos, a falta de empatia, que iniciamos a discussão aqui, parece ser o principal desencadeador de problemas.  Quando não entendemos, nem tentamos entender, o outro, passamos a estabelecer posturas nocivas.

A grande competitividade na produtividade aparece também, fazendo com que a corrida pela produção massiva ultrapasse os aspectos de qualidade e desempenho em pesquisa. Quem publica mais se sente então armado, sempre em vantagem sobre seus colegas, desencadeando uma corrida de egos constante. Isso, atrelado a falta de entender os problemas ou perspectivas que podem fazer com que o outro tenha menos publicação, geram um ambiente hostil e desestimulante.

Os tópicos problema de relacionamento com o orientador e dificuldade para lidar com a vida pessoal e a vida acadêmica são bem extensos e, por isso, resolvi deixá-los para nosso próximo texto.

A pós-graduação é um ambiente diferente para a maioria das pessoas, principalmente no Brasil, onde a pesquisa segue em minúsculos passos, com constantes ataques políticos que a desmerecem e agridem suas vertentes e profissionais. Lidar com essa realidade, num cenário onde uma porcentagem ínfima da população tem acesso aos cursos de mestrado e doutorado, numa desigualdade não só social, mas também geográfica, e onde o ensino público tem enfraquecido, é mais do que estressante, é desafiador.

Assim, muitos são os conflitos que aparecerão nessa trajetória, e a ideia de trazer alguns para discussão, ressaltando a necessidade de empatia para com nossos colegas que sofrem, é apenas uma tentativa de expor fatos que podem parecer pequenos para uns, mas que são impactantes até mesmo na decisão de continuar ou não nesse caminho.


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HELOÁ OLIVEIRA

Doutoranda em Ciência da Informação na Unesp - Marília, Mestra em Ciência da Informação pela Unesp - Marília e Graduada em Biblioteconomia pela Universidade Estadual de Londrina.