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O BIBLIOTECÁRIO DE CATALOGAÇÃO E A ATENÇÃO COM O IFLA LRM

O IFLA Library Reference Model (LRM) é um modelo proposto sob o conceito de Entidade – Relacionamento (E/R). Consolida em um único modelo a família FR: Functional Requirements for Bibliographic Records (FRBR), Functional Requirements for Authority Data (FRAD), e Functional Requirements for Subject Authority Data (FRSAD), com a intenção de resolver inconsistências existentes nos três modelos.

Desta forma, o processo catalográfico alcança um novo nível evolutivo. A partir de processo iniciado em 1998, com o FRBR; e que marca, nos domínios das bibliotecas, o desenvolvimento de modelo conceitual próprio, orientado para o universo bibliográfico caracterizado pelo uso de dados bibliográficos em ambientes de dados vinculados.

A IFLA destaca que o modelo único simplifica e oferece uma consistência lógica na cobertura de todos os aspectos dos dados bibliográficos, além de manter o modelo atualizado com as atuais práticas de modelagem conceitual. Serve, portanto, de base ao desenvolvimento de sistemas bibliográficos. Sistemas ajustados ao ambiente digital, como: catálogos, repositórios e bibliografias; além de fornecer um guia ou base para formular regras de catalogação.

Aos bibliotecários de catalogação, as transformações não se manifestam apenas em alterações dos processos catalográficos. É mais profunda, e envolve a compreensão de um glossário de conceitos e termos contidos nestes modelos. Além dos efeitos sobre novos padrões e protocolos catalográficos em adaptação ou a serem criados. Assim, o próprio vocabulário catalográfico tradicional já bastante extenso, se expande ainda mais no trato agora da informação bibliográfica.

Além da terminologia, o bibliotecário catalogador precisa atentar para algumas das características dos modelos, em especial, para conceitos como Entidade, Atributos, Relacionamentos, e as tarefas dos usuários. Que são características comuns na família FR e no LRM.

As tarefas configuram-se em um princípio no qual os sistemas bibliográficos devem se amparar. O LRM segue o FRBR na escolha das tarefas dos usuários; diverge do FRAD, ao excluir as tarefas de “contextualizar” e “justificar”. Estas distinções são visualizadas ao se indicar as tarefas de cada modelo:

  • FRBR: Encontrar, Identificar, Selecionar e Obter.
  • FRAD: Encontrar, Identificar, Contextualizar e Justificar.
  • FRSAD: Encontrar, Identificar, Selecionar e Explorar.
  • LRM: Encontrar, Identificar, Selecionar, Obter e Explorar.

Na literatura é salientada que as tarefas, nos modelos, são listadas em uma ordem a refletir o comportamento típico do usuário, mas que não precisam ser executadas e nem podem ser repetidas. Isto se refere as tarefas: “identificar” e “obter” que, em geral, ocorrem simultaneamente e em interação. As quatro primeiras tarefas do LRM são as mesmas do FRBR e FRAD, enquanto a última, “explorar”, foi introduzida do FRSAD.

Quanto as Entidades, o LRM assimila dos modelos com algumas mudanças de nomenclatura e de conceito. Por exemplo, as entidades do FRBR — Grupo 1 permanecem as mesmas no LRM, no entanto, existem algumas pequenas diferenças nas suas definições. Para lembrar, a distribuição das entidades nos modelos se dá da seguinte forma:

  • FRBR: Obra, Expressão, Manifestação, Item, Pessoa, Entidade Coletiva, Conceito, Objeto, Evento, Lugar.
  • FRAD: Obra, Expressão, Manifestação, Item, Pessoa, Entidade Coletiva, Conceito, Objeto, Evento, Lugar, Família, Nome, Identificador, Ponto de Acesso, Regras, Agência.
  • FRSAD: Thema, Nomen.
  • LRM: Res, Nomen, Obra, Expressão, Manifestação, Item, Agente (Pessoa e Agente Coletivo), Lugar, Intervalo de Tempo.

Saliente-se que, no modelo Entidade-Relacionamento, as entidades definem-se como os objetos-chave de interesse do usuário, nos processos catalográficos. No LRM, as entidades passam a ser denominadas de classes de objetos conceituais, conectados por relacionamentos, e caracterizados pelos seus atributos.

A novidade no LRM é a adoção do modelo de classes e subclasses, nos quais os relacionamentos se dão pelo termo “IsA” (é um). O modelo define, então, hierarquias entre as Entidades, que também se definem ou redefinem pelo conceito de classe e subclasse. Uma classe pode herdar todas as subclasses (Entidades) sem precisar repeti-las em níveis inferiores, na modelagem.

Na hierarquia das Entidades, divididas em níveis, representa-se a subordinação por classes. A Entidade Res (1.º nível), definida como qualquer entidade no universo do bibliográfico. É a superclasse de todas as entidades definidas e de outras entidades não identificadas no LRM. Para o bibliotecário de catalogação, serve de ponto de atenção para entender o modelo. Quanto a hierarquia das entidades, essa se apresenta da seguinte forma:

  • Entidades de 1º Nível: Res (LRM-E1), uma superclasse.
  • Entidades de 2º Nível: Obra (LRM-E2), Expressão (LRM-E3), Manifestação (LRM-E4), Item (LRM-E5), Agente (LRM-E6), Nomen (LRM-E9), Lugar (LRM-E10), Intervalo de Tempo (LRM-E11).
  • Entidades de 3º Nível: Pessoa (LRM-E7), Agente coletivo (LRM-E8).

Deve-se destacar que, na nomeação dos elementos do modelo, foi adicionada letra inicial do elemento correspondente para: Entidade — E; Atributo — A, e Relacionamento — R.

A nomenclatura da Entidade e Atributo é acompanhada de numeração sequencial, o que favorece a identificação e estrutura do modelo, além da sua leitura técnica.

Uma observação é sobre a entidade Nomen, compreendida como a associação entre uma entidade e uma designação que se refere a ela. Essa Entidade permite definir atributos específicos, como idioma ou a identidade de alguém, para fins de estabelecer relações entre eles. Como exemplo, estabelecer a relação entre o nome anterior e posterior de uma pessoa. Neste sentido, é usada para se referir a uma instância da entidade Res.

Outra observação, se refere a entidade Res e ao modelo FRSAD. O modelo introduziu duas entidades: Thema e Nomen, para modelar o relacionamento. O LRM manteve as duas entidades, porém com mudança na nomenclatura da entidade Thema, agora denominada Res.

Mais uma observação, refere-se à entidade Agente, compreendida como entidade executora de ações deliberadas de concessão de direitos e de responsabilidades assumidas. O Agente vincula as entidades: Pessoa (definida como um ser humano individual) e o Agente coletivo (uma reunião ou organização de pessoas sob denominação específica e de atuação como unidade).

Neste contexto, o LRM baseia-se no FRBR ao limitar Pessoa às pessoas vivas ou que se presume que tenham vivido. Assim, pessoas fictícias, literárias e lendárias não são incluídas na entidade. Podem, porém, ser objeto de Obras, mas quando parecem surgir como criadores, são em realidade pessoas reais ou um agente coletivo usando esta denominação no processo de criação.

O modelo indica a entidade Agente como uma superclasse. Uma hierarquia se apresenta às entidades do Grupo 2 do FRBR (Pessoa, Família e Entidade Coletiva ou Pessoa Jurídica). Neste sentido, por Família e Pessoa Jurídica estarem subentendidos na entidade Agente Coletivo e não possuírem atributos e relacionamentos específicos não foram incluídas como entidades do LRM. Desta forma, tem-se uma questão que merece a atenção do Bibliotecário de catalogação, na assimilação e aplicação do modelo.

Outro aspecto, relevante do LRM, se refere aos atributos das Entidades. Eles permitem atribuir valores às características das entidades. No FRBR, os atributos são apresentados em níveis de detalhe. No LRM, devido à cobertura de todos os tipos de materiais, optou-se pela inclusão de atributos mais frequentes e gerais. Desta forma, a lista encontrada não é exaustiva e os atributos não são obrigatórios.

Na perspectiva de uma implementação, os atributos podem ser adicionados para registrar características relevantes adicionais ou acrescentar detalhes aos atributos existentes. Ressalte-se, neste contexto, que dois atributos ressaltados no modelo: Categoria e Nota, declarados para a entidade Res (uma superclasse), são herdados por todas as entidades.

Atributos, portanto, é tema que merece a atenção do bibliotecário de catalogação, no estudo do modelo. Para ilustrar as observações citadas, lista-se a seguir uma síntese da estrutura das entidades e atributos citados pelo modelo e que são codificados pela letra A em sequência numérica.

 

 

 

 

 

Aspecto essencial, do LRM, são os relacionamentos que conectam as entidades. Eles são identificados pela letra R seguida de um número sequencial (de LRM-R1 a LRM-R36). Os relacionamentos inversos (recíprocos) são mencionados pelo número do relacionamento mais o sufixo “i” (não tratados neste texto). No documento IFLA-LRM o tópico é bem detalhado.

Uma característica, dos relacionamentos, se refere às entidades Obras, Expressões, Manifestações e Itens, virtualmente idênticos em todos os três modelos FR. Esses relacionamentos são o cerne do LRM.

Embora os relacionamentos sejam indicados entre tipos de entidades, eles ocorrem também entre as instâncias de entidades. Destaque-se outros aspectos como: a) uma relação declarada entre seu domínio e alcance é sempre em ambas as direções; b) se o domínio e o intervalo forem iguais, o relacionamento é recursivo (repetitivo até ao infinito); c) quando o relacionamento é o mesmo em ambas as direções, é denominado simétrico; d) em conformidade com outros modelos, os relacionamentos no LRM são modelados em um nível geral e abstrato.

Para visualizar algumas das especificações de relacionamento, elabora-se um quadro, síntese. Para sua leitura convém entender sua sinalização, a saber:

  • ID de Relacionamento: o identificador, especificado pelo LRM, para indicar as conexões das instâncias de entidades.
  • Domínio: a entidade fonte, o ponto inicial ou de origem de uma relação. As entidades servem como domínio e abrangência dos relacionamentos destacados no modelo.
  • ID de Domínio: identificador da entidade especificada no modelo.
  • Relacionamento: uma conexão entre instâncias de entidades, que fornece um contexto. O LRM declara as relações de uma maneira geral e abstrata.
  • Nome inverso: ou relacionamento recíproco. Um complemento lógico da relação que passa da abrangência para o domínio.
  • Abrangência: a entidade destino ao ponto de chegada, para um relacionamento. No relacionamento inverso, a entidade abrangência serve como domínio, e a entidade da opção domínio serve como abrangência, e o nome inverso do relacionamento é utilizado. Por exemplo, a relação representada na etiqueta LRM-R3, deve ser lida como: Expressão (LRM-E3) é materializada em Manifestação {LRM-E4}; Manifestação {LRM-E4} materializa Expressão (LRM-E3).
  • ID de abrangência: identificador da entidade especificada no LRM.
  • Cardinalidade: especifica o número das entidades do domínio e de abrangência que podem ser conectadas por relacionamento específico. A cardinalidade 1 para M (relação de um para muitos), significa que uma entidade do domínio está relacionada a muitas instâncias. Em consequência, no relacionamento reverso, muitas instâncias estão relacionadas a uma entidade ou instância. Entretanto, para o relacionamento é realizado através de, por exemplo, significa que cada Obra tem uma ou mais Expressões que a realizam, e que cada expressão realiza exatamente uma Obra. Da mesma forma, no relacionamento é exemplificado por cada Item é um exemplo de uma única Manifestação. Enquanto cada Manifestação é exemplificada por um ou mais Itens. A cardinalidade M para M no relacionamento Obra foi criada por Agente, por exemplo, significa que qualquer Agente pode criar muitas obras e uma Obra pode ser o resultado de contribuições criativas de vários Agentes.
  • Definição: indicação explicativa dos relacionamentos apresentados.

Os bibliotecários de catalogação devem dedicar atenção em analisar o estabelecimento dos relacionamentos declarados nos modelos e, em especial, no LRM. A dedicada atenção é importante para compreender as aplicações na construção das bases bibliográficas. Para visualização deste tópico do relacionamento, e baseado no documento da IFLA LRM, estrutura-se um quadro, síntese a seguir:

 

 
 

Nesta breve análise, do modelo IFLA LRM, busca-se alertar aos bibliotecários de catalogação sobre a importância da leitura do modelo IFLA-LRM e dos documentos da família FR.

O texto apresentado não inclui todos os detalhes necessários e não está completo de forma alguma. Até pela impossibilidade de tratar em detalhe um documento complexo.

O modelo IFLA LRM representa um importante passo em frente para os processos catalográficos. Representa também uma nova propositura de modelagem do universo bibliográfico, que deve servir de base ao desenvolvimento de regras catalográficas e formatos bibliográficos. Os documentos mencionados, estabelecem também uma nova maneira de visualizar e de pensar a catalogação bibliográfica e metadados.

Indicação de leitura:

Riva, P.; Le Boeuf, P.; Žumer, M. IFLA Library Reference Model: Um Modelo Conceitual para a Informação Bibliográfica. IFLA, 2017/2020. Disponível em: https://bit.ly/3tqNmMR

Machado, R. S.; Zafalon, Z. R. Catalogação: dos princípios e teorias ao RDA e IFLA LRM. João Pessoa: Editora UFPB, 2020. Disponível em: https://bit.ly/2QB5Mwc


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.