MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO


  • Reflexões sobre a Mediação da Informação, englobando aspectos teóricos e práticos.

A POLÍTICA NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DA INFORMAÇÃO

Nas discussões sobre aspectos políticos na formação do bibliotecário partimos de um pressuposto: o professor, por ser professor e se relacionar com o conhecimento humano, necessariamente terá uma postura humanista, terá uma postura voltada para a diminuição das desigualdades, terá uma postura mais progressista ou, como é possível descobrir nos textos mais atuais, uma postura de defesa da margem esquerda nos âmbitos político, social, cultural, educacional etc.

Isso, no entanto, não é verdadeiro. Há muitos professores conservadores, retrógrados, fascistas, racistas, homofóbicos, preconceituosos, excludentes etc.

Entre os termos que utilizei, excludente é o mais “ameno”.

Exclusão é uma palavra que está sendo usada no lugar de outras, com conceitos e significados mais fortes. A ideia foi exatamente essa, ou seja, amenizar o significado de palavras como marginalidade ou marginalização.

Venho reiterando o quanto posso, a ideia de que todos nós somos excluídos de uma ou mais coisas, de acessos, de direitos, de desejos. A palavra exclusão carrega uma concepção que ameniza seus efeitos (lembra que mais acima usei excludente como o termo mais ameno?). Eu sou, a exemplo de todos, excluído da posse de muitas mercadorias, sou excluído do acesso a muitos bens culturais, sou excluído de viagens a muitos lugares que gostaria de visitar, espaços que gostaria de conhecer. Claro que minha exclusão não envolve a comida, o emprego mais bem remunerado, plano de saúde, educação superior, moradia e outras tantas coisas que fazem parte do que a maioria da população é excluída. Mas, o conceito de exclusão exige que seja ele complementado, ou seja, exclusão de algo. Isso passa exatamente a ideia de que as exclusões são departamentalizadas e o termo excluído, quando empregado sem complemento, perde seu significado.

Voltando à sala de aula, ou melhor, ao nosso olhar sobre a sala de aula e os aspectos políticos na formação do bibliotecário. O que um professor includente deve trabalhar em sala de aula e no contexto da disciplina, incluindo as atividades além das presenciais?

Em primeiro lugar acredito que a escola includente, em um país como o Brasil, deve entender o espaço de aprendizagem como transformador e como um espaço de resistência.

É bonito dizer isso, mas como exercer, implantar, trabalhar com essa noção?

O professor tem obrigação de apresentar textos que coloquem em xeque a história oficial, as ideias oficiais. Ele precisa – e deve – se colocar em oposição à política educacional que torna a escola um dispositivo para manter a estrutura de classes, um dispositivo que aparenta criar possibilidades aos sujeitos de buscarem uma vida economicamente diferente da que vive.

Cabe lembrar aqui, pensando nas bibliotecas, um conto de Ítalo Calvino chamado “Um general na biblioteca”, em que a ação do bibliotecário é desencadeadora de transformações nas concepções prévias e nas posturas do militares que “tomam de assalto” uma biblioteca para analisar o conteúdo dos livros presentes no acervo e, claro, censurá-los caso contestem os entendimentos defendidos pelos militares.

Não podemos repreender, com castigos ou coisas similares, posturas preconceituosas, mas apresentar argumentos contrários aos que sustentam posturas excludentes. A tendência é os alunos reproduzirem ideias que circulam e são veiculadas no ambiente familiar ou entre amigos. Em geral, tais ideias são partilhadas em grupos fechados e concepções diferentes não conseguem romper essa bolha. Oferecer outros olhares em sala de aula pode permitir uma postura mais crítica do aluno, uma vez que exige, na medida em que ele se depara com posições diferentes sobre o mesmo tema, a escolha por uma delas.

Os textos devem ser escolhidos a partir de seus conteúdos, claro, e com base na contradição que eles trazem em relação às ideias, em boa parte das vezes, hegemônicas.

Em segundo lugar, a escola inclusiva deve entender o aluno como coparticipante da aprendizagem. É comum alunos chegarem em sala de aula cansados de um dia de trabalho estafante; terem que se deslocar do serviço para a universidade em transporte público inadequado, lotado; precisar se alimentar com um sanduíche ou algo parecido. Pedir a ele que participe da aula, que se exponha, que discuta um texto solicitado previamente – e que boa pare das vezes não foi lido – é escolher uma estratégia de aula inadequada. Eu, professor, quero discutir a relação do bibliotecário com posturas políticas desconsiderando a vida do aluno? Comecei, com certeza, não muito bem.

Vamos ser críticos com a escola e questionar suas bases estruturais. Por exemplo: quem disse que todos os alunos são iguais e o ano letivo deve ser de 12 meses? Por que o aluno deve seguir a seriação estabelecida? Por que as aulas devem ser de 50 minutos e oferecidas integralmente em sala? Há muitas questões desse tipo que não são apresentadas e, invariavelmente, nós professores nos sujeitamos às propostas meramente administrativas e não pedagógicas.

Administrativamente uma escola diferenciada, que aceita questionar e se transformar caso as questões sejam entendidas como acertadas, terá dificuldades para implantar essas ideias tendo que, além de romper com as estruturas vigentes, aceitar e afirmar que a aprendizagem deve dirigir as ações das escolas e não o administrativo.

Em terceiro lugar, a escola inclusiva deve ser globalizadora e localista ao mesmo tempo. Deve pensar o global, pois, hoje, não o pensar é impossível, mas sem esquecer o contexto em que está inserida, as necessidades, os desejos, os interesses dos que vivem no lugar. O espaço da comunidade possui características próprias, que o diferem do resto do mundo. A escola deve ter o contexto como norte. Paulo Freire dizia isso em relação a alfabetização de adultos.

Não há necessidades, desejos e interesses puros, mas também não há necessidades, desejos e interesses únicos, válidos para todos os lugares. A concepção de consumo no capitalismo tende a criar um mercado único e amplo para os produtos produzidos – e, em boa parte das vezes, o consegue -, desconsiderando e não se preocupando com o que precisam os que habitam as comunidades, sejam muito ou pouco habitadas.

Em suma, lidar com aspectos políticos na formação do bibliotecário significa tentar levar os alunos a serem críticos. Não quero que eles simplesmente apoiem as ideias que apresento, que defendo, pois isso seria reproduzir o que contesto nos outros. Quero que comparem, criticamente, os temas discutidos em sala, os textos que embasam essas discussões e o que eles vivem. Quero que pensem, que reflitam sobre a realidade deles e das comunidades em que vivem, fundamentados nos conteúdos das disciplinas, dos materiais utilizados em sala e nas trocas de experiências e questionamentos gerados pelos colegas.


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OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.