OBRAS RARAS


MATERIALIDADE DE LIVROS - I

Recentemente têm chegado em minhas mãos (na verdade mais aos meus ouvidos) artigos, comentários e palestras acerca da materialidade de textos e livros. O assunto pode ser analisado de várias maneiras, como, por exemplo, do ponto de vista eletrônico, com o desenvolvimento de projetos arquivísticos e editoriais em formato digital (que já acontecem há algum tempo e só tendem a se multiplicar). O que é material nesse caso, o que sobrevive ao tempo? Onde é armazenado e por quem? Quais os critérios de escolha para reprodução de uma determinada edição? Outra abordagem, talvez no extremo oposto, pode ser a análise do livro enquanto objeto físico (em oposição ao livro disseminador de idéias através do texto/conteúdo, apenas). Essa última abordagem foi tema bem explorado em recente exposição na Library Company of Philadelphia, "Material Texts: Books as Physical Objects", e baseia a presente coluna (já que eu não me atrevo a escrever sobre a sociologia de textos, McKensie, funções de uma boa edição acadêmica com texto em fac-símile e crítica sendo reproduzidos juntos eletronicamente, e por aí vai).

Quem trabalha com livro raro sabe que ele pode ser considerado valioso por seu conteúdo e igualmente pela sua forma, desde a fabricação do papel, do tipo metálico, da tinta e da prensa, da encadernação, passando pelas etapas seguintes de armazenamento, transporte, distribuição comercial, até por fim, e na melhor das hipóteses, ser depositado em alguma estante (na pior, o livro se transforma em cinzas). Com a substituição, em muitos casos, de textos escritos ou impressos por textos eletrônicos, os historiadores começam a reconhecer como as circunstâncias materiais de produção, distribuição e consumo de livros são importantes para um perfeito entendimento das palavras e imagens que eles, livros, encarnam. Eu arrisco dizer que está havendo atualmente nos Estados Unidos e na Europa um renascimento do tópico História do Livro (aqui nos EUA, no início da década de 80, era assunto já discutido). Uso renascimento no sentido de reflorescimento, de uma nova apresentação de um tema que tem sido bastante explorado e que não "morreu" provisoriamente.

A exposição tinha por objetivo provocar as pessoas para que elas repensassem algumas das idéias mais simples a respeito de como os livros são feitos e refeitos e desfeitos, seja por seus autores, editores, encadernadores, ou mesmo por seus leitores.

Na abertura, um documentário mudo (acho que de 1930) mostra a confecção do papel artesanal, a maior despesa na produção de livros, determinando inclusive seu formato (se seria grande, pequeno, ou mesmo se seria um livro mais curto do que o apresentado pelo autor).

"Impressores não fazem livros" é um dos subtemas da exposição citada. Impressores imprimem grandes folhas de papel que precisam ser dobradas, costuradas, aparadas e encadernadas. Quem faz livro é encadernador, pois é quem normalmente determina não apenas a forma em que o texto impresso vai aparecer no futuro livro, mas seu conteúdo, que geralmente varia entre cópias da mesma edição. Sabemos que é possível haver várias tiragens dentro de uma mesma edição e essas tiragens podem ser diferentes umas das outras.

"Autores não escrevem livros". As decisões principais são tomadas por editores, tipógrafos e por quem patrocina a edição.

"Livros são mais do que palavras impressas", onde estavam expostos blocos de madeira e placas de cobre, objetos utilizados pelo ilustrador. Imagens podem confirmar ou modificar o significado do texto que elas ilustram, e também podem ser utilizadas várias vezes e em diferentes livros (além de terem vida mais longa do que os tipos móveis).

Uma outra seção mostrava o papel dos leitores em modificar e/ou completar o trabalho dos vários profissionais envolvidos na confecção do livro através de notas em margens, riscos em palavras, correções, índices manuscritos, etc.

Por fim, uma pintura, raramente exposta na biblioteca, mostra uma mulher (a Liberdade personificada) cercada por livros e os emblemas das Artes e das Ciências, apresentando um pequeno livro a um grupo de escravos recém-libertados. O livro apresentado é um catálogo da Library of Company of Philadelphia, símbolo do acesso público ao conhecimento universal.

Na próxima falaremos sobre a materialidade de alguns livros raros brasileiros.
So long!


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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.