OBRAS RARAS


CATALOGAÇÃO DE LIVROS RAROS - MAIS CONSIDERAÇÕES

Mês passado comecei a falar de uma experiência recente que tivemos aqui na John Carter Brown Library com relação à catalogação de livros raros. Como anteriormente foi citado, o Conselho que praticamente mantém a JCB participa ativamente e se informa sempre de tudo o que acontece. As questões de tempo para catalogar um livro raro, da escolha da base de dados RLIN (Research Libraries Group, Inc.), e da manutenção de um catálogo de fichas quando muitas bibliotecas em todo o país já haviam há décadas "congelado" seus catálogos desse tipo, foram objeto de debate que resultaram em boas resoluções (e experiência para mim).

A questão do tempo foi facilmente resolvida, embora estivesse ligada à questão do não uso do OCLC (Online Computer Library Center). Detalhamos cada tarefa e tempo dedicado a ela para explicar a produção mensal. Muito do que fazemos aqui é catalogação original. Se esses mesmos livros e folhetos existem em outras bibliotecas, não sabemos, pois a maioria não está disponível eletronicamente hoje, em 2004. O tempo gasto na catalogação faz parte da excelência dos serviços prestados pela JCB há anos, e quase não dá para se aproveitar nada, no nosso caso, do que foi catalogado um dia na OCLC. Estamos falando de livros e folhetos impressos nas Américas, período colonial.

Isso nos leva para a questão da escolha do RLIN como base de dados para a catalogação no acervo. Aquele tempo todo gasto na catalogação de um livro raro (rapidamente explicado no mês passado) se reflete nas notas que são registradas nessa base, ao contrário do que acontece na OCLC, que não registra (ou pelo menos não registrava) notas de diferentes exemplares. Nos livros raros, cada exemplar é um único, com suas características físicas próprias. De certa forma, essa questão hoje praticamente não existe mais, pois muitas bibliotecas, como a nossa, têm seus acervos disponibilizados em ambas as bases, catalogando-os em seus próprios sistemas locais ou direto nas bases de dados. A própria JCB tem seus registros presentes em ambas as bases através do Josiah, que é o catálogo online da Brown University, embora catalogue direto em RLIN.

E por quê a JCB resolveu não "congelar" o catálogo em fichas? Porque quis. Com essa decisão, ela será das poucas bibliotecas a ter sua coleção "completamente" online e em fichas (ou até terminar o processamento do enorme backlog, e a partir daí só catalogar eletronicamente). Isso, claro, até que mude a administração. Até agora a atual está mantendo a decisão. Quem vier aqui pode procurar nos diversos catálogos em ficha o que foi e o que ainda não foi processado eletronicamente.

Umas linhas sobre esses catálogos em ficha. Como as informação são muitas e diferenciadas no processamento técnico de livros raros, há normalmente vários catálogos (hoje pesquisa eletrônica) que juntam essas informações. São elas: proveniência, ou a quem o exemplar pertenceu; impressor; data de publicação; tipo de encadernação, etc., além de autor, título e assuntos.

Na mesma época mais ou menos o Conselho da biblioteca questionou pela enésima vez a necessidade de se fazer uma catalogação tão cara e detalhada, e foi sugerido que fizéssemos conversão retrospectiva de parte do acervo. Nossos argumentos não prevaleceram, infelizmente. Depois de anos mantendo o bom nível do trabalho, tivemos de recuar e fazer a conversão. Conversamos na época com várias instituições similares que haviam passado pela mesma experiência, e nenhuma, sem exceção, tinha os registros atualizados completamente online, mesmo aquelas que haviam feito a conversão há mil anos atrás. Arranjamos mil razões sólidas, mas de nada adiantaram.

Isso quer dizer que sou contra a conversão retrospectiva para bibliotecas de livros raros? Quer, embora admita que cada caso seja um. Acho principalmente que deve-se ter em mente o que a instituição realmente precisa e o que quer oferecer em termos de qualidade de serviço a seus usuários. Depois da conversão, ao que parece, não há tempo para se colocar os registros em dia, uma vez que a biblioteca é uma instituição dinâmica e não pode parar o serviço diário para outras atividades. Nunca há pessoal suficiente para atualizar os dados do acervo convertido. Tem-se, portanto, que contratar pessoal para isso. Contrato = verba: quem tem? A outra desvantagem é a qualidade dos registros disponibilizados: pobre, no mínimo, não se sabendo por quanto tempo. Mais vale fazer uma só vez o trabalho, e bem feito, do que fazer duas vezes.

Vale ressaltar que a realidade aqui é outra, pois aí no Brasil não há muitas bibliotecas de livros raros, mas sim coleções de livros raros dentro de bibliotecas. Nesse caso, não se pode deixar de fazer, penso eu, a conversão retrospectiva dos livros raros quando os livros modernos passarem pelo processo. Não faz sentido excluir os livros raros da conversão, pois eles constituem uma parte que pertence a um todo.

Cá pra nós: em geral, que dá trabalho voltar ao registro e ao livro mais tarde, isso dá. Voltar aos livros raros dá mais trabalho ainda.

Enfim... eu sei que o assunto é um pouco polêmico e o objetivo aqui não é levantar polêmicas, mas compartilhar idéias e, principalmente, relatar a experiência de onde trabalho. Agora, eu a-do-ra-ri-a saber de um caso de conversão de livros raros que deu certo.


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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.