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BIBLIOTECA ACESSÍVEL

A coluna, neste mês, entrevista a bibliotecária Camilla Juliana Gonzalez, sobre o tema de seu trabalho de conclusão de curso: Biblioteca Acessível. O estudo analisa serviços e produtos de bibliotecas públicas e acadêmicas internacionais, oferecidos a pessoas deficientes, caracteriza os tipos de deficiência, a acessibilidade e as tecnologias assistivas; detalha as fases do serviço de referência adaptadas ao público especial e define parâmetros para projeção de serviços especializados.

No momento em que se trata da inclusão digital, abordar a questão da inclusão ou exclusão de usuários ao acesso a bibliotecas ganha significativa importância ao destacar outros segmentos da sociedade, normalmente não contemplados nas arquiteturas de unidades de informação e em planejamentos de serviços e produtos informacionais, sejam tradicionais ou digitais, em nosso país.

É uma realidade que merece ser tratada na Biblioteconomia. No Brasil, segundo censo 2000 do IBGE, os deficientes formam 14,5% da população. Desse total, 8,3% possuem deficiência mental, 27% deficiência física, 48% deficiência visual e 16,7% deficiência auditiva.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), existem cerca de 500 milhões de deficientes no mundo, sendo que 80% deles vivem em países em desenvolvimento. A diferença entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, é que nos primeiros existe uma responsabilidade com a cidadania e com os direitos das pessoas com deficiência. Vale ressaltar, ainda, a situação de bibliotecários portadores de deficiências, que atuam em espaços de informação inadequados a eles também.

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[FM]: Em seu trabalho, você desenvolve o conceito de Biblioteca Acessível. Resumidamente, o que seria este conceito?

[Camilla]: O conceito de biblioteca acessível engloba a questão da acessibilidade física e virtual, o serviço de referência adequado e o trabalho sobre as habilidades dos usuários, no uso da informação, para que cheguem ao acesso intelectual. O importante é diferenciar biblioteca acessível de adaptada. A biblioteca adaptada é aquela com as regras do desenho universal, ou acessibilidade física aplicadas, ou seja, rampas, banheiros adaptados, elevadores, maçanetas do tipo alavanca, sinaleiras braile entre outras.

[FM]: O que a motivou pesquisar este tema?

[Camilla]: No fim do segundo ano de Biblioteconomia, comecei a estagiar em uma organização provedora de site sobre deficiência. Quando chegou o momento de escrever a monografia de conclusão de curso, resolvi aliar a teoria com a prática num assunto que me interessava bastante.

[FM]: Quais as características dos usuários com deficiências e suas necessidades específicas, você destacaria?

[Camilla]: Na verdade devemos pensar em características de deficiências e as conseqüências que trazem para as pessoas. No caso da deficiência física, por exemplo, a pessoa tem, no geral, dificuldades de locomoção que devem ser respeitadas. Assim, os espaços devem ser projetados pensando-se nas cadeiras de rodas e andadores, por exemplo. As pessoas com deficiência visual necessitam de material em braile, as com deficiência auditiva de closed caption (legenda oculta) nas fitas de vídeo, alertas de emergência visuais. As pessoas com deficiência mental leve, assim como as com distúrbios de atenção ou aprendizagem precisam de assistentes de leitura.

[FM]: Em seu trabalho, você comenta a diferença de ser deficiente em um país desenvolvido e em desenvolvimento. Como é a questão da legislação (internacional) para esta comunidade?

[Camilla]: A legislação é exemplar: Países como Estados Unidos, Canadá, Austrália e Portugal têm leis e normas rígidas que são seguidas como manuais de elaboração de projetos e serviços. Uma das mais completas é a ADA - Americans with Disabilities Act, dos Estados Unidos. Ela proíbe a discriminação geral e incentiva a criação de facilidades no trabalho, acessibilidade em locais públicos e privados, vantagens no comércio, nos transportes e nas telecomunicações. Para estar protegido pela ADA basta ter uma deficiência ou ter um relacionamento próximo de algum portador: esposa ou mãe, por exemplo.

[FM]: E no caso do Brasil, há legislação? Elas são satisfatórias, na sua opinião?

[Camilla]: No Brasil existem muitas leis que tratam dos direitos dos deficientes. O Decreto 3.298, de 20 de Dezembro de 1999, define todos os tipos de deficiência considerados pelo Estado, por exemplo; trata da igualdade de oportunidades na escola, no trabalho, no esporte e na sociedade. A Lei 10.098, de 19 de Dezembro de 2000 estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade. Mas a preocupação com os direitos das pessoas com deficiência não é de hoje (apesar de ser de pouco tempo atrás). Ela começou em 1980, Ano Internacional das Pessoas com Deficiência. Neste ano, o Estado instituiu uma Comissão Nacional com o objetivo principal de eliminar as barreiras arquitetônicas e deu inicio ao processo de atualização e adequação da legislação relativa às pessoas com deficiência à realidade do país. A legislação brasileira é satisfatória, o problema, porém, é a sua não aplicabilidade.


[FM]: A preocupação não se limita apenas ao aspecto do espaço físico, temos a questão tecnológica. O que é tecnologia assistiva?

[Camilla]: A tecnologia assistiva é um ramo da ciência preocupado com o desenvolvimento e a aplicação de produtos e equipamentos que sejam usados para melhorar as habilidades de pessoas com limitações. Uma tecnologia assistiva pode variar de bengalas e cadeiras de rodas até sintetizadores de voz e brinquedos com acionadores de voz. Incluem-se roupas adaptadas, computadores, carros e adaptações, aparelhos de escuta e materiais protéticos. As tecnologias mais utilizadas, nas bibliotecas internacionais são os teclados com adesivo braile, mouses adaptados, softwares como o Jaws, sintetizadores de voz, o ZoomText para ampliação de tela, o Reading AdvantEdge para escanear e ler documentos, o Dragon Naturally Speaking que permite a escrita de textos a partir de ditados e os codificadores de legenda oculta. Gostaria de salientar, também, a acessibilidade virtual ou digital, que é o conjunto de esforços que se realizam para facilitar o acesso a meios e recursos tecnológicos e eletrônicos para maior igualdade de acesso possível às pessoas com deficiência. A aplicação destes procedimentos à formas de escrita e de apresentação de páginas e aplicações na Internet, são orientadas pelo W3C (World Wide Web Consortium).

[FM]: Qual sua observação em relação aos serviços bibliotecários para usuários com deficiência, no Brasil?

[Camilla]: No Brasil não existem muitos serviços de informação para pessoas com deficiência. Os que existem ou não têm profissionais especializados em informação ou são voltados apenas para um tipo de deficiência. Os serviços, na verdade, não são inclusivos: são apenas para um tipo de público (deficientes visuais, por exemplo) ou não são para nenhum, porque acham que atendem a todos apenas por ter uma rampa ou um elevador.

[FM]: É possível às bibliotecas desenvolverem programas de educação de usuários para este tipo de público portador de deficiência?

[Camilla]: Desde que preparem funcionários e materiais apropriados é possível sim.
Não adianta querer trabalhar com a educação de usuários cegos sem ter material em braile ou querer trabalhar com surdos e não ter, no mínimo, um intérprete de LIBRAS. Os funcionários devem ser sensibilizados para a questão da deficiência; deve-se retirar todo o preconceito e acabar com os estereótipos que cercam a deficiência. E isto é muito fácil de fazer: é só levar informação sobre o que é deficiência.



[FM]: Poderia nos dizer onde você trabalha e que atividade desenvolve?

[Camilla]: Eu trabalho na Rede SACI (www.saci.org.br) um serviço de informações sobre deficiência que não é exclusivo de usuários deficientes, ou seja, nosso público alvo é também o familiar, o amigo, o cuidador e os profissionais. Assim, temos um acervo diversificado que vai desde utilidade pública a textos científicos. Eu desenvolvo várias atividades dentro da Rede SACI como o desenvolvimento de bases de dados acessíveis, estudo de terminologia etc. Mas o que caracteriza melhor a Rede é o atendimento de usuários. Este atendimento é feito basicamente pela Internet e demoramos cerca de dois dias para responder as perguntas dos usuários. Isto pode parecer muito para algumas pessoas, mas como as perguntas são muito complexas sempre temos que contar com a ajuda de profissionais especialistas em medicina ou direito, por exemplo.


[FM]: Você desenvolve serviço de atendimento, via internet, para usuários com deficiência, como é este trabalho?

[Camilla]: O atendimento de usuários, via Internet, é muito simples. Temos um e-mail de atendimento (atende@saci.org.br) por onde recebemos as perguntas. Este e-mail é administrado por mim e por uma estagiária de Terapia Ocupacional que me ajuda, principalmente, nas perguntas médicas. Só nós duas temos acesso ao gerenciamento desta conta de e-mail, porém a Gerente da Rede recebe uma cópia das mensagens enviadas. Assim, ela pode nos dar dicas e contatos de pessoas a quem podemos encaminhar os usuários. Isto é muito importante porque vamos arquivando todas as dicas e informações que ela nos passa.
Antes de responder aos usuários verificamos se já houve consulta parecida ou idêntica. Em caso positivo é só copiar a resposta adequando um ou outro detalhe. Se não temos a resposta pronta, começamos a procurar em nosso acervo que compreende: livros, periódicos, arquivo virtual de notícias e base de dados. Se não tivermos nada, pesquisamos na Internet e em fontes de informações especializadas. Em caso negativo temos alguns parceiros importantes que sempre nos socorrem e respondem às questões mais difíceis: a DMR - Divisão de Medicina de Reabilitação, através do CIC e-rehab, o CEPRE - Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação "Professor Doutor Gabriel Porto" da UNICAMP e o Dr. Lisandro Moraes.

[FM]: Quais recomendações você daria a um bibliotecário para melhor contato com um usuário portador de deficiência?

[Camilla]: O mais importante de tudo é eliminar estereótipos e preconceitos. A pessoa com deficiência, é como qualquer outra pessoa, umas só não podem andar, ou só não podem ouvir, outras só não podem ver ou podem demorar um pouco mais para te entender.
O que recomendo a fazer é agir com naturalidade e caso o bibliotecário não saiba como se comportar, o melhor é perguntar ao deficiente o que ele precisa ou como pode ser ajudado.

[FM]: Caso alguém deseje trocar experiências ou conversar sobre a questão, é possível contatá-la?

[Camilla]: Sim, estou a disposição e muito animada para ajudar quem precise de orientações mais específicas. Meu e-mail é camillaj@saci.org.br ou atende@saci.org.br.

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Em tempo, a referência do estudo é:

Gonzáles, Camilla Juliana. Biblioteca acessível: serviços de informação para usuários com deficiência. São Paulo, 2002. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) - Departamento de Biblioteconomia e Documentação. Escola de Comunicações e Artes. USP.
Orientador: Profa. Dra. Sueli Mara Ferreira


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Rhumor Bibliotecário : A filosofia na Biblioteca

Penso, logo existo. (René Descartes, desenvolvendo reflexão sobre seu livro o "Discurso" na biblioteca da França).

Indexo, logo recupero. (Modestkus, bibliotecário grego, séculos antes organizando a biblioteca de Platão).


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.