OS CRÍTICOS E OS CAMELOS
Assisti ao filme "Adorável Júlia" em abril deste ano
na cidade de São Paulo e se não o comentei nesta Coluna foi apenas por falta de
espaço, tantos os filmes bons que assisti no mesmo período. Ao assistir "Júlia"
fiz uma análise particular estabelecendo para ele uma cotação de três estrelas,
na pior das hipóteses. Pois bem, depois de tê-lo assistido busquei os
comentários da Folha e fiquei surpreso com a cotação de duas estrelas dadas no
caderno específico. Um mês depois, em cartaz em Salvador, li em "A Tarde" a
sinopse do filme acompanhada da cotação de quatro estrelas.
Mas o mote para o argumento desta coluna de cinema
deste mês de julho, que excepcionalmente não fala de filmes, mas da avaliação
deles, viria ainda no mês de junho ao ter em mãos um guia da Folha, mais
precisamente o da terceira semana do mês. Vários filmes com avaliações tão
díspares que vão do inferno ao céu, do péssimo ao ótimo, melhor classificar
assim, num piscar de olhos. Como um filme pode ser considerado regular por dois
críticos, bom por um terceiro e ótimo por dois outros analistas? Este é o caso
da avaliação estelar da ótima película portuguesa "Um filme falado". E o que
dizer do "A Queda! As últimas horas de Hitler" que se insere na observação acima
da passagem do inferno para o céu, ao ser cotado como péssimo (uma estrela) por
um crítico e vai para ótimo (quatro estrelas) cotado por quatro críticos,
passando pelo estágio de bom (três estrelas) na avaliação de três
críticos?
O que dizer então? Que tais diferenças invalidam a
credibilidade da crítica? A presença de duas ou mais crenças permite ao ser
humano, como diz Marquand, ser um terceiro que ri ou chora, mas que pode se
emancipar do poder de cada um. Ou seja, no nosso caso, análise de filmes, fazer
a sua própria leitura.
Na verdade um texto pode ser compreendido de forma
diferenciada, principalmente um texto visual, onde a imaginação se deixa levar
por efeitos que imediatamente saltam aos olhos, e interfere nos sentidos. Mais
de um modo de interpretação é a forma pluralizada que os sentidos nos impõem na
análise. A história nos ensina que a verdade é única, mas há verdade em cada
lado da história. Podem existir contradições nas análises, mas elas merecem
créditos por saírem justamente da interpretação de críticos diferentes. Apoio-me
em Bauman para validar as opiniões diferentes dos críticos, quando este diz que
a unicidade "significa falta de liberdade" e assume que a forma pluralista é a
realidade que permite a liberdade.
Assim, a crítica não tem o poder de conduzir o
sentido do espectador, de fazê-lo entender o filme com os olhos do crítico.
Serve como referência da qualidade ou falta desta, dando notas que equivalem do
péssimo ao excelente, mas sempre com base em um olhar individualizado, que pode
ou não ser absorvido. No mais, se posiciona como indicador de filmes, faz
recomendações de filmes em cartaz, que podem ou não ser vistos a depender da
disponibilidade do leitor.
Serve então, a presente coluna, além de
desmistificar o papel onipotente e onisciente do crítico, para indicar, para
recomendar um filme que o colunista não assistiu, já que entrou em cartaz no dia
15 de julho na cidade de São Paulo. Trata-se de "Camelos também choram". Não vi
o filme, mas assisti ao trailer nada menos que três vezes. E por mais
incompreensível que seja, recomendo-o só pela visão magnífica que o trailer
proporciona; a amostra já é um colírio. O resumo visual do filme é tão pungente
que digo a mim mesmo que o filme merece quatro estrelas, mesmo sem tê-lo visto,
e já ter conhecimento de duas estrelas dadas por um crítico do Estadão. Mas esse
assunto está vencido na primeira parte deste escrito.
Como réu confesso já assumi que não vi o filme, e
gostei do filme a partir do trailer. Poderei ser surpreendido negativamente ao
assisti-lo (resta-me esperar que fique algum tempo em cartaz ou esperar em DVD).
Mas o resumo do filme deixa entrever um belo espetáculo de ajuda e amor. Emoção
e lágrimas (as do camelo já estão garantidas) devem se misturar à bela
fotografia e o cenário natural do deserto de Gobi, na Mongólia.
O nascimento de um camelo albino vai transtornar a
rotina de uma família de pastores no deserto mongol. Rejeitado pela mãe, que se
recusa a amamentá-lo, a família toma para si a tarefa de salvar a vida do camelo
branco recém-nascido. A música, clássica de violinos, é a surpresa que vai
tonificar o clima materno. Percebe-se ser um drama que discute a diferença e a
rejeição por conta da diferença. Não há como não observar em "Camelos também
choram" a perspectiva cultural de uma região com valores inteiramente diferentes
dos nossos.
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Camelos também
choram. Alemanha, Mongólia, 2003. Direção de Byambasuren Davaa
e Luigi
Falonni. Documentário.