CINEMA


DESCONHECIDOS: SEM AMOR, SEM GLÓRIA

Na coluna do mês de janeiro teci comentários sobre o filme Nathalie X (França, 2003, direção de Rappenau) um drama romântico que aborda a história de um casal que se descobre entre amor, traição e mentiras. Nesse mesmo mês de janeiro, próximo passado, entrou em cartaz em circuito nacional (diferentemente de Nathalie) um filme que aborda a história de dois casais que se descobrem entre amor, traições, mentiras e, acrescentem-se, paixões. Trata-se de Closer: perto demais (EUA, 2004).

Paixões e amores fazem parte da libido humana, assim como traições e mentiras fazem parte da natureza de homens e mulheres. Apaixonar-se, amar, trair e mentir, não necessariamente nesta ordem, são situações que vão do lírico ao ridículo. O lirismo fica por conta do amor. O ridículo por conta da paixão. Em Closer temos então uma rede de proximidade entre os personagens que se torna visivelmente patética.

Um drama de relacionamentos esse é o termo mais adequado para situarmos a trama exposta por Mike Nichols. Uma trama que envolve desconhecidos, por isso mesmo sem amor, sem glória, conforme a música tema. Com relacionamentos tão imbricados, uma vez que a paixão, o amor, e a traição, estão circunscritas a dois casais que se conhecem, ou que não se conhecem, as inquisições sobre o ato sexual um do outro parece ser a preocupação principal, sem glória alguma e com um amor questionável. Comparações são feitas de forma natural do ponto de vista comportamental, mas não sem um ponto de agressão e ressentimento. Parece que o ato sexual culminando em alguma situação pouco comum é difícil de ser absorvido, seja em Closer, seja em Nathalie X (filme comentado mês passado). Há em determinado ato um conceito emitido de componente vulgar difícil de imaginar da mulher que se ama, com outro homem. Preconceito ou posse? A discussão de relação entre os casais se processa num clima de tensão, embora sem manifestações agressivas. Mesmo com discussões na fronteira dos conflitos, a maior agressão é explicitada entre o casal Anna/Larry de forma verbalizada.

No final a surpresa: se a arte imita a vida, por vezes, é possível apaixonar-se e conviver com uma pessoa sem sequer saber o seu nome verdadeiro? Alice Ayres na verdade era Jane Jones. Vá saber-se, então, com que mentira se conviveu enquanto se viveu uma paixão. Para Alice, ou melhor, Jane a arte é uma mentira, então a vida é uma mentira. Muito embora ela própria insista na verdade: um nome verdadeiro enquanto stripper. Quantos personagens foram introduzidos entre duas pessoas, de forma fictícia, para se criar situações de ciúmes ou culpas (ver texto de Nathalie X). A identidade falsa de Jane Jones gera uma nova discussão: até que ponto o que foi dito pelos personagens sobre seus relacionamentos com um outro foi verdadeiro? Tudo pode ter sido mentira, inventado para criar situações que favorecessem seus interesses. Por tudo isso Closer é um filme para ser visto e revisto. Para se absorver diálogos e refletir sobre discursos passionais e amorosos.

As cenas iniciais e finais de Closer se entrelaçam, mas é preciso estar atento no final do filme para perceber tal junção. A forma como Dan (Jude Law) e Alice (Natalie Portman) se conheceram, e a forma como Dan e Alice se separam realçam o processo em que se envolveram desconhecidos. Closer é um filme americano com alma de europeu no melhor estilo francês ou sueco.

Embora o formal (e a norma) teria sido o filme Closer sustentar-se no papel da personagem Anna, pois que protagonizado como principal por Julia Roberts, Alice/Jane, personagem coadjuvante interpretado por Natalie Portman, rouba a cena - o filme é dela. Portman passa a ser o centro do drama dos relacionamentos entre os dois casais. É ela quem determina a força do argumento, ao proferir o termo "desconhecido". Essa é a questão: a relação entre desconhecidos. Para Alice "a arte é uma mentira", sintetizando a sua aparição fotográfica na exposição "Desconhecidos". Se for verdade que a vida imita a arte, ou vice-versa, então a vida é uma mentira. Vive-se no meio de desconhecidos, sem amor, sem glória.

Nota: Já escrito este texto, assisti a uma entrevista de Mike Nichols, em canal da TV fechada. Disse ele que não quis emitir nenhum conceito nem discutir a ética nos relacionamentos de casais, apenas mostrar algo que parece ser comum. Apenas trazer para a tela do cinema, com possibilidade de milhares de pessoas assistirem, uma perspectiva da discussão de relacionamentos.
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Closer - Perto demais. EUA, 2004. Direção de Mike Nichols. Roteiro de Patrick Marber, baseado em sua peça teatral. Com Julia Roberts, Jude Law, Natalaie Portman e Clive Owen.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo