CINEMA


CORAÇÕES SUJOS, EM LONDRINA

Calma. Aos londrinenses que, por acaso, leiam esta coluna, calma. Não se trata de ofensa, mas da observação de um fato histórico ocorrido em Londrina no período da Segunda Grande Guerra. E quem me dá o mote para tal comentário, nesta coluna, é a cineasta Tizuka Yamasaki com o seu Gajin 2: ama-me como sou.

Sobre o filme as opiniões se dividem a respeito das premiações já recebidas e quanto à indicação para concorrer a candidato brasileiro ao Oscar. Algumas pessoas, no meu entorno, avaliam que o filme não tem qualidade para creditá-lo aos prêmios já recebidos. Vale então o registro do que está firmado no texto "Os críticos e os camelos", aqui publicado. Pessoalmente gostei do filme, e recomendo-o.

Gaijin 2 mostra a saga de japoneses que com o colapso financeiro do Japão precisaram buscar saídas longe da terra natal - o início da globalização migratória a que, hoje, assistimos assustados. Tendo como referência a pequena Titoe, que representa os japoneses que no início do século XX aventuraram-se no Brasil em busca de fortuna, Yamasaki mostra as agruras de quem enfrentou o inóspito Brasil daqueles anos. Titoe lança-se ao Norte do Paraná para lá fincar seu coração, dividido entre a resolução da vitória em terra estranha e a promessa de retorno para ajudar aos pais.

O processo de identificação através do qual Titoe se projeta em sua filha Shinobu e em sua neta Maria, pressupõe uma linha estável de descendência com os costumes japoneses, que se quebra com a sua bisneta Yoko. É quando acontece o rompimento de um roteiro até então caracterizado por uma bem documentada pesquisa do período da imigração japonesa, e cai na banalização de um drama familiar de retorno a suas origens, por causa do fracasso financeiro.

Assim, pode-se dizer que o roteiro apresenta-se segmentado. Um primeiro segmento, muito bom, ocupa a maior parte da filmagem e narra a saga dos imigrantes, o estabelecimento destes em terras paranaenses, os descendentes nascidos no Brasil, os desafios da prosperidade, a convivência com uma economia embalada nos sonhos de conquista em uma terra distante, o pesadelo Fernando Collor/Zélia Cardoso que lançou na miséria e na falência várias famílias deste país. Um segundo segmento, muito fraco, narra o caminho da volta, a procura de sucesso na terra japonesa. Nesse ponto, o filme de Yamasaki mais parece um dramalhão televisivo. Embora destoe do excelente trabalho de pesquisa para a realização do filme, tal momento não chega a inviabilizar o resultado final. Assim, Gaijin 2 sobrevive a essa parte do roteiro.

É interessante ver Londrina, esta bela cidade do Sul do país retratada desde a sua origem, com sua terra fértil e a promessa de prosperidade que se concretizou em um espaço de meio século. Como ponto negativo a Pequena Londres, local da trama, é vista em pouquíssimas locações. Mas em Londrina aconteceu um episódio que marcaria a relação entre brasileiros e japoneses, e que dá título a este artigo, o dos corações sujos. Assim ficaram conhecidos os japoneses que aceitaram a derrota do Japão na 2ª. Guerra Mundial. Chamo a atenção do episódio dos corações sujos mostrado no filme (que merecia maior destaque). A este respeito, recomendo a leitura de Corações sujos: a história da Shindo Renmei, de Fernando Morais (Companhia das Letras, 2000).

Embora o episódio tenha seu epicentro em São Paulo, o Paraná e o Mato Grosso do Sul têm registro de casos da Shindo Renmei. A inserção do caso no filme Gaijin 2, chamou-me a atenção, pois permite que a partir dele os espectadores mais curiosos possam aventurar-se no episódio, e ver o que aconteceu com os japoneses aqui no Brasil no período da Segunda Guerra. Japoneses empreendedores e trabalhadores perseguidos pelo governo brasileiro e pelos próprios japoneses.

Para melhor entendimento da questão, reproduzo aqui material escrito por Morais em Corações sujos:
"Com a rendição do Japão às forças aliadas, em agosto de 1945, a Segunda Guerra Mundial chegava ao fim. Do outro lado do planeta, em São Paulo, nascia uma organização secreta japonesa, a Shindo Renmei - ou Liga do Caminho dos Súditos. Para seus seguidores, a notícia da rendição era uma fraude, um golpe da propaganda aliada para quebrar o orgulho dos japoneses em todo o mundo. Como aceitar a notícia da derrota, se em 2600 anos o invencível Japão jamais perdera uma guerra? Em poucos meses a colônia nipônica, composta de mais de 200 mil imigrantes, estará irremediavelmente dividida: de um lado ficavam os kachigumi, os 'vitoristas' da Shindo Renmei, apoiados por oitenta por cento da comunidade japonesa no Brasil. Do outro, os makegumi, ou 'derrotistas', apelidados de 'corações sujos' pelos militantes da seita. Militarista e seguidora cega das tradições de seu país, a Shindo Renmei decide fazer uma 'limpeza ideológica' na colônia. E declara guerra aos 'corações sujos', acusados de traição à pátria pelo crime de acreditar na verdade. De janeiro de 1946 a fevereiro de 1947, batalhões de tokkotai, os matadores da Shindo Renmei, percorrem o estado de São Paulo, realizando atentados que levam à morte 23 imigrantes e deixam cerca de 150 feridos. Em um ano, mais de 30 mil suspeitos dos crimes são presos pelo DOPS e 381 recebem condenações que variam de um a trinta anos de prisão. O presidente da República decreta a deportação para o Japão dos oitenta dirigentes e matadores da Shindo Renmei, sepultando a seita nacionalista que aterrorizou a colônia japonesa no Brasil."

Ouso dizer que o episódio dos Corações sujos dá um grande filme. É uma página do processo de imigração japonesa que Tizuka Yamasaki trouxe para as telas dos cinemas brasileiros, primeiro com Gaijin: os caminhos da liberdade e agora com Gaijin 2: ama-me como sou.
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Gaijin 2: ama-me como sou. Brasil, 2005. Direção Tizuka Yamasaki. Com: Tamlyn Tomita, Jorge Perrugoría e Nobu McCarthy e Ayo Ono. Participações especiais: Louise Cardoso, Luís Melo e Zezé Polessa.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo