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A BIBLIOTECA E OS RECURSOS INFORMACIONAIS NA ERA DIGITAL: COPYRIGHT E LICENCIAMENTOS

Até o momento, vários foram os encontros realizados, em 2005, sobre a questão do direito do autor e a propriedade intelectual no país. Eventos não apenas promovidos na área da Biblioteconomia, mas abordados por outras áreas de conhecimento. Certamente, até o final do ano outros encontros devem ser realizados.

Neste sentido, dois eventos, ambos recentes e ocorridos na capital paulista tiveram destaque. Um é o "Simpósio Internacional de Propriedade Intelectual" promovido pelo SENAC de São Paulo. Oportunidade na qual produtores, fornecedores e pesquisadores debateram o assunto. O outro organizado pelo Itaú Cultural, em parceria com o Instituto Goethe, é a palestra "Bibliotecas e o Direito Autoral na Era Digital: Uma Perspectiva Alemã, ministrada pela Dra. Gabriele Berger (vice-diretora da Biblioteca Pública de Berlim). Uma versão em espanhol da exposição pode ser obtida no endereço: http://www.goethe.de/mmo/priv/874632-STANDARD.pdf.

Este preâmbulo é para incluir uma questão relacionada aos direitos autorais e que afeta a atividade bibliotecária. Os novos processos de negociação envolvidos na aquisição dos recursos de informações eletrônicas ou digitais.


Direitos Autorais e Atividade Bibliotecária

Uma paranóia em relação aos direitos autorais parece tomar conta do ambiente bibliotecário prejudicando o discernimento quanto a nossa atividade de informar, facilitar e mediar o acesso à informação.

Corre-se o risco de o usuário ao adentrar na biblioteca para consultar algum material, ter antes que solicitar permissão por escrito ao editor ou produtor. Certamente, é um exagero de minha parte, mas durante um dos eventos acima citados, um fornecedor comentou que professores interessados em textos para uso em sala de aula, devem pedir autorização. Não vou entrar no mérito da questão (o espaço é curto). Observo, apenas, que o conhecimento não pode ser tutelado.

O fato narrado ilustra o cenário atual que afeta o trabalho bibliotecário, especialmente no desempenho de uma atividade considerada burocrática e rotineira: a seleção e aquisição de materiais bibliográficos e de serviços, tradicionalmente dedicada a receber solicitação de compra e cotar preço; encaminhar papéis contábeis; conferir produtos adquiridos; reclamar atrasos ou devolver materiais com imperfeições detectadas; controlar tombamento e desbastamentos do acervo; elaborar relatórios (mensais e anuais) de aquisições realizadas e pendentes. Uma atividade considerada pouco charmosa na biblioteca (não se ofendam os bibliotecários de aquisição, eu também trabalhei na função).

Atualmente, porém, passa a ser estratégica para qualquer biblioteca. A ocupação do cargo requer bibliotecário com um perfil não apenas dinâmico e comunicativo, além de assertivo. Exige que o profissional seja possuidor de conhecimentos de direito (fundamentos) para melhor leitura e entendimento de contratos de licenciamento, legislação sobre direito autoral e conexos, e capacidade de negociação, entre outras características.

Mesmo a denominação "Setor de Aquisição" ou "Seleção e Aquisição" não é mais condizente. A atividade é, em realidade, responsável pelo relacionamento e negociação com produtores e fornecedores de conteúdos e de serviços em um sentido mais complexo e especializado.

As transformações decorrem da própria mudança dos conteúdos de informação (de suporte impresso ou analógico para o intangível meio digital) e do paradigma da compra e posse para o licenciamento e acesso. No ambiente digital, bibliotecas deixam de ser proprietárias de acervos e passam a ser possuidoras de senhas de acesso temporárias e renováveis.

A Internet e o ambiente Web não são os principais responsáveis pela inserção nas bibliotecas do conceito de licenciamento e uso de recursos de informações eletrônicas. A aquisição de cederrons, rapidamente substituídos pelos recursos digitais e de textos completos da Internet/Web, contribuiu para a abertura da "caixa de Pandora" de questões e problemas relativos ao copyright e licenciamento.

Os tradicionais direitos que as bibliotecas comodamente desfrutavam sobre os documentos impressos ou analógicos não estão mais assegurados na nova era da informação digital. O comum e ao mesmo tempo complexo é o estabelecimento de contratos de cessão de uso de recursos digitais. Neste aspecto, o bibliotecário vê-se obrigado a assumir uma ação reativa até para compreender se está atualmente comprando ou somente obtendo uma licença de acesso e uso do recurso.

A nova realidade nos procedimentos de aquisição exige da biblioteca uma equipe ou profissional preparado para negociar ou conduzir preliminarmente negociações com fornecedores. Algumas bibliotecas (norte-americanas e européias) utilizam de uma equipe de especialistas visando não tornar a tarefa uma ação solitária e desgastante, por envolver a negociação de cláusulas contratuais até mesmo para que a alta direção da instituição possa tomar a decisão final.

A capacitação da equipe ou do bibliotecário designado para a função é um anteparo para se evitar armadilhas contidas nas entrelinhas dos contratos de licenciamento. Bibliotecas e bibliotecários devem orientar-se para que as exceções e restrições inseridas nos documentos sejam favoráveis aos interesses de sua comunidade.

Neste sentido, como mencionado, o profissional deve preocupar-se em fundamentar-se no conhecimento da questão e no apoio da sua comunidade profissional (entidades de representação, grupos, comissões e consórcios de bibliotecas). A premissa que agora norteia a atividade é: um recurso eletrônico que não possa ser efetivamente usado não é uma boa opção de aquisição.


Leituras para fundamentação

O livro "Selecting and managing electronic resources: a how-to-do-it manual", escrito por Vicki L. Gregory e editado pela Neal-Schuman Publishers, apresenta uma abordagem prática sobre a questão da aquisição de recursos eletrônicos. Destaca que os direitos e permissões estejam descritas em contrato. Comenta a necessidade de o bibliotecário ter autorização da organização para firmar contrato. Destaca situações nas quais os produtores simplesmente fornecem um documento descrevendo as condições de uso do recurso, mesmo neste caso pode haver uma negociação para adequação de interesses. De qualquer forma e sob qualquer circunstância é vital que o bibliotecário leia e compreenda os requisitos para cada produto, mesmo quando o documento de licença seja um anexo da embalagem ou um arquivo eletrônico onde se faz opção de escolha por meio de um clicar do mouse para poder baixar o recurso da Web.

Outras sugestões de leitura para os bibliotecários envolvidos nas atividades de relacionamento e negociação com fornecedores são listadas a seguir. Inicialmente, informações básicas que contribuem para um entendimento, ainda que geral, sobre direitos autorais e propriedade intelectual sob o aspecto econômico.

Creative Commons: uma ação de compartilhar o conhecimento como bem social, sob uma forma diferenciada de flexibilizar e proteger o direito autoral, voltada para aspectos da liberdade de acesso ao conhecimento.

Convenio de Berna para la Protección de Obras Literarias y Artísticas, texto (em espanhol) publicado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual - OMPI. Determina aos países signatários os prazos mínimos estabelecidos, no caso do Direito de Autor. Contempla disposições especiais relativas aos países em desenvolvimento.

Tratado da OMPI sobre Direitos de Autor, desenvolve e mantém deliberações sobre a proteção dos direitos dos autores em produção literária e artística de maneira mais eficaz e uniforme diante dos novos acontecimentos econômicos, sociais, culturais e tecnológicos.

WIPO/OMPI, portal da Organização Mundial de Propriedade Intelectual.

ADPIC, Conselho da Organização Mundial do Comércio - OMC sobre os aspectos de direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio global.

Directiva sobre la Información de la Unión Europea, deliberação do Parlamento Europeu e do Conselho da União Européia relativa a harmonização de aspectos do direitos de autor e afins na sociedade da informação.

UNESCO, fonte básica para pesquisa de informações sobre direito de autor e propriedade intelectual.

U. S. Copyright Office, contém informações sobre direito autoral e propriedade intelectual nos Estados Unidos. Apesar de ser uma legislação complexa é uma fonte de consulta importante.


Com relação à legislação brasileira sobre direto autoral e propriedade intelectual, encontra-se o:

Decreto nº 5.244, de 14.10.2004, dispõe sobre a composição e funcionamento do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual, e dá outras providências.

Lei nº 9.610, de 19.02.98, altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.


Abaixo, lista-se fontes relacionada a área de Biblioteconomia e Ciência da Informação que enfocam o assunto.

No site do Conselho Federal de Biblioteconomia - CFB, recomendação sobre direito autoral e reprodução de material da biblioteca, orienta consultar o setor jurídico da Instituição. Os direitos do autor e as restrições de reprodução de obras, basicamente estão tratados na Constituição Federal (art. 5º, inciso 27), além da Lei do Direito Autoral, no. 9610/98.

CLM - Committee on Copyright and other Legal Matters: comitê sobre direito autoral e outros assuntos legais que coordena as ações da IFLA na área. O comitê trata além de assuntos legais de direitos autorais e de contrato de permissão, reivindicações e disputas de propriedade sobre material de biblioteca e sua repatriação. Também está preocupado com assuntos econômicos e barreiras de comércio para o fornecimento de serviços de biblioteca. Neste sentido mantém um sumário das atividades da Organização do Comércio Mundial. O CLM representa a voz da comunidade de biblioteca internacional em preocupações de direito autorais.

FAIFE - Free Access to Information and Freedom of Expression: comitê criado pela IFLA para defesa e promoção dos direitos humanos definidos no artigo 19 da carta de Declaração Universal de Direitos Humanos das Nações Unidas e que se referem à liberdade de acesso à informação e liberdade de expressão.

EBLIDA: associação independente não-governamental e não-comercial, formada de associações e organizações européias de documentação, informação, biblioteca e arquivos. Os assuntos nos quais se concentra são direito autorais, cultura, sociedade de informação e informática.


Indicação de Práticas Profissionais

Para uma compreensão operacional ou apoio na formulação de requisitos que subsidiem os processos de licenciamentos dos recursos eletrônicos nas bibliotecas, apresenta-se algumas indicações para consulta.

Licensing Electronic Resources: strategic and practical considerations for signing electronic information delivery agreements, contém considerações sobre licenciamento de recursos eletrônicos e formulação de requisitos para sua avaliação.

Columbia University Libraries. "Networked Electronic Resources License Agreement Checklist", apresenta uma lista de requisitos que cobrem algumas importantes questões de direitos a serem observados em um contrato de licenciamento.

New England Law Library Consortium. "NELLCO Decision Criteria Worsheet for Electronic Acquisitions", documento contendo um conjunto de 31 requisitos sugeridos para bibliotecas jurídicas, mas as idéias e conceitos podem ser adaptados para outros tipos de serviços de informação.

University of Texas System. "Software and Database License Agreement Checklist", fornece orientações para análise de contrato típico. A lista de conferência cobre somente assuntos associados ao licenciamento de banco de dados e software.

Yale University. "Licensing Digital Information: A Resource for Librarians", é uma fonte extensa de materiais com o propósito de fornecer aos bibliotecários uma compreensão sobre a questão dos contratos de licenciamento na era digital.

KRZYZANOWSKI, Rosaly Favero e TARUHN, Rosane. Biblioteca eletrônica de revistas científicas internacionais: projeto de consórcio. Ci. Inf., 1998, vol.27, no.2, p.nd-nd. ISSN 0100-1965. Descreve projeto para formação de um consórcio de bibliotecas de universidades e institutos de pesquisa no Estado de São Paulo. Propõe facilitar o acesso à informação, aumentar o grau de satisfação dos usuários e minimizar os custos de aquisição de periódicos científicos eletrônicos internacionais, por meio de atividades cooperativas.


Conclusão

Bibliotecas, atualmente, têm centenas de acordos de autorização para os seus diversos recursos de informação. Variam desde programas de computador de uso diário aos cederrons, banco de dados, DVD, aos jogos, livros e periódicos impressos e eletrônicos destinados à consulta dos usuários.

Para o uso desses recursos toda a equipe da biblioteca deve ter pleno conhecimento dos acordos firmados (direitos e restrições envolvidas). Da mesma forma, devem deter argumentos fundamentados na legislação autoral e na legislação ética profissional que a auxiliem a enfrentar pressões externas que prejudiquem o acesso de seus usuários às informações e ao conhecimento.

Ao finalizar, lembramos que questões como o "uso justo" ou da cópia de segurança que toda biblioteca deve ter para preservação do material deve ser sempre considerado. É algo já consolidado na legislação de diretos autorais.

O impacto sobre a atividade bibliotecária é um tema que merece ser estudado por trabalhos de pesquisa que contribuam para a melhor compreensão dos fatos.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.