CINEMA


FILME E CONHECIMENTO

Recebi uma mensagem automática de visitante, através de formulário da página ofaj.com.br, indagando sobre “a ligação que existe entre o filme e conhecimento”. Tentei responder, mas as mensagens enviadas retornaram. Sirvo-me, então, da própria página, com texto na própria Coluna, para responder ao visitante.

 

Considerando-se que o filme é um dos suportes documentais, de acordo com a Norma de documentação específica, que estabelece convenções para transcrição e apresentação de informação originada em documentos, e inclui filmes, videocassetes e DVD entre outros. Considerando-se ser um filme composto de um ou mais fatos que incorporam dados dotados de relevância e propósito, que requer análise e mediação humana e se transformam em informação. Considerando-se que informação gera conhecimento, pois possui valor agregado, é produzida com pretensão de validade, é assimilada pelo indivíduo e integrada ao seu saber. E considerando-se, por fim, que um filme, assim como informação, exige reflexão, análise e compartilhamento, então a resposta é que a relação entre filme e conhecimento é a mais estreita possível, e que o filme pode fazer parte do processo de construção do conhecimento de um indivíduo.

 

No processo de construção do conhecimento, a literatura empresta seu suporte livro, com informações impressas, para que exista o suporte filme, com informações representadas por imagens. Em ambos os suportes estão presentes o real e/ou o imaginário. A ficção ou a biografia. Mas também, como processo de criação, um filme pode inspirar novos escritos. Assim, a literatura está recheada de citações de filmes não criados no suporte do conhecimento escrito, mas contribuindo para esclarecer determinados episódios da história da humanidade. Só para citar um, Adeus, Lênin, é um filme que pode ser citado em qualquer escrito da área da informação e comunicação, quando se discutir as questões dos paradigmas da informação e dos procedimentos de censura.

 

Neste contexto, vários filmes em cartaz são exemplos que podem ser usados para discutir a questão lançada, e confirmar o filme como um dos instrumentos para a construção do conhecimento. Alguns filmes em cartaz, candidatos ao Oscar, permitem ensejar divagações baseadas em informações. Syriana, Munique e Crash, por exemplo; Johnny & June, Memórias de uma gueixa e Brokeback Mountain também. É possível, a partir destes filmes, e baseado neles, buscar mais informações sobre o Oriente Médio e suas interfaces religiosas e comerciais, sobre ideologia e fanatismo, racismo e preconceito, violência social e sexual.

 

Syriana - a indústria do Petróleo (EUA, 2005), mostra os paradoxos americanos com base em afirmações de cunho capitalista, pontilhada por questões religiosas carregadas de ideologia, mas enquanto vende a imagem de paladino global da democracia fomenta tiranias. Dois pontos fortes do filme: um centra-se na discórdia familiar na escolha de um sucessor de certo país árabe, em que os EUA interferem dentro de um projeto de controle de petróleo. O outro trata do recrutamento e do convencimento de jovens candidatos a homens-bomba. Tudo em nome de incontestáveis interesses do capital e novo desenho geográfico. As questões, tanto uma como a outra, não devem ser vistas de forma isoladas e se permeiam com a ideologia que desempenha funções importantes dentro das sociedades assinaladas.

 

Crash - no limite (EUA, 2005), mostra uma sociedade que vive a dura realidade de um sistema enraizado no crime e no racismo. Um filme denso representado por imagens de intensa dramaticidade, uma verdadeira trombada como quer sugerir o título. Crash é uma colisão social, instalada em uma rede de conexão que mistura os mais diversos instintos humanos. Uma das cenas mais tocantes é protagonizada por um policial, que capaz de molestar uma mulher em uma blitz, é capaz de arriscar a sua vida para salvar esta mesma mulher. O filme se passa em 24 horas, período em que ocorre toda a seqüência dramática a que se expõem os personagens.

 

A ação reúne os personagens em pares: o promotor de Los Angeles e sua esposa, o diretor de TV e esposa, o casal de detetives, a dupla de assaltantes, a dupla policial, o persa e sua filha, o chaveiro e filha, todos envolvidos entre si em uma rede; todos, por mínimo que seja, trombarão ao longo da película. Há desespero e esperança em cada um dos personagens que formatam um filme que tem como questão de discussão o racismo.

 

Munique (EUA, 2005), talvez o de conteúdo mais mobilizado e cristalizado no consciente da sociedade contemporânea mostra um ângulo de visão da guerra entre palestinos e israelenses. É a narrativa da visão de um país que ofendido quer mostrar a força de uma reação localizada. É um filme interrogativo, sob o ponto de vista de questionar ter valido a pena as decisões tomadas depois do atentado. Um filme que suscita novas informações em busca da construção do saber sobre o episódio ocorrido na Vila Olímpica de Munique.  

 

Jonnhy & June (EUA, 2005), Memórias de uma gueixa (Japão, 2005) e O segredo de Brokeback Mountain (EUA, 2005), tornam possível através de narrativas que se abrem em infinitas reflexões, análises e compartilhamentos o entendimento de relacionamentos. A partir deles é possível que as pessoas tomem conhecimento das histórias de casais que viveram o tormento de uma paixão, e relacionamento que se abriram em limites infinitos (caso de Jonnhy & June e de memórias de uma gueixa). Estes filmes nos dão oportunidade de ter contato com: uma época musical americana (Jonnhy & June); uma sociedade machista e preconceituosa, em que as mulheres são tratadas como objeto (Memórias...); e as discussões de caráter preconceituoso que provocam as relações sexuais entre os iguais (O segredo de...).

 

Nenhum filme será pequeno demais para que não possa expor sua contribuição com informações que levem ao conhecimento. A partir deles, é possível, a depender da área de atuação de cada espectador provocar reflexão e análise que integradas ao saber anterior contribuam para a construção do conhecimento.

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Syriana - a indústria do petróleo (EUA, 2005). Direção de Stephen Gaghan.  Com George Clooney, Matt Damon e Amanda Peet .

 

Crash - no limite  (EUA, 2004). Direção de Paul Haggis. Com Sandra Bullock, Don Cheadle, Thandie Newton, Ryan Phillippe, Matt Dillon e Brendan Fraser.


Munique (EUA, 2005). 
Direção de Steven Spielberg.  Com Eric Bana, Daniel Craig e Geoffrey Rush.

 

Johnny & June (EUA, 2005).   Direção de James Mangold.  Com Joaquin Phoenix e Reese Whiterspoon.

 

Memórias de uma Gueixa (EUA, 2005).  Direção de Rob Marshall.  Com Zhang Ziyi, Michelle Yeoh, Ken Watanabe e Gong Li.

 

O segredo de Brokeback Mountain (EUA, 2005. Direção de Ang Lee.  Com Jake Gyllenhaal, Heath Ledger, Michelle Williams, Anne Hathaway, Randy Quaid e Anna Faris.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo