CINEMA


LÁGRIMAS E LEMBRANÇAS

O título do filme é enigmático: 2046 - os segredos do amor.  A julgar pelo título, tem-se a impressão, primeiro, que se trata de um filme ficcional, e posteriormente de um filme romântico. A seqüência inicial induz a primeira opção; passa-se em uma estação de trem, numa futurista cidade chinesa, ambientada no ano 2046. Em meio a muito néon e emaranhado de trilhos surge um filme de ficção e os primeiros minutos dão à impressão de um tempo decorrido muito maior do que o tempo cronometrado. A perspectiva não é das melhores.

 

A partir da seqüência seguinte o diretor começa a compor a segunda opção, e o filme melhora consideravelmente. Apresenta um emaranhado de relacionamentos, tais quais os trilhos da sua história ficcional. São relacionamentos amorosos nos quais o escritor busca encontrar suas memórias perdidas.

 

O escritor Mo-Wan (Chiu Wan) volta a sua cidade natal para escrever um livro. Hospeda-se temporariamente em um hotel para escrever o romance. Escolhe um hotel de categoria inferior e recebe o quarto de número 2047. No número em frente, o 2046, hospedam-se algumas mulheres com as quais Mo-Wan se envolve. Um desses envolvimentos é marcante.

 

Trata-se do envolvimento com a prostituta Su li Zhen (Gong Li) que recebe os clientes no quarto 2046. Mo-Wan faz uma visita Zhen, e a partir daí envolvem-se sexualmente. A relação toma uma direção inesperada. A mulher não aceita mais pagamento, e coloca-se a disposição dele para quando quiser. Deixa de receber clientes e passa a viver para o homem pelo qual se apaixonou. O escritor, embora envolvido, não permite que a mulher modifique a sua vida. Assim, como para demarcar um posicionamento, deixa após cada relação sexual como pagamento um valor simbólico acertado com ela. Para fugir do fantasma da paixão não deixa de levar outras mulheres para o apartamento 2047. O drama cresce em intensidade. Dor, lágrimas, agressões, solidão e fuga, marcam a convivência do casal. Numa cena antológica Mo-Wan e Su Li Zhen encontram-se em um restaurante para uma despedida definitiva. Zhen faz questão de pagar a conta e deixa sobre a mesa todas as notas de dinheiro que recebeu do amante como pagamento enquanto durou a relação, e que ela nunca as usou. Retira-se da vida do escritor e viverá de lágrimas e lembranças, conforme citação da mesma.

 

Na seqüência final, o diretor retoma o quadro futurista, e o 2046, deixa um quarto de hotel, passa do romântico para o ficcional instalando-se em um vagão de trem, onde os passageiros tentam se encontrar com vidas passadas. 2046 é uma ficção escrita por Mo-Wan em busca das suas lembranças perdidas em Cingapura. O filme vale pelo enredo romântico. É possível descartar o enredo ficcional, que não é dos melhores.

 

Um outro filme que trata do mesmo tema, o amor e seus segredos, é A dama de honra, do consagrado diretor francês Claude Chabrol. O cineasta mistura suspense e desejo numa trama de paixão das mais inquietas. O jovem Phillipe (Benoît Magimel) conhece Senta (Laura Smet) no dia do casamento de uma de suas irmãs, uma das damas de honra do casamento. Paixão à primeira vista; e decidem investir no que consideram as paixões das suas vidas. A cada dia o rapaz, aparentemente mais racional e equilibrado, fica mais envolvido, e a jovem, aparentemente nada racional e desequilibrada, mais apaixonada.

 

A paixão toma forma doentia no momento em que Senta pede a Phillipe que mate um homem, um sem-teto, que vive no jardim da sua casa, como prova de amor. Aí começa, para o espectador, a trama de suspense que revela uma paixão doentia, e para o amante o perigo que se esconde por trás de tão belo rosto e sorriso encantador. O enredo cresce numa progressão linear que prende a atenção do espectador. O final surpreende por uma situação impar; o jovem amante toma uma decisão nada peculiar a quem está apaixonado: uma atitude racional. Este filme bem que poderia ter o título do acima citado: os segredos do amor. Lágrimas e lembranças inevitavelmente farão parte da vida do rapaz.  

 

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2046 – Os segredos do amor, China, 2004. Direção e roteiro de: Wong Kar-Wai. Com Tony Leung Chiu Wai, Gong Li, Kimura Takuya, Wong Faye, Zhang Ziyi, Lau Carina e Sum Wang.

 

A dama de honra, França, 2004. Direção de Claude Chabrol. Roteiro: Claude Chabrol e Pierre Lecchia, baseado em livro de Ruth Rendell Com: Benoît Magimel Laura Smet, Aurore Clément, Bernard Le Coq e Solène Bouton.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo