CINEMA


ENTREATOS FRANCESES

É inegável a qualidade dos filmes franceses. Chegam a ser geniais. Uma prova dessa genialidade é demonstrada nos filmes em cartaz na cidade de São Paulo. É provável que em outras cidades grandes alguns também estejam em cartaz. Para quem reside em cidade onde a ausência da diversidade cultural não permite a exibição só resta esperar em DVD.

 

Uma mostra de filmes, denominado “humor a francesa”, que percorre o Brasil, mostra que o francês sabe fazer humor, e da melhor qualidade. Dois filmes a que tive a oportunidade de assistir são exemplares disso: “Bernie” e “O barco da liberdade”. Ambos inscrevem seus títulos na filmografia de relacionamentos sociais e dissecam as relações familiares entre pais e filhos. Sempre atormentadas. Seja pela rejeição de pais a alguns filhos, abandonando-os logo após o nascimento, o caso de Bernie; seja pela preocupação excessiva de pai com seus filhos, dentro de uma relação quase que de renúncia individual para projetar uma doce vida doce aos filhos, o caso de “o barco da liberdade”.

 

No primeiro, Bernie Noël, abandonado pelos pais e criado num orfanato, aos 32 anos, com algum dinheiro junto, decide procurar os pais e protagoniza uma louca investigação, neurotizada pela idéia fixa de que não foi abandonado e sim seqüestrado. Nega-se a crer que os pais o tenha abandonado. É um filme violento, com cenas grotescas, porem hilárias.

 

No segundo, um pai sempre preocupado com as férias dos quatro filhos na praia, e o jardim de verão da mulher, sempre posterga o seu sonho de comprar um barco. Quando decide, vê que o dinheiro que têm não dá para comprar o veleiro dos sonhos e contenta-se com um de segunda mão e já aposentado da navegação. Começa a aventura dos passeios no mar, e a agonia de um pai fracassado na sua fantasia de marinheiro que garante cenas de um humor quase ingênuo.

 

Fora da mostra, já no circuito comercial, um outro filme francês continua com a força do humor, trata-se de “Pais, filhos e etc.”. Uma comédia mais amena que Barnie e na linha de O barco, mais suave, mas com a mesma temática (veja-se pelo título). Neste, um pai, viúvo, com três filhos adultos, tenta sempre reuni-los no dia do seu aniversário, uma tentativa fracassada devido a problemas de relacionamentos entre dois deles. Para reaproximá-los, decide inventar uma doença fatal, e com os dias contados para morrer pede aos filhos que o acompanhem a uma viagem ao Canadá. Na viagem, os desentendimentos para os entendimentos afloram, sempre com uma boa dose de humor.

 

Mas nem só de humor vive o cinema francês, e eis que entre o humor e a  tragédia, o entreato, estão em exibição alguns dramas que merecem ser vistos: “A criança”, “Caché”, e “Amor em cinco tempos”. Os dois primeiros continuam na temática pais e filhos, dramas de relacionamento familiar (mera coincidência tanto filme com a mesma temática), e o último insere-se no tema do relacionamento amoroso.

 

Em “A criança”, um pai vende o seu filho para a máfia da adoção, sem o conhecimento da mãe. De comportamento errante, o jovem é chefe de uma gangue de ladrões formada por garotos. Abandonado pela namorada, ele retoma o filho, e devolve-o a mãe, mas o seu drama pessoal aumenta uma vez que passa a ser devedor da máfia de adoção. Para salvar o seu relacionamento ele se entrega a polícia.

 

Em “Cachê”, um dos filmes mais concorridos em busca de ingressos no Festival Internacional de Cinema de São Paulo do ano de 2005, agora em exibição no circuito comercial, um apresentador de TV se vê às voltas com um anônimo que começa a enviar fitas de vídeo em que mostra que o está observando. Em princípio, pensam (ele e equipe de TV) tratar-se de um admirador. Atormentado pelo passado quando criança e ligando o passado aos desenhos que recebe acompanhando as fitas, o apresentador começa a sua própria investigação. Trata-se de um bem arquitetado plano de vingança de um argelino que iria ser adotado pelos pais do apresentador e foi entregue a um orfanato por causa de mentiras plantadas pelo francês para evitar a adoção. A vingança não consiste em aniquilar o apresentador, mas conduzi-lo a ver o suicídio do adulto que foi prejudicado por ele em criança. A vingança é fazer com que ele tenha um choque de consciência.

 

“Amor em cinco tempos” mostra o fim de uma relação entre um casal, de forma civilizada e com direito a uma ida a um motel depois da homologação do divórcio perante o juiz. O filme faz um flash-back em cinco seqüências para mostrar detalhes do relacionamento do casal do divórcio ao namoro, passando pela fase da vida do casal entre o meio e o fim, o nascimento do filho e o casamento. Um relacionamento que inclui traições e experiências hetero e homossexuais, no melhor estilo da liberdade francesa.

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Bernie. França, 1996.  Direção: Albert Dupontel.  Com: Albert Dupontel, Claude Perron, Roland Blanche, Hélène Vicent.

O barco da liberdade, França, 2000.  Direção: Bruno Podalydès.  Com: Denis Podalydès, Guilaine Londez, Patrick Pineau, Eric Elmosnino.

Pais, filhos, etc. França, Canadá, 2003.  Direção: Michael Boujenah.  Com: Philipe Noiret e Charles Berling.

A criança. França, Bélgica, 2005.  Direção: Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne.  Com : Jérémie Renier, Déborah François, Olivier Gormet.

Cachê. França, 2005. Direção: Michael Haneke.  Com: Daniel Auteil e Juliette Binoche.

Amor em cinco tempos. França, 2004. Direção: François Ozon.  Com: Valeria Bruni-Tedeschi, Stéphane Freiss, Géraldine Pailhas.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo