NO MEIO DO NADA
A ação se passa no
Uma carona na estrada é o mote para o desenvolvimento da ação. Imagine o que seria a viagem de Johann (Peter Ketnath) no meio da caatinga se não tivesse como companheiro de viagem o impagável Ranulpho (João Miguel), que se compraz em alegria ao proclamar que vai trabalhar para o alemão por 800 contos de réis “só para ajudar” o gringo. A partir daí o espectador é contemplado com um rol de frases dignas de figurar em qualquer diretório do realismo brasileiro.
Frases como “lugar ruim é assim mesmo não acaba nunca”, ao se referir a distância a ser percorrida até Triunfo em estrada que parece não ter fim, reclamada pelo alemão; ou “isso aqui é tão ruim que nem guerra chega”, ao rebater a proclamação do alemão de que aqui bombas não caem do céu; ou a impecável ironia ao desafiar o alemão quanto às propriedades da aspirina boa para todos os males: “se esse remédio matar a fome dessa gente o doutor vai enricar”.
Ganhador da 29ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, “Cinema, Aspirina e Urubus” é cinema cult. Imagine um argumento tão simplório como atravessar o sertão nordestino para vender aspirina em um lugar inóspito como a desconhecida Triunfo, sustentado em um roteiro que desenvolve a ação em uma estrada cercada de mata seca por todos os lados. O que sobressai num panorama tão incolor? O diálogo.
Isso mesmo, o que se impõe no transcurso da viagem empreendida por Johann e Ranulpho é a riqueza do diálogo. Mais justo dizer: a fraseologia de Ranulfo. O nordestino, que na década de 1940 já buscava o Rio de Janeiro (a cidade grande preferida até então, depois preterida por São Paulo) não deixa barato a sua desgraça, e faz troça da sua miséria. Nascido em Bonança, um povoado “de merda”, com uma rua e cinco casas, segundo a descrição do próprio, vai para o Rio de Janeiro em busca de um trabalho com carteira assinada, o sonho de um novo Brasil getulista, onde imperassem a ordem e o progresso, sinônimo tupiniquim para desenvolvimento social.
O que Cinema, aspirinas e urubus nos mostra é uma realidade nordestina tão próxima entre 1942 e 2005 no que diz respeito à pobreza e a exploração da gente (da minha gente, tão proclamada por décadas). A exceção é que com a globalização da comunicação, o aparelho de projeção de
Um outro aspecto mostrado no filme é o êxodo para a Amazônia, um lugar pior do que o
Para fugir da prisão decretada pelo governo brasileiro aos cidadãos alemães em território brasileiro, Johann, voluntariamente, engrossa a lista de condenados ao desterro em uma terra associada a feras e índios. Literalmente Johann saiu do meio do nada em direção a lugar nenhum. Pior, sem o seu cinema, sem as suas aspirinas, e deixando para trás os urubus. Ranulpho, para o seu prazer e deleite, herda o cinema e as aspirinas. Na caixa de frases de Ranulpho cabe, então, um dito popular que viria a calhar: “morre o boi para o bem do urubu”.
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