AÇÃO CULTURAL


AÇÃO CULTURAL E OS MANIFESTOS DA UNESCO/IFLA

Uma leitura analítica dos Manifestos lançados em parceria pela UNESCO e pela IFLA para a biblioteca pública e para a biblioteca escolar, introduzidos no Brasil na década passada, torna clara a proximidade entre ambas, inspiradas na Declaração Universal de Direitos e Liberdade do Homem, da ONU.

 

De acordo com esses documentos, deve haver um amplo e fácil acesso à informação, em variados suportes, com ou sem o uso de tecnologias eletrônicas. Por outro lado, em nenhuma delas é tolerável qualquer discriminação: de idade, de raça, de sexo, de religião, de nacionalidade, de língua, de status profissional, status social. Portanto, não é admissível qualquer tipo de preconceito, seja na biblioteca pública,  seja na biblioteca escolar. Se não se admitem preconceitos, todo e qualquer público é bem-vindo e merece a melhor atenção e o melhor serviço.

 

Enquanto uma tem como missão as atividades básicas relacionadas à informação, à alfabetização, à educação e à cultura (ver as 12 missões básicas, cf. o Manifesto da Biblioteca Pública), a outra deve promover o apoio à aprendizagem, a oferta de livros (na década de 90, período de publicação dos documentos em pauta, era esse o principal item dos acervos), voltados para formar o pensamento crítico e usuários efetivos da informação.

 

Em essência, a biblioteca escolar é voltada para a educação institucionalizada; a pública é mais direcionada para a educação continuada. Todavia, há momentos em que elas se entrecruzam e a escolar atende a necessidades de educação continuada dos usuários (ou de parte deles) e a pública, por sua vez, é posta a atender a usuários da comunidade escolar, sem se omitirem ambas. O que não pode acontecer é a prevalência e a persistência de atendimento do público “natural” de uma delas em detrimento dos (seus) próprios. Isto posto, cada público com a sua biblioteca e vice-versa.

 

Em termos de Ação Cultural (AC) em centros de informação (bibliotecas, arquivos, museus e congêneres), queremos considerar que falamos dos três tipos principais de “ilhas” de informação. Por que? Podemos considerar que ali estamos cercados de fontes de informação, de forma concentrada, nos mais diversos suportes, sejam de ordem bibliográfica e/ou não bibliográfica, incluindo-se realia. Porém, dentro de uma tipologia peculiar a cada centro e sua “família”.

 

Ora, além disso, temos a considerar uma situação ainda anômala em nosso país, em que os ajustes profissionais continuam a acontecer até o presente, meramente por uma questão numérica, talvez até não computada: bibliotecários exercendo a função de arquivistas e, muitas vezes, de museólogos. Enquanto perdurar esse desequilíbrio quantitativo, procuraremos pensar que somos três profissionais que têm como matéria-prima a informação, embora sob ângulos específicos e particulares. Lidamos todos com informação, organizando-a e gerenciando-a, no intuito de pôr, de imediato, o espaço informacional em ordem.

 

Todavia, nos tempos atuais, isso não basta. Ter o espaço em ordem é fundamental, mas é preciso que a informação circule e se dissemine, gerando novos conhecimentos e, conseqüentemente, promovendo o desenvolvimento, em seus mais diversos ângulos.

 

 Assim, seja na biblioteca pública, seja na biblioteca escolar (que a Rede Pública de Ensino tem o dever de resgatar, perante a sociedade), ou ainda em outro tipo de centro de informação, indica-se a AC como estratégia para a disseminação da informação, pela aplicação da fórmula informar (prerrogativa nossa)-debater-(re)criar conhecimento. Se a informação é o elemento com que trabalhamos em qualquer medida e em qualquer instância, os três tipos de profissionais (bibliotecários, arquivistas e museólogos) podem trabalhar também com a promoção do debate, dos questionamentos e das discussões, além de incentivar e promover oportunidades tanto de criação nova como também do resgate de um conhecimento aparentemente perdido no passado.

 

Para a missão de promover a educação e a cultura (biblioteca pública) e a melhor relação ensino/aprendizagem (biblioteca escolar), ambos os Manifestos da UNESCO/IFLA enfatizam que o bibliotecário tem o perfil de um intermediário ativo entre os usuários e os recursos informacionais, lidando com todo tipo de fontes de informação como suporte, e que deve cuidar da sua própria educação continuada, em “treinamento contínuo”, com vistas ao desenvolvimento profissional, em face do público que atende e da sua desejável identificação com o tipo de centro de informação em que trabalha.

 

Reforçando o que se afirmou anteriormente, em artigo publicado em Infohome, ambos os Manifestos declaram que o bibliotecário deve trabalhar em conjunto/em colaboração com outros profissionais, mormente tendo em vista que a AC não é prerrogativa única e exclusiva do bibliotecário, embora a informação o seja e ela faça parte da “fórmula estratégica” da AC. Costumo afirmar, em cursos e palestras, que nem o bibliotecário é um super-homem, nem a bibliotecária é uma super-mulher; portanto, compartilhar tarefas e delegar atribuições é uma atitude bastante saudável e de bom-senso. É produtivo estabelecer parceiros e parcerias: surgem mais idéias, soluções, e somam-se energias, sem desgastes para um único profissional.

 

Observe-se, na leitura atenta do Manifesto da Biblioteca Escolar, que o bibliotecário, além de orientar sua prática pelos preceitos da Declaração dos Direitos e Liberdade do Homem – que ele deve conhecer realmente para poder assimilar e aplicar no cotidiano profissional – deve suplantar e rejeitar qualquer forma de censura – ideológica, política, religiosa – ou pressões comerciais.

 

Entretanto, principalmente o bibliotecário escolar é bombardeado por boletins editoriais e outros tipos de propaganda que podem levá-lo a desenvolver as coleções de forma a-crítica e a se tornar uma vítima fácil desse esquema. Saber dos lançamentos e estar atualizado é importante; porém, tão importante quanto estar atento é “separar o joio do trigo” ao montar o acervo que vai servir de base para o seu trabalho como mediador da informação, da leitura e da pesquisa.

 

Um outro ponto merece a atenção do bibliotecário, tanto para a composição e o desenvolvimento do acervo quanto para a sua atuação, ainda segundo o Manifesto da Biblioteca escolar, da UNESCO/IFLA: a participação no planejamento escolar e na gestão da biblioteca. No primeiro caso, ele precisa acompanhar os planos e as ações dos professores no início e ao longo do período letivo, para adequar o material bibliográfico e não bibliográfico de que a biblioteca dispõe ou possa vir a dispor (por empréstimo inter-bibliotecas, por exemplo), para acompanhamento e suporte ao que se passa na sala de aula e na escola, em termos didático-pedagógicos; no segundo caso, ele tem de assumir integralmente as decisões e atitudes que envolvem a gestão, que ele aprendeu durante o curso universitário específico, e que fazem parte do seu “métier”, dos quais ele não pode abrir mão, a menos que interfiram ou contrariem justificadamente os objetivos da unidade escolar da qual faça parte  integrante.

 

Portanto, o seguimento do que preconizam o Manifesto da Biblioteca Pública e o Manifesto da Biblioteca Escolar aponta para uma rota clara, indiscutível (embora permita discussões produtivas e enriquecedoras), para o acerto da prática profissional, criando situações positivas para o desenvolvimento e o bem-estar comunitário e/ou social.

 

Todavia, nem um, nem outro são deterministas em relação às estratégias, pois cada biblioteca pública ou cada biblioteca escolar é única, singular, e deve ser gerida como tal, tomando suas próprias decisões e encontrando soluções próprias.

 

A AC é uma das estratégias possíveis. Cabe ao bibliotecário que é interessado, curioso, que quer inovar e fazer progredir o seu público, ir à cata de textos, de depoimentos e de exemplos que demonstrem as vantagens que essa estratégia pode proporcionar, até de uma forma lúdica (mas séria, sem oba-oba).


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MARIA HELENA T. C. BARROS

Livre-docente em Disseminação da Informação (UNESP); Doutora em Ciências da Comunicação (USP); Mestre em Biblioteconomia (PUCCAMP); Especialista em Ação Cultural (USP); Formada em Biblioteconomia e Cultura Geral (Fac. Filosofia Sedes Sapientiae); Autora de livros e artigos científicos publicados no Brasil e no Exterior