AÇÃO CULTURAL


UMA QUESTÃO DE ETIQUETA

A palavra etiqueta, em Português, tanto serve para designar formas cerimoniosas de trato entre particulares quanto letreiro ou rótulo que se põe sobre alguma coisa para designar o que é ou o que contém. É o que ensina nosso amigo inseparável – Aurélio. E vai além: diz que vem do francês etiquette. Entretanto, ambas têm a raiz comum no grego ethos, igual a comportamento, atitude, que, por sua vez, tem a ver com cultura e convenção.

 

Isto posto, vou a um outro ângulo que quero pôr em destaque, já que me toca um pouco mais a cada dia que passa: os efeitos do tempo.

 

Vejamos.

 

As crianças anseiam pelos progressos que fazem no seu aprendizado e no seu desenvolvimento. O corpo e a mente lhes prenunciam que existe uma separação entre a sua infância e o mundo dos adultos, que elas querem atingir logo e que custa demais a chegar. Adolescência? É uma transição que elas nem sabem que existe... É do 8 para o 80: ser pequeno ou ser grande; quase num passe de mágica ou de “subir num pé de feijão”, ser criança (muito “chato”) ou ser adulto (poder tudo).

 

Só que o mundo adulto não se faz sem transição e passa a ser percebido de uma forma mais lenta, mais vívida e, às vezes, com certos traços de difícil aceitação. Ora é o corpo, ora é a mente que começa a pregar as peças. Em ambos os processos, há comportamentos decorrentes, de duas mãos: entre mim e o outro, seja no âmbito privado, seja no público.

 

Se a nossa cultura nos impõe o respeito convencional aos mais velhos, com um certo trato até cerimonioso, as etiquetas concretas que utilizamos na área da informação (bibliotecas, arquivos e museus) precisam refletir isso e, muitas vezes, não o fazem.

 

Nos dias de hoje, fala-se muito e vem-se pesquisando de forma crescente esse universo que tanto chamamos de idosos quanto de terceira idade ou ainda de melhor idade. Depende do ângulo de abordagem. Em geral, é pelo aspecto psicológico ou pela acessibilidade à informação. No caso, integrar é a meta.

 

Chamo aqui a atenção dos profissionais da área para dois fatores significativos do envelhecimento: os movimentos e a visão. O ato de curvar-se, para os mais velhos, tem um preço. A vista cansada, também. Daí o tema desta coluna, que hoje põe em destaque a etiqueta, valendo para os três diferentes tipos de centro de informação.

 

Tenho viajado bastante, dentro e fora do Brasil: mais a trabalho do que por lazer. Por ofício ou por prazer, conheço bibliotecas, arquivos e museus de diferentes lugares e diferentes concepções. Na maior parte das vezes, no meu papel de usuária-visitante, tenho sofrido com as etiquetas, pois minha coluna já não é a mesma, e a flexibilidade completa de movimentos deixou de ser constante. Assim, abaixar, levantar e/ou ficar na ponta dos pés implicam um certo desequilíbrio, desconforto e movimentos dolorosos. Em alguns (poucos) centros de informação, com a ajuda de suportes ou mesmo de efeitos especiais, em soluções criativas e de sensibilidade, as etiquetas ficam ao nível dos olhos e o corpo agradece. Percebam que a altura é também compatível com o corpo de jovens adultos e adultos mais maduros. Portanto, ninguém fica prejudicado e muitos se beneficiam.

 

Informação e cultura andam juntas e a terceira idade está sendo vista como um contingente de consumidores/usuários consideráveis das duas, tanto presencial quanto virtualmente falando.

 

Por outro lado, um dos sinais de alerta relativos à chegada da idade madura – fronteira da terceira idade, é a paulatina diminuição da visão e o início ou alteração do uso de óculos. Enquanto os editores dão mostras de que começam a perceber o problema e buscam encontrar soluções satisfatórias em seu campo de atividade, os profissionais da informação ainda continuam a produzir etiquetas problemáticas, quer pelo formato, quer pelo conteúdo dos textos informativos para o público de que falamos, nestas circunstâncias.

 

O alerta vale para os três tipos de centros de informação. O tratamento respeitoso para com o usuário que envelhece implica enxergar a sua dignidade. Sem levá-lo ao sacrifício físico, por que não marcar o texto com letras maiores, visíveis a uma distância confortável, sem exigir que o usuário encoste o rosto na etiqueta para poder saber o que é aquele documento ou aquele objeto, até com o risco de danificá-lo e/ou oferecer um mau exemplo de uso do acervo ou do recinto?

 

Uma coluna dedicada à Ação Cultural, que envolve informar-debater-criar conhecimento, não poderia deixar passar em branco essa questão. Não é uma questão menor, como pode parecer: etiquetar é um dos variados meios de informar.

 

Se informação/informar é uma das maneiras de integrar cidadãos e democratizar o conhecimento existente, se informação/informar é o fundamento da mediação, em nossa área, é preciso analisar e refletir sobre os efeitos que uma coisa às vezes tão pequena (a etiqueta) pode causar, dificultando ou até impedindo que uma parcela crescente do público possa usufruir do que o acervo ou a própria unidade informacional tem a lhe oferecer como base de conhecimento e de possível bem-estar.

 

Em outro aspecto, com as facilidades tecnológicas de que a mediação pode se servir, é possível conhecer virtualmente o que unidades longínquas estão desenvolvendo em relação ao tema hoje proposto. Nem sempre a cópia é a melhor maneira de avançar, mas exemplos podem ser assimilados e adaptados às nossas unidades e ao público usuário que queremos atender com qualidade, beneficiando-o. É preciso conhecer mais e melhor, para poder optar com segurança de acerto no que pretendemos para nossas unidades e todos os segmentos de nosso público.

 

Nos dois casos aqui enfocado, esforços que penalizam o corpo e a visão são desnecessários e podem ser resolvidos com soluções singelas e pouco/pouquíssimo onerosas. Certamente, integram o público e talvez agradem a comunidade toda de usuários e visitantes, sem privilegiar esta ou aquela faixa etária.


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MARIA HELENA T. C. BARROS

Livre-docente em Disseminação da Informação (UNESP); Doutora em Ciências da Comunicação (USP); Mestre em Biblioteconomia (PUCCAMP); Especialista em Ação Cultural (USP); Formada em Biblioteconomia e Cultura Geral (Fac. Filosofia Sedes Sapientiae); Autora de livros e artigos científicos publicados no Brasil e no Exterior