AÇÃO CULTURAL


DOUTORES DA ALEGRIA E CAIXAS DE ARQUIVOS

Você já ouviu falar nos Doutores da Alegria?

 

Ainda não pude observar o trabalho deles, só consigo imaginá-lo. De qualquer maneira, entendo que são pessoas que saem do seu espaço de conforto para, numa atitude de ação solidária, modificar o universo “cinzento” do outro, do próximo, num ambiente até certo ponto desconhecido e/ou hostil, para fazer a diferença.

 

Claro que esta é uma metáfora, um pouco semelhante e um tanto diferente do nosso universo de ação, ligado à informação e ao conhecimento, na esfera de museus, arquivos e bibliotecas. Do mesmo modo que os Doutores da Alegria e outros grupos similares se propõem a levar um pouco de alento, de entusiasmo e de esperança àqueles que se encontram temporária ou permanentemente distantes desses sentimentos, podemos imaginar que a ação cultural possa significar alento na potencialização do acesso à informação e a alegria (satisfação) na construção do conhecimento novo, renovado ou revisto, como fim último para o desenvolvimento.

 

Não há sentido em termos arquivos, museus e bibliotecas perfeitamente (às vezes, de forma neurótica) organizados e administrados, sem que atinjam sua finalidade mais nobre, voltada para o usuário da informação ali disponível, no sentido de que, preparado para acessar e usufruir as infinitas combinações de informações (até por meio da literatura e de obras de arte, por exemplo), seu nível de conhecimento se modifique, de forma evolutiva, e ele esteja melhor preparado para a vida, em constante dinamismo.

 

Ao contrário de alguns, há pessoas que, por sua personalidade, formação ou ambientação, direcionam-se prazerosamente para uma prática ligada diretamente ao público, ao convívio com as pessoas, e se saem muito bem nos serviços de atendimento ao usuário, seja ele no arquivo, na biblioteca ou no museu. Entretanto, se pensarmos em ação cultural, essa prática vai mais além, embora esteja envolvendo profissionais com um perfil muito próximo do que aqui está descrito. São pessoas que, além de gostarem de atender o público que busca informação – porque esse é o seu perfil – têm visão pro-ativa e procuram a formação adequada, extra-graduação em informação (quando o currículo se omite) e conseguem perceber o enorme espaço que esses centros de informação abrem em direção ao conhecimento e que, na maioria das vezes, deixam de ser preenchidos ou ocupados.

 

Na ação cultural, pedagógica e/ou educativa, que alguns desenvolvem como exceção, o espaço tecnicamente organizado se potencializa, tornando-se, ao mesmo tempo, dinâmico e atrativo, saindo da situação de apatia e inanição, como o do paciente que os Doutores da Alegria buscam resgatar de um universo para nós “cinzento”.

 

Na semana passada, estive em um seminário promovido e oferecido pelo Arquivo do Estado de São Paulo; não foi apresentado como ação cultural, mas pressupostamente como ação informacional educativa, já que a promoção era do grupo constituído de Amigos do Arquivo e estava aberto ao grande público. Como evento de qualidade, que reuniu conferencistas de expressão inegável, a iniciativa levou em torno de 150 pessoas àquele centro de informação, fora do contexto da mera consulta, divulgando e debatendo informações locais e de outras instituições que lidam com conhecimentos afins, com a finalidade de revivê-los, renová-los e criar links para novos conhecimentos. Como afirmava no início deste texto, gerando alento e esperança de atingir seu objetivo informacional a um público diversificado, composto de outros profissionais variados e não de meramente ou tão-somente de arquivistas.

 

Há poucos meses, também, estive no arquivo de um município do interior paulista, à procura de informações necessárias para uma pesquisa e deparei-me com um grupo de funcionários solícitos e atenciosos, mas que se baseava no muito trabalho a fazer, na dificuldade de chegar à informação pretendida (muitas caixas ainda não estavam processadas), na falta de especialistas na equipe, que estava visivelmente constrangida pelo resultado da consulta e da busca.

 

Eu estava no Vale do Paraíba, que é uma das regiões mais férteis da nossa história – paulista e brasileira –, um prato cheio para historiadores, arquitetos, genealogistas, etc.; o município em questão dispõe de documentos fantásticos para o encontro de informações que podem reconstruir os fatos, o imaginário e o modo de vida relativos a séculos de São Paulo e do Brasil, inclusive desmistificando e dando a devida dimensão a muita coisa.

 

Faltam especialistas? Que se monte uma estratégia para dotar regiões significativas de nosso estado de especialistas, que saibam cuidar do patrimônio informacional com o mesmo carinho dos que lá estão, mas com um outro nível de competência. Que tragam à luz, para o povo em geral, adotando a fórmula da ação cultural, uma amostra do que esse e outros arquivos semelhantes encerram, até para que todos democraticamente possam conhecer melhor suas origens, num processo de identificação que supere o RG e dê mais colorido à existência às vezes “sem graça” de cidadãos comuns. Enfim, movimentando a vida cultural de muitos municípios que nem sabem que os documentos têm esse poder mágico.


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MARIA HELENA T. C. BARROS

Livre-docente em Disseminação da Informação (UNESP); Doutora em Ciências da Comunicação (USP); Mestre em Biblioteconomia (PUCCAMP); Especialista em Ação Cultural (USP); Formada em Biblioteconomia e Cultura Geral (Fac. Filosofia Sedes Sapientiae); Autora de livros e artigos científicos publicados no Brasil e no Exterior