AÇÃO CULTURAL


SE O TEMA FOSSE JANGO

Acabei de assistir na TV a uma reportagem sobre censura, repressão política e movimentos revolucionários das décadas de 60-70, que enfocava os fatos que antecederam e sucederam a revolução brasileira desse período, bem como sobre governos que abrigaram os exilados e auto-exilados de nosso país. Enfim, o entrelaçamento de episódios históricos nossos que envolveram países vizinhos ou mais longínquos, e personalidades que protagonizaram aqueles episódios, tanto do lado legalista quanto do lado revolucionário.

 

Grande parte daquele programa mostrou cenas significativas com o ex-presidente Jango (João Goulart), deposto pelos militares de então. Nessas cenas, muitas delas mostraram a família de Jango, envolvida e afetada pelos fatos políticos, por meio de fotos e filmagens daquela época, reforçadas ou esclarecidas por depoimentos atuais da viúva, do casal de filhos e do neto mais velho.

 

Atenho-me a essa reportagem para falar de Ação Cultural, tendo em vista o período em que os fatos referidos se passaram e que, em relação a 2008, permite supor que duas gerações provavelmente se sucederam no tempo e que pouco conhecem dos acontecimentos. São elas o nosso público-alvo, nas situações abaixo de simulacro.

 

Acontece que esse período conturbado da história do Brasil envolveu uma censura rigorosa, que chegou a afetar inclusive a nossa música popular. Jornais, revistas e livros foram confiscados e impedidos de circular, sob pretextos ditados pelos censores, por critérios não muito claros. Bibliotecas e arquivos também foram atingidos, e só agora essa história está sendo levantada e começa a ser divulgada para o grande público.

 

Não cabe aqui julgar os erros e acertos cometidos de lado a lado. Mas, é possível utilizar essa conjuntura histórica e política para simular um caso de ação cultural a ser montado em biblioteca especializada, universitária de área, ou pública, guardados os níveis e as especificidades de cada público envolvido.

 

Assim, podemos supor que três programações distintas poderiam ser propostas, como exemplos fictícios de possíveis composições, dentro de uma grande multiplicidade dependente dos recursos disponíveis e da criatividade da equipe encarregada.

 

Exemplo 1 – biblioteca especializada:

Informar: realização de um ciclo de filmes documentários sobre o período anterior e imediatamente posterior a 1964, com a participação e o depoimento dos cineastas que os elaboraram;

Debater: realização de um colóquio sobre o tema “As ações do Governo João Goulart que provocaram a precipitação do movimento militar de 64”, com a participação de intelectuais favoráveis e contrários à revolução em pauta;

Criar conhecimento: abrir uma linha de publicações (impressas, eletrônicas e audiovisuais) na temática em questão, para fazer circular informações ainda inéditas.

 

Exemplo 2 – biblioteca universitária de área (história, ciências sociais, administração pública, etc.):

Informar: exposição de livros, artigos, CDs e DVDs do acervo, dando-se destaque à montagem e ao efeito visual/sonoro do produto;

Debater: mesa redonda com a participação de professores historiadores e cientistas sociais que promovam a discussão com o público de ensino superior, em nível de graduação e pós-graduação, abordando os fatos com pontos de vista críticos na argumentação e na comparação com a realidade;

Criar conhecimento: instituir um concurso de depoimentos gravados, para registrar a memória de pessoas que vivenciaram aquele período histórico, bem como recolher mementos em meio àquele público interno ou externo à instituição.

 

Exemplo 3 – biblioteca pública:

Informar: exposição de capas de livros sobre o período histórico aludido, em parceria com uma livraria de porte;

Debater: convite a palestrantes para que estabeleçam um fórum e promovam a discussão com o público sobre democracia, o conceito de golpe, liberdade, censura, etc.;

Criar conhecimento: instituir um concurso de monografia sobre a temática debatida, com premiação alusiva.

 

Esses três exemplos práticos e simples servem para mostrar que planejar um processo de ação cultural tem como ponto de partida os três verbos constitutivos iniciais, sempre voltados para um determinado público-alvo. Entretanto, esse é apenas o ponto de partida e requer as etapas de estrito planejamento, de organização, de realização e de avaliação, levando-se em conta a disponibilidade de recursos, a oportunidade adequada e as estratégias, sem uma decisão autoritária.

 

A ação cultural, qualquer que seja, é uma ação que se pretende transformadora, por promover conhecimento/ mais conhecimento, num formato de características pedagógicas, cujas nuances são definidas principalmente pela equipe envolvida, de forma crítica e criativa. Jamais ingênua ou simplória.

 

A temática em pauta serve para ser abordada em qualquer tipo de centro de informação: museu, arquivo ou biblioteca, com pequenos ajustes relativos ao público, aos recursos utilizados ou, ainda, à ambientação.

 

Muitas vezes, nos cursos que oferecemos, mesmo os de curta duração, os três verbos de ação, em tese, são de fácil compreensão. Entretanto, no momento de transpô-los para o plano prático, tornam-se um desafio para os alunos, que demonstram dificuldade em articular a ação entre o público-alvo e o produto planejado.

 

Se os exemplos acima puderem ajudar, o tema está posto e a história nos espera. Mas a ciência... As artes...

 

Bom trabalho! Boa aventura!


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MARIA HELENA T. C. BARROS

Livre-docente em Disseminação da Informação (UNESP); Doutora em Ciências da Comunicação (USP); Mestre em Biblioteconomia (PUCCAMP); Especialista em Ação Cultural (USP); Formada em Biblioteconomia e Cultura Geral (Fac. Filosofia Sedes Sapientiae); Autora de livros e artigos científicos publicados no Brasil e no Exterior