CINEMA


DEIXE O TELEFONE TOCAR

O telefone toca. Nos dias de arapongas (baianos principalmente), você fica desconfiado: será que está grampeado. Atender ou não atender pode ser uma questão shakespereana, ou pode ser uma questão política. Esse toque pode ser fatal, mas há outro chamado que provavelmente mais fatal do que o toque baiano.

Falo daquele telefone insistente e apavorante de O chamado, um filme que tem tido relativo sucesso de público. E que pretende ser sensitivo, mas que beira o horror, por sua própria essência. Conduzido estrategicamente para parecer mais um filme que mexe com o espiritismo, e com a emoção daqueles que crêem na vida após a morte, o filme atinge o ridículo, pelo seu diretor não saber parar no momento exato. Fiel ao roteiro, perde-se no emaranhado de cenas inodoras e insípidas.

Do suspense existencial ao horror é um pulo e o macabro toma conta do filme colocando-o a um passo do abismo. Embora a condução do filme não tenha sido brilhante, com cenas estéreis e repetitivas, remoendo um passado pouco explicável, dá-se um crédito ao filme pela aparência temática. Busca-se, isto é entendível, a libertação de um espírito que vaga pela injustiça cometida contra ele (o espírito que vaga). Espírito que estranhamente revela-se do mal sacrificando vidas inocentes; o que por sua vez se comete injustiças tanto quanto o mal que se quer punir.

Os sensitivos, que assistiram ao filme, devem estar com muito sentimento de reserva pela forma com que o assunto é tratado no filme. Afinal, os filmes temáticos sobre espiritismo sempre são bem vindos, pois significam uma contribuição à discussão. Observe-se que filmes que abordam este aspecto quase sempre são sucessos de bilheteria; mais do que o marketing feito em torno deles, existe o clima da publicidade boca-a-boca.

Neste O Chamado a perspectiva de um telefone tocando assusta (tanto quanto estão assustados os políticos brasileiros). Ao atender, você pode ser surpreendido pela notícia de que estará morto em sete dias. E o que fazer? A um mortal comum a credulidade e a expectativa da morte sem reação. A uma jornalista, a perspectiva de uma boa matéria. Principalmente para quem está com a cabeça (leia-se emprego) a prêmio. A partir daí desenvolve-se uma investigação bem ao estilo do jornalismo investigativo, em que a repórter desbrava as intempéries do horror. A corrida contra o tempo (os sete dias) torna-se mais grave a partir do momento em que a própria agora é marcada para morrer. A investigação, a partir da morte de quatro jovens, torna-se agora a luta não por uma boa reportagem, mas por sua própria sobrevivência; uma luta contra o tempo, que lhe é mínimo. Entra em cena mais um atenuante na busca da solução contra as mortes previsíveis, mais do que salvar a sua vida, está em jogo, também, salvar a vida do próprio filho, o que confere dramaticidade à investigação.

É obvio que no mundo do cinema a razão cede espaço à magia. No entanto, a magia cinematográfica obedece a uma certa racionalidade quando se trata de temas pertinentes ao mundo do existencialismo. Não se trata de ficção, nem aventura. Trata-se de um filme de suspense (?), e não de horror. Das duas uma: o filme foi classificado errado, ou teve um tratamento inadequado. É difícil mesmo no cotidiano de insólitos, como vivemos todos, ver tantas cenas insólitas gravadas numa fita de vídeo. Falo da fita dentro da película. Da fita que dá vida ao filme, e morte aos seus personagens.

Ao descobrir o segredo da vida, para si e seu filho, Rachel, a personagem principal, teria antes disso libertado o espírito que estava preso, para construir, como preconiza o filho da personagem, uma carreira de destruição para o espírito da garota, já que ela nunca dorme. A condução das cenas finais não permite ao espectador o devaneio de uma solução fácil, embora esteja implícita. Deixa, entretanto, entrever a temporada de O chamado II, ou quem sabe Atenda ao telefone, um título tão insólito quanto à própria película.

Embora cinema seja manifestação do fantástico, da magia, da ficção, sempre se espera a condução de um enredo que se não verossímil, atenda algumas expectativas de explicações. Não é o caso de O chamado que está mais para o realismo fantástico, justamente por ter criado um enredo improvável.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo