CINEMA


QUATRO FILMES IMPERDÍVIEIS

Fugindo do lugar comum da crítica de um filme mensalmente, vamos recomendar, fazendo breves críticas, quatro filmes que merecem ser assistidos, ou melhor, não devem ser perdidos. Evidentemente nem todos estão no circuito comercial de todas as cidades brasileiras. Essa é uma das vantagens culturais das metrópoles: oferecer maior oferta de atividade cultural, no caso em questão a exibição de um número maior de filmes. Vamos a eles:

As invasões bárbaras. Canadá/França, 2003.

Lascivo, debochado, marxista, maoísta, feminista, separatista, existencialista, libidinoso, bestial, perverso: esse é o universo de Invasões bárbaras. Por tudo isso, pode ser considerado o grande filme em cartaz no momento; um filme genial. Premiado no festival de Cannes, neste ano de 2003, como melhor roteiro, assinado por Denys Arcand, também diretor, levou ainda o prêmio de melhor atriz com Maria Josée Crose. Um professor universitário, condenado por um câncer, tem reunido no seu leito mortuário, ex-amantes e velhos colegas, todos grandes amigos. A reunião é patrocinada por seu filho, que tenta reconciliar-se com o pai, depois de anos de desavenças, principalmente pelo antagonismo político existente: o pai socialista convicto renega o sucesso do filho, um capitalista bem sucedido. O filme prende a atenção do início ao seu final, principalmente pelos diálogos sempre ferinos aos rumos tomados pela sociedade. Tendo como argumento a trajetória de um professor universitário, um intelectual na concepção do termo, o filme pode ser visto como uma grande aula. Não deixa de existir referências a grandes fatos ocorridos com a humanidade no século findo, assim como referências à literatura e grandes autores universais. O filme discute o uso da droga por paciente terminal de câncer, aparentando uma situação que deveria ser normal, da mesma forma que discute o uso como um problema social, enriquecendo traficantes, marginalizando artistas e intelectuais e impingindo cumplicidade à polícia. Neste aspecto, coloca a questão drogas como uma questão internacionalizada que alimenta grandes conexões mafiosas. Discute com acidez a nacionalização do sistema de saúde e a corrupção dos sindicatos infiltrados na rede pública hospitalar. Faz a crítica à Igreja no caso Holocausto, acusando a Igreja católica de ter silenciado enquanto escritores eram exterminados. Assume as relações extraconjugais como um fato do cotidiano e que não devem ser negadas, e revela, como epílogo, a força de novas paixões quando o filho, personagem coadjuvante, apaixona-se pela filha de uma ex-amante do pai em detrimento de uma relação estável que mantinha.


Um filme falado. França/Itália/Portugal, 2003.

A este não podem ser empregados todos os termos referidos para As invasões bárbaras, mas com certeza é outro dos grandes filmes do ano. Como argumento, a trajetória turística de uma professora da Universidade de Lisboa, que em companhia de sua filha vai encontrar-se com o marido. O cruzeiro Lisboa a Bombain é feito com o objetivo de dar conhecimento a sua filha dos grandes acontecimentos da humanidade ao longo do Mediterrâneo. Assim, os espectadores vão passear por vários países. Conhecerão monumentos de Pompéia, Atenas e Istambul. De forma deliberada o português Manuel de Oliveira, diretor do filme, usa o filme para dar uma aula de história universal. Não é sem propósito que a personagem principal é uma professora de História Universal, e os cenários são símbolos da história da humanidade. É uma aula projetada. A surpresa fica por conta do final do filme que marca de forma violenta e amarga a sociedade atual. É a contradição: enquanto alguém se preocupa em passar para as novas gerações o gosto pela cultura, realçando o que existe de positivo na história da humanidade, alguns, também por crença em uma causa, procuram destruir vidas como marca pelo desprezo para com alguns povos. Um filme falado celebra a vida dos povos, a marca de culturas que são reveladas em cada espaço geográfico no percurso mediterrânico, a beleza dos monumentos, a história legada as nossas gerações. O seu final, no entanto, é aterrador. Mas condizente com a situação atual em que mergulha a história da humanidade.


Eddi. Polônia, 2002.

Narra a história de um catador de metal respeitado em seu ambiente de trabalho pelo amor aos livros. Enquanto cata metal em suas andanças pela cidade Eddi vai recolhendo livros e construindo a sua coleção. Em um quarto subumano, que divide com outro catador, ocupa seu tempo com a leitura. Busca na literatura o conhecimento e o equilíbrio para entender as pessoas e a sociedade em que vive. Respeitado pelos seus amigos da comunidade de catadores também é visto como alguém diferente pelos mafiosos, justamente pelo seu conhecimento. Recebe dos chefes da máfia local a incumbência de cuidar de uma jovem de 17 anos, irmã dos mafiosos. Tal tutoria lhe traz grandes dissabores e contratempos na vida, enfrentados com o silêncio da paixão. Solidariedade, desprendimento, renúncia e amor, são marcas de um homem para quem no mundo não cabe ambição, orgulho e vaidade. Duas cenas merecem registro: a geladeira que se transforma em um armário para guardar livros e a venda de livros em um sebo para comprar um brinquedo e presentear anonimamente uma criança da vizinhança. Amor e dor compõem este belo filme.


Amém! (Grécia, 2002 ?)

Numa época em que a igreja católica tenta não deixar passar em branco, com orações e solicitações papais, a questão israelense-palestina, vem a público um filme sobre o Holocausto e a posição incômoda da Igreja Romana ignorando o que estava acontecendo com os judeus. Em Invasões bárbaras, comentado acima, há uma referência ao assunto quando o personagem principal apregoa que enquanto o Vaticano não se incomodava com o que estava acontecendo escritores eram assassinados. Quando se pensava que tudo sobre o sangrento extermínio de judeus já tinha sido dito e mostrado, aparece Amém!, que analisa a questão por um prisma diferente de todos os outros. O episódio é analisado a partir das denúncias de um médico encarregado de trabalhar como sanitarista para melhorar a qualidade da água usada na região ocupada da Áustria. Apenas um álibi para colocar o brilhante médico a serviço do extermínio. Quando descobre que está sendo usado para matar judeus inocentes começa uma cruzada em busca de Roma para que possa interferir e acabar com a matança de milhares de inocentes. O papado prefere distanciar-se do assunto. O filme mostra mais um personagem perdido na maior catástrofe da humanidade, que prefere ajudar o próximo e ser rotulado como traidor do que fechar os olhos para tamanha barbárie. Uma frase no filme é lapidar, quando o Papa (Pio XII, à época), fecha questão de não intervir na barbárie mas preocupa-se com a destruição de uma das bibliotecas da igreja. Ponto alto do filme é o grande número de seqüências em que os trens vão e voltam das fábricas da morte, os campos de extermínio. Imensos trens cruzam planícies gélidas com portas cerradas, são viagens de ida. Os mesmos imensos trens cruzam planícies gélidas com portas descerradas, são viagens de volta. Na ida, os vivos, tratados como escória da humanidade, sendo conduzidos para a morte. Na volta... bem não tem volta.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo