CINEMA


EDI

Na coluna do mês passado reportei-me ao filme Edi, como um dos quatro imperdíveis que recomendava. Na verdade pensava em escrever sobre Edi especificamente, mas diante de alguns filmes que mereciam ser citados abdiquei da proposta. Mas o assunto ficou pendente e presente na memória, como algo que deveria ser resolvido na próxima coluna. Assim, vamos nos reportar ao filme em questão.

Edi, filme cujo título é nome do personagem principal, narra a história de um catador de metal respeitado em seu ambiente de trabalho. A deferência se dá, justamente, por demonstrar para os seus colegas de profissão um conhecimento maior do que o existente entre eles. O que acontece como o personagem título é característico de determinada parte da população que vive alijada da possível ascensão social, assim, um indivíduo, desta parte, que usufrui a leitura, que adquire conhecimento, passa a ser admirado. Essa diferença entre ele e os demais catadores, ou mesmo a comunidade em volta, tem como referência o seu devotamento aos livros.

Enquanto cata metal em suas andanças pela cidade vai recolhendo livros e construindo a sua coleção. Em um quarto subumano, que divide com outro catador, ocupa seu tempo com a leitura. Busca na literatura o conhecimento e o equilíbrio para entender as pessoas e a sociedade em que vive. Além de respeitado pelos seus amigos da comunidade de catadores também é visto como alguém diferente pelos mafiosos, justamente pelo seu conhecimento. Aí reside a trama do filme: recebe dos chefes da máfia local a incumbência de cuidar de uma jovem de 17 anos não por acaso irmã destes.

Tal tutoria lhe traz grandes dissabores e contratempos na vida, pois que lhe deixam marcas indeléveis de uma paixão enfrentada com o silêncio. Solidariedade, desprendimento, renúncia e amor, são marcas de um homem apaixonado. É submetido à crueldade física, ao terror da ameaça, à perversidade da deportação, às dificuldades da educação de um bebê, ao horror da separação desse mesmo filho, embora não seja seu.

Amor e dor compõem este belo filme. A cena em que ele entrega o filho da mulher amada, que está sendo criado por ele, ao pai verdadeiro, não é uma cena de renúncia, é, ao contrário, de grandeza, de reconhecimento da situação de uma realidade que a ele se impôs e que não haveria saída, apenas postergação temporal. A incredulidade estampada nos rostos de todos os amigos, que reunidos numa extensa mesa celebram a vida, mais do que reprovar a atitude de Edi, é uma contemplação. É a representação do desprendimento de um homem, bom por essência, por algo a que ele naquele momento devotava a sua vida, e que nem por isso renunciará a ela (a vida).

Edi é mágico. Encanta a todos os que o rodeiam. A sua aparência física é deplorável. Homem feio e sábio (para os padrões do seu entorno), apresentava o conjunto ideal tomado como base para que os irmãos mafiosos, personagens rudes e deselegantes, escolhessem-no para preceptor da jovem irmã pela qual Eddi se apaixonará. Sábio, pois então indicado para educar a bela jovem, que deveria ficar a salvo das investidas mundanas, e feio, pois então não oferecia riscos para a perdição da bela jovem.

A leveza dos atos do personagem, comedido na fala, gentil por natureza, solidário por decisão, faz com que o desencanto de um mundo desértico, consolidado na realidade deplorável do ser humano, como os exemplares irmãos da máfia polonesa, se torne menos contundente no real. Ainda há esperança, essa é a mensagem que passa Edi. Uma esperança, embora marcada pela dor, pela tristeza. No seu mundo não cabe ambição, orgulho e vaidade. Duas cenas merecem registro: a geladeira que se transforma em um armário para guardar livros, e a venda de livros em um sebo para comprar um brinquedo e presentear anonimamente uma criança da vizinhança.

Edi, no seu conjunto fílmico, configura-se como um filme triste, mas de uma beleza esplendorosa no aspecto humano, e como um filme belo, embora de uma tristeza cruel.

EDDIE, Edi. Polônia, 2002. Direção: Pior Trzaskalshi. Com: Henry Golebiewski, Jacek Braciak e Jacek Lenartowicz. 100 min.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo