AÇÃO CULTURAL


O QUE A LEITURA TEM A VER COM AÇÃO CULTURAL?

Teria sido o escritor Pedro Bandeira quem disse recentemente, na TV, que o brasileiro lê pouco?

 

Há mais ou menos vinte anos, o professor Ezequiel Theodoro da Silva propôs esse questionamento à classe de mestrado em Biblioteconomia, na PUC de Campinas. As repostas e suposições foram as mais variadas; mantenho o sentido das minhas, sem modificá-las radicalmente: essa é uma questão de oportunidades, de chances.

 

Quantos, neste Brasil de 190.000.000 de brasileiros, conseguem condições de sobrevivência (contra a fome, a violência, o desemprego – mais urbano do que rural, ou tanto quanto -, a falta de saúde, etc., muito além dos projetos sociais, cujos resultados não dão conta ou ainda não conseguem dar conta de tudo isso), em convívio com a escolaridade mínima estipulada pelo MEC e o Estatuto da Criança e do Adolescente?

 

Digo isto porque, embora a leitura não seja o único meio de informar-se, continua sendo o principal, apesar de vivermos intensamente em um universo audiovisual, como o de hoje, reforçado pelas novas tecnologias que, de alguma forma, modificam a presença da leitura tradicional no processo.

 

Por outro lado, não existe sociedade ou grupo social sem cultura própria e, sabemos todos, que a cultura avança e se modifica quando alimentada pela informação até que se constitua o eventual conhecimento, apesar de que esse processo não se dá de forma automática, e depende de certos fatores e circunstâncias para ocorrer. Entretanto, aqueles que se interessam profissionalmente em produzir um ambiente propício à circulação da informação, da constituição do conhecimento, com vistas ao desenvolvimento de uma comunidade e/ou de uma sociedade, podem e devem partir do princípio de que a leitura é fundamental aí.

 

Ora, a Ação Cultural é mais abrangente do que a ação ou do que a cultura em si, isto é, muitas vezes, numa unidade de informação e cultura, seja ela arquivo, biblioteca ou museu, é preciso conceituar e concatenar o que é visto como atividade, programa ou projeto cultural, de tal forma que não se menosprezem as especificidades do entorno. Com isso, quero afirmar que qualquer Unidade de Informação e Cultura – UIC (ou Centro ou Núcleo, como queiram) deve atentar para as necessidades e as deficiências que a comunidade usuária possa apresentar (pelo estudo científico e criterioso do usuário e da comunidade) e, então, cuidar disso para que a ação cultural, propriamente dita, possa correr dentro dos objetivos e resultados esperados, sem se deparar com barreiras eventuais, supérfluas e desnecessárias.

 

Por diversas vezes, nesta coluna de Infohome, vimos batendo na mesma tecla de que é preciso “ter a casa em ordem”, primeiro, organizando e mantendo a informação de maneira correta, administrando-a de acordo com os preceitos organizacionais da área, seja da Biblioteconomia, da Arquivologia e da Museologia.

 

Acontece que nem biblioteca, nem arquivo, nem museu foram feitos exclusivamente para os alfabetizados, com cultura letrada. Democraticamente, essas unidades devem acolher a todos, proporcionando-lhes o encontro com a informação/ informações. Sendo assim, pressupõe-se que lá se encontre não só a informação organizada e administrada (bem), pronta para atender, da melhor forma possível, o outro lado, (menos conhecido e /ou menos praticado da ação cultural), quando se pode exercer, de forma intencional, planejada e empenhada, a oferta de oportunidades e chances de contato com a informação, em qualquer mídia.

 

Estou me referindo à constituição de novos conhecimentos, para atingir um novo patamar de avanço e, certamente, de cultura ampliada, sem preestabelecê-lo ou defini-lo de forma taxativa.

 

Fico pensando, nesta época de acirrada campanha eleitoral, se as UICs teriam se esforçado em direcionar suas atenções ao imenso contingente de  eleitores analfabetos, em todo o Brasil e, portanto, com limitado acesso às informações, com uma cultura mais localizada e menos eclética; consequentemente, com menor condição de crítica e de avaliação menos parcial  ou influenciável. Fico pensando, também, que teria sido de bom senso ensinar a usar a urna eletrônica, mais difícil no 1º turno, quando havia uma quantidade numerosa de candidatos com nomes e legendas tão diversos. Principalmente, para os eleitores analfabetos, essa deve ter sido uma dificuldade que poderia ter sido amenizada por um projeto de ação cultural para a época adequada. Além disso, teria sido um trabalho de mérito se esse projeto se desdobrasse num outro, em que os usuários pudessem tomar conhecimento do que implica ser do legislativo, do executivo ou do judiciário, o que envolve o perfil de cada função, com suas atribuições, deveres e direitos, pois isso faz parte importante da esfera e do exercício da cidadania consciente e da inter-relação entre os membros da sociedade brasileira, que vivem numa democracia e, ao mesmo tempo, num estado de direito.

 

Essa é uma das muitas facetas proporcionadas pela ação cultural (que se presta a qualquer temática), cuja meta maior, com vistas a conhecimento/mais conhecimento, é a de ser transformadora para aquela dada comunidade relacionada à informação demandada, por meio de qualquer UIC que lhe seja acessível ou com a qual se sinta envolvida, onde possa encontrar respostas e soluções para sua necessidade informacional; mas, também que, em sentido inverso, a informação em oferta, por meio de oportunidades e chances nem sempre esperadas, possa encontrá-la, em termos de promover algum tipo de catarse, de transformação, por menor que seja. Será essa a grande recompensa do profissional da informação (bibliotecário, arquivista, ou museólogo, consciente do seu papel técnico, por um lado, fortemente social e cidadão, por outro).

 

Assim, é importante que continuemos acreditando na proposta desta coluna, para que tenhamos cada vez mais profissionais da informação engajados em projetos complexos e completos, na medida do possível, que contemplem os aspectos básicos da organização e da administração da informação, sem minimizar ou sem exagerar nos aspectos das novas tecnologias e nos interesses de cultura e de leitura da comunidade usuária. Pro-ativa e cidadã!


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MARIA HELENA T. C. BARROS

Livre-docente em Disseminação da Informação (UNESP); Doutora em Ciências da Comunicação (USP); Mestre em Biblioteconomia (PUCCAMP); Especialista em Ação Cultural (USP); Formada em Biblioteconomia e Cultura Geral (Fac. Filosofia Sedes Sapientiae); Autora de livros e artigos científicos publicados no Brasil e no Exterior