CINEMA


O PESO DA MORTE

Um filme inquieto e provocante. 21 Gramas é um daqueles filmes que agradam aos que buscam na programação de cinema algo além de entretenimento e diversão. Paixão e morte expõem-se nesse bom filme em que quatro casais, formados por três homens e quatro mulheres, vivem seus dramas e traumas na ante-sala da morte. Não convém estabelecer quem é mais presente se a paixão ou a morte.

A montagem revela-se um verdadeiro quebra-cabeça de fotogramas, e é um dos pontos alto do filme; uma construção fragmentária que lembra Amnésia. A diferença é que neste, o espectador vai juntando as peças de forma relativamente fácil e constrói os seus personagens e seus dramas pessoais entre as mortes e as paixões.

Um dos diálogos centrais tenta entender a vida muito além dos fragmentos da rotina dos personagens quando um dos casais teoriza sobre o que é preciso acontecer para que duas pessoas se conheçam e se apaixonem. Quantas voltas o mundo dá, quanto a terra gira, para que pessoas sejam atraídas e se aproximem. Esse diálogo, é entre um casal que ensaia uma paixão, por isso mesmo como uma abordagem de apaixonados, revela a trama do filme.

É a trama do casal que discute um filho como lembrança de um amor de uma vida terminal. É o casal que vive entre o pecado e o perdão, simbolizado pelo rito religioso da conversão. O outro que vive entre a fantasia de um coração que pulsa e a dicotomia da generosidade humana doador/recebedor. Um quarto casal precisou ser desfeito para que os outros três tivessem vida. Essa é a tônica do mundo que gira dando lugar a novos encontros. Quem já não passou por situações semelhantes? Alguns filmes já mostraram tal trama mas sem o fundamento da morte.

Voltando aos casais mostrados em tela: só a paixão para explicar tamanha dedicação de uma mulher a um homem, o caso do ex-presidiário; só a paixão para explicar tamanha decisão de engravidar de um homem à beira da morte, e conviver com a sua lembrança.

21 Gramas, lembrado para o Oscar, não dava para concorrer com os mega-investimentos hollywoodianos, mas foi lembrado em duas categorias: melhor atriz, com Naomi Watts e melhor ator coadjuvante, com Benicio Del Toro, impagável no papel de um neo-evangélico.

Provavelmente o papel sombrio dos personagens tenha chamado a atenção dos acadêmicos. Há não só nos dois indicados para o Oscar, mas em todos, o processo da perda revelando-se através da dor de cada um. É sabido que a morte tem várias interpretações culturais, e para nós no Brasil a morte é temida, muito embora não se dê valor à vida, pois se mata por qualquer coisa, tipo briga de trânsito ou roubo de tênis. Então, o filme tem um papel didático a ser trabalhado, o valor da morte não no seu peso, mas na contradição cultural. O enfrentamento da situação revelando-se através da morte e a dor de cada um, cria personagens sombrios porém vibrantes, todos buscando algo mais do que a situação que a vida permitiu. No final é difícil saber como se chegou a exata quantidade de 21 gramas. É um peso pequeno para um drama tão denso.

Na ante-sala da morte, a espera de um transplante, o personagem principal vivido por Sean Penn, descobre, posteriormente, o valor da gratidão e como a paixão é mais forte do que uma relação estável. Muito embora as paixões sucumbam ao inevitável: o tempo. E com eles os sonhos e a amizade. Mas nas relações de paixão sobra amizade? Para alguns o pior de uma relação quando finalizada é a extinção da amizade: é a morte em vida. Outros não acreditam em amizade depois de uma relação terminada, embora não trabalhem a questão da morte em vida. Essas mortes não pesam 21 gramas, têm o peso da natureza que movem pessoas diuturnamente, tal qual os personagens de 21 gramas, entre as paixões e as mortes.

21 Gramas. 2003. Direção de Alejandro González Iñárritu. Com Sean Penn, Naomi Watts, Benicio Del Toro.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo