CINEMA


INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

Se Cristo os cristãos pretendem-no divino, então Mel Gibson reforça a divindade posto que humano algum além Dele suportaria tamanho flagelo. Flagelo tamanho que é atribuído ao profeta Isaías uma referência a que o Messias não mais teria aparência humana.

O silêncio secular do episódio agora retratado, a dor e o sofrimento físico, quando confrontado com alguns murmúrios de revolta revela-se como um documento a contribuir para a história da humanidade. É sabido que os fatos acontecidos são retratados então tal qual o foram, no entanto ainda não revelados, justamente pela ausência de alguém com tamanha coragem para enfrentar as adversidades que poderiam surgir. Gibson assumiu esse papel e o fez com competência digna dos mestres do cinema que cristalizaram seus nomes em dicionários de cineastas.

Será o filme canônico ou profano? Se se optar simplesmente pelo primeiro sucumbe-se junto com a polêmica que se quis encetar; se a opção for a segunda, abre-se a polêmica encetada.

Não vi a polêmica gerada com a película "A paixão de Cristo". Então surgem algumas interrogações que não querem ceder: - teriam os polemizadores estudados os textos sagrados e outras fontes existentes em bibliotecas clericais e monacais, conservados durante séculos, e que posteriormente serviram para estudos científicos?; - qual a verdade histórica que se pôs ao Ocidente neste pouco mais de 20 séculos?; - quais as informações, ou verdades, transmitidas e disseminadas neste período?; - estaria o choque nas atrocidades brutais da tortura por ser projetadas contra Jesus de Nazaré, ou por durante o período moderno dos dez séculos da existência do cinema a indústria do entretenimento ter se comportado tão docilmente com a história de Cristo? - o que está em jogo: a qualidade (inegável) do filme ou a valoração (tão alardeada) do anti-semitismo?

As questões acima estão sendo respondidas por cada espectador a depender do seu olhar comprometido ou com uma causa, ou com outra. Ou com nenhuma delas, outra opção para alguns espectadores. É bom não cair na "síndrome da jaborização", que chega ao ridículo de propor que as pessoas não vão ao cinema assistir o filme de Gibson; sabe-se lá por quê? Proposta tornada mais absurda ainda por tratar-se de sair da cabeça de um cineasta, ou melhor ex-cineasta. Vá assistir ao filme, e tire as suas conclusões. Tente responder as interrogações que o filme permite dentro da reflexão que provoca.

Há também um ângulo do olhar que se impõe do ponto de vista jurídico. Assim o filme tanto serve para arregimentar cristãos, solidários ao sofrimento carnal do Messias, para arregimentar defensores do anti-semitismo, como também para arregimentar juristas que têm se debruçado sobre o julgamento argüindo uma série de irregularidades. Observe-se que o julgamento do ponto de vista da trama central é que desencadeia todo o filme. Muito embora o ato em si seja efêmero. O que vale no filme é a sessão de tortura. É o flagelo. E isso é mostrado com competência. E é isso que o público vai ver.

Seria o flagelo de Cristo algo isolado no cenário da humanidade? A se olhar para as guerras santas desencadeadas na história da humanidade e os conflitos estabelecidos na área do nascimento Dele, não. Não somente hoje, mas um processo que se arrasta desde sempre. Hoje existe a comunicação globalizada que facilita a identificação dos flagelos (veja-se o caso Falluja, onde se impõem martírios modernos). A cada dia cresce a lista de flagelados, seja pela tortura oficial, seja pela oficiosa. Dois lados de uma mesma questão: intolerância religiosa. O filme é um atestado de identificação cultural quando se discute a geografia da religião. Gibson atingiu o seu objetivo (teria ele pensado assim?) Teria ele pensado em contribuir para a história da humanidade com um documento que atingiria milhões de pessoas em tão curto tempo, muito diferentemente das escrituras? Pensando ou não conseguiu fazê-lo.

"A Paixão de Cristo", o filme, deve ser visto como um documento que discute a intolerância religiosa, somente isso, sem procurar culpados ou inocentes. Intolerância que vem de encontro à natureza religiosa, seja ela qual identidade tenha. Frise-se que aprendemos nos ensinamentos que Cristo morreu para salvar toda a humanidade, independente de credo ou raça.

A Paixão de Cristo. Direção: Mel Gibson. Com Jim Caviezel.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo