AÇÃO CULTURAL


AÇÃO CULTURAL COMO AÇÃO SOLIDÁRIA

É sempre bom lembrar que os profissionais da informação, inclusive os bibliotecários, têm a dupla função de exercerem com competência e presteza tanto a função de técnicos em sua área específica quanto a função de agentes sociais para fazerem a diferença na tensão entre informação e conhecimento.

 

É bom lembrar também que a informação para atingir o conhecimento pode se dar por meio de um texto impresso, de um filme, de um vídeo ou de uma peça musical ouvida, ou mesmo de uma obra de arte; o que menos importa é o suporte em que a informação que interessa ou possa interessar está contida. Não confundamos, então, os meios com os fins.

 

É bom lembrar, também, que o conceito aqui propalado de Ação Cultural a torna uma ferramenta de primeira linha na ação dos profissionais da informação (repetimos: arquivistas, bibliotecários, museólogos) que a usam como um processo informacional-pedagógico para fazer avançar pequenos ou grandes grupos sociais, cuja situação cultural tenha sido diagnosticada como frágil e necessitando de interferência por parte de profissionais do meio.

 

Estamos vivendo, assistindo ou vivenciando momentos inusitados e angustiantes, em grande parte de nosso país, flagelado por fenômenos naturais nunca vistos nestas proporções e que vêm atingindo violentamente vários estados brasileiros, ora com secas memoráveis, ora com chuvas tormentosas.

 

Com a Internet e os canais de TV revelando em detalhes o drama dos atingidos pelas calamidades públicas, está sendo possível acompanhar o desenrolar da situação durante 24 horas por dia. Podemos ver, graças aos avanços técnicos, tecnológicos e jornalísticos, as cenas da terra calcinada, das lavouras ressequidas, dos deslizamentos da terra e das moradias, da alteração dos relevos geográficos, dos salvamentos de sucesso e dos resgates mal-sucedidos, de reencontros e de desencontros angustiantes, da solidariedade coletiva, do drama dos “ilhados”, do heroísmo de bombeiros, policiais e voluntários, etc., etc., até testemunharmos como é o alojamento propiciado aos flagelados, com reportagens “in loco” que captam a tentativa de estabelecer uma nova rotina para os “sem lar”.

 

Nessas reportagens, temos visto a abnegação de professores e recreacionistas que, além dos psicólogos e assistentes sociais, buscam encontrar e desenvolver atividades úteis, sadias e agradáveis para as centenas ou milhares  de crianças e adolescentes que tiveram o azar de se encontrar nos locais da tragédia na hora errada, na circunstância errada. 

 

Temos observado também, que a essas importantes iniciativas já tomadas outras mais poderiam se somar, que nos tocam diretamente.

 

Soubemos que algumas bibliotecas, no intuito de prestar seu apoio solidário,               predispõem-se a ceder espaço para recolher doações para aqueles milhares de desalojados que se encontram provisoriamente em abrigos. Juntando as pontas e os fatos, sugerimos que as bibliotecas em geral e não apenas as das regiões afetadas façam um mutirão para angariar material de leitura informativa e de recreação para jovens e adultos, o que daria aos abrigados motivo de  “passar o tempo” (e, agora, eles o têm de sobra) de forma proveitosa e amena e, talvez, resgatar um pouco dos sonhos perdidos.

 

Convenhamos que tudo que pudermos fazer por essa multidão de irmãos/ o “nosso próximo”, que está em situação de sofrimento extremo, será pouco, se compararmos com o que gostaríamos que fizessem por nós, se as posições estivessem invertidas. Entretanto, afora a ajuda de outros países que se fazem presentes, contamos com nossos órgãos governamentais, instituições humanitárias as mais diversas, clubes de serviço, grupos religiosos, etc., trabalhando exaustivamente na coleta e na distribuição de roupas, víveres, medicamentos e objetos de higiene pessoal, a tal ponto que a Cruz Vermelha, com destacada atuação, está dispensando momentaneamente o envio de roupas.

 

Assim, considero que seria adequada a participação de bibliotecas e outros centros de informação e cultura, enviando material específico e de acordo com sua vocação natural, para cumprir a parte que lhes toca na mitigação do sofrimento - inclusive  do tédio - que pode estar tomando conta daquelas pessoas, onde hoje se encontram abrigadas.

 

Falamos tanto que o brasileiro não lê ou lê pouco; eis uma chance de mão dupla, que quem atua nos centros de informação e cultura pode aproveitar. Se conhecerem e      possivelmente trabalharem com o conceito de Ação Cultural, muito melhor; sua atividade solidária será mais completa.

 

Lembram-se da atuação das bibliotecas americanas com relação ao Haiti, na fase crucial do terremoto sofrido e das conseqüências desse terremoto, sentidas até hoje e que devem perdurar por décadas? Se não se lembram, procurem informar-se, pois os bons exemplos devem ser imitados, até com alterações adotadas.

 

Vamos lembrar, também, que há muitas comunidades “ilhadas” e inacessíveis por meios comuns de transporte. Entretanto, será que lembramos dos bibliojegues, dos bibliobarcos ou botes, das bicicletas-bibliotecas, que conseguem levar material de leitura aos lugares mais distantes, difíceis e inóspitos? Será que isso fica apenas no nível dos relatos em congressos e não sabemos pôr em prática?

 

O nosso próximo nos espera e a nossa solidariedade precisa se dar através do que conhecemos tão bem na teoria e, agora, precisamos demonstrar na prática. Não deixemos que a sensibilidade pessoal (ou a pieguice) supere a sensibilidade profissional. Elas têm que caminhar lado a lado. É uma boa hora para mostrar quem somos e a que viemos.

 

Falamos tanto em falta de reconhecimento da sociedade. Se esse discurso for para valer, agora é a hora; marquemos o nosso espaço em todos os quadrantes em que pudermos ajudar, de maneira solidária, mas competente.

 

Quem ainda não sabe trabalhar em termos de Ação Cultural, leia os textos anteriores publicados por Infohome. Não é nenhum bicho-de-sete-cabeças. Angariar material é relativamente fácil, mas – estejamos de acordo – os que estão sofrendo as consequências dos fenômenos da natureza que muito recentemente nos atingiram merecem que apresentemos a eles o melhor de nossa atuação profissional.

 

Podemos pensar nisso? Novas sugestões serão bem-vindas e levadas em consideração por esta coluna. A pergunta final é: o que podemos oferecer que seja próprio da ampla área da informação?

 

Mas, não demorem!


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MARIA HELENA T. C. BARROS

Livre-docente em Disseminação da Informação (UNESP); Doutora em Ciências da Comunicação (USP); Mestre em Biblioteconomia (PUCCAMP); Especialista em Ação Cultural (USP); Formada em Biblioteconomia e Cultura Geral (Fac. Filosofia Sedes Sapientiae); Autora de livros e artigos científicos publicados no Brasil e no Exterior