CINEMA


O SHOW DE THURMAN E A MORIBUNDA LA PODEROSA

Kill Bill é violento, mas contraditoriamente choca e diverte, ao mesmo tempo. Há muito sangue, resultado de muitas mortes, mas com situações tão cômicas que é impossível não rir. Assim é o volume 1 desse filme em duas partes de Quentin Tarantino. Cenas como a de Sofie (a secretaria de Lucy Liu), com um braço decepado, estrebuchando-se, esvaindo-se em sangue, e a de sangue jorrando como em chafarizes são hilárias, de tão inverossímeis.

O anúncio de que o que está prestes a ser exibido é o 4° filme do cineasta soa como um convite para o espectador que não o conhece assista aos seus outros filmes. Um universo fílmico barbaramente violento e atraente. Assim é o seu estilo. Em Kill Bill o diretor continua revelando ao mundo a sua atração pela violência.

Será o cinema de Tarantino um mundo à parte? Está o cineasta vivendo que realidade para chegar a Kill Bill? O universo de Quentin Tarantino é o do imaginário de um mundo que não existe? A análise do filme em questão mostra uma dimensão de ficção e realidade que se encontram no submundo da sociedade. A crítica à violência não é despropositada. Ela reverbera nos grupos mafiosos que imperam nos subterrâneos sociais. Embora o que se passa seja inverossímil, e eis aí o grande potencial do filme, existe um fascínio do diretor em levar às telas do mundo do cinema algo do seu universo que é a violência exercida pela sociedade. Neste filme ele incorpora ingredientes que dão a idéia de um caleidoscópio cinematográfico com cenas abundantes de lutas marciais chinesas, a presença dos filmes do oeste americano através das músicas de Ennio Morricone, além dos fragmentos de comédias pastelões.

A trama não é das mais inovadoras, mas existe, o que dá o suporte necessário para o desenrolar do filme. Afinal, há uma noiva abandonada e quase exterminada, que vai buscar vingança. Resta ainda um outro ingrediente mais comovedor: a existência, ainda não sabida, de uma filha, o que vai nortear a vingança no volume 2 do filme. A necessidade da existência de um segundo filme deixa margem a que o primeiro tenha sido alongado por demais. Agora é esperar pelo lançamento do volume 2 de Kill Bill e esperar para ver o que nos reserva a nova heroína que está a caminho: Mamba Negra. De Uma Thurman não podemos esperar mais nada, pois no volume 1 ela brilhou mais que o filme, deu um show.

Kill Bill. EUA, 2003. Direção de Quentin Tarantino. Com: Uma Thurman, Lucy Liu, Darryl Hannah.

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Assim como em outros documentos fílmicos ou literários (Sem destino e Zen, a arte de manutenção das motocicletas, são dois exemplos) a motocicleta volta a ser imortalizada nas discussões culturais. Veículo dos anos 60/70, dos rebeldes com ou sem causas, a motocicleta motivou viagens sem destino ou com destino como foi o caso de Ernesto Guevara e Arlindo Granado. Bem verdade, que La Poderosa, o batistério da moto de Granado, não é companheira de toda a aventura, e os melhores momentos expostos na tela descartam-na. Ela é a penas o instrumento de uma viagem, dentro dos limites mecânicos que já se vislumbravam impostos. Ela não faz parte da história como nos documentos citados no início do parágrafo.

Para quem pretende insinuar que a viagem de Ernesto Guevara de La Serna (Fuser, depois Che), descrita no filme Diários de motocicleta, fez nascer o líder revolucionário que extrapola fronteiras e o tempo, vai daqui uma insinuação: pobre pretensão. Não dá para imaginar, salvo as melhores partes contidas no Diário não tenham sido reveladas, que diário tão pobre possa conter registro que tenha transformado alguém.

Não dá para entender como cenas tão depauperadas e desprovidas de injustiça social (o que não falta no mundo atual, salvo as injustiças daquela época fossem um mar de rosas comparadas as de hoje) tenham feito a cabeça de um jovem aventureiro (e não um questionador) a ponto de transformá-lo no mito revolucionário Che Guevara, o maior da história contemporânea.

A decisão de Ernesto, vivido por Gael Garcia Bernal, de "Y tu mama tambien", em transformar-se em Guevara, é insípida a tomar-se as injustiças por ele sentidas e mostradas no filme. Parece claro que a mensagem do filme é estabelecer o ponto zero do nascimento do mito, e não expor questionamentos que revelam a sua trajetória. Por isso mesmo o filme fica a dever. Deve explicações mais plausíveis para a tomada de posição de Ernesto. Se se entender que se incomodar com o isolamento de leprosos (parece residir aí a injustiça-mãe mostrada no filme, além das meteóricas aparições das explorações dos mineradores e índios - aí sim material explosivo para fundamentos ideológicos) é o norte para tomada de posições política sociais, teríamos o aparecimento de revolucionários a cada novo dia, ao invés de assistir-se a derrocada da esquerda através de capitulações ideológicas.

Faltou densidade política para convencimento de que coube aos Diários de motocicletas a reflexão para tomada de consciência ideológica. Talvez porque a ideologia política esteja tão em baixa, que não seja possível explicitá-la.

Diários de motocicleta. INGLATERRA/FRANÇA, 2003. Direção de Walter Salles Júnior. Com Gael Garcia Bernal e Rodrigo de la Serna.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo