CINEMA


AMARELO, DA COR DA MANGA

O que se busca na vida: a felicidade ou a vingança? Um e outro a depender do que se tem a ganhar ou a perder. É assim em Amarelo Manga, um filme nacional da safra dessa boa fase do cinema brasileiro. Mas o que se busca mesmo no filme de Cláudio de Assis é o amor, como resultado das paixões. Das mais ternas as mais tórridas. E paixão, como terreno pantanoso que se pisa, tanto pode levar a vingança quanto à felicidade, ou à vingança quando não se consegue a felicidade. Os personagens deste filme enigmático a partir do título, vivem as suas vidas periféricas de uma sociedade pulsantemente marginalizada. Os personagens são marginais, vivem à margem, consonante com o próprio campo social que habitam.

A densidade do filme está justamente na exploração dos personagens, o que termina por compor todo um quadro pintado com cores berrantes, a partir do próprio amarelo, símbolo dessa tragédia social. É o amarelo, a cor do desespero, do escárnio, do putrefato, entre outros adjetivos purulentos. A aparição dos personagens vai tecendo a trama que envolve tragédias pessoais sem descambar para a coletivização. É a imagem de uma sociedade falida, multifacetada, em que cada um deve buscar a sua vingança, pois a felicidade essa não ficou para seres marginalizados.

Pois bem, Cláudio de Assis ao juntar todos os seus personagens, com caracterizações a feições de humanos desprezados pela sorte, vivendo em um submundo sócio-econômico e cultural, mas vivendo suas paixões de forma forte, nos dá um filme cheio de desespero e de desejos carnais. O amarelo é visto com desprezo, e a ele imputa-se qualidades tão ruins quanto a que estão sujeitos os personagens.

Vamos aos personagens:

- Wellington, o Kanibal. Um magarefe apaixonado pela esposa, mas que reluta em se afastar da sua amante. Eixo central do filme, é alvo das paixões mais atormentadas. Vive um triângulo amoroso com duas mulheres e sempre se escudando das investidas de um homossexual. É inofensivo para a esposa, mas chega a ensaiar agressividade para com a amante. Para ele Kika é crente, então é uma santa.

- Kika, a evangélica. A mulher de Wellington, que não se conforme com o marido ser chamado de Kanibal. Devota da Igreja Quadrangular, fiel a Jesus e ao marido, vive de casa para a Igreja, e vice-versa. Não admite xingamento dentro do lar, e não admite traição. Quem trai tem que ser castigado. Admite assassinato, violência, roubo, mas traição não. E descoberto que foi traída leva as últimas conseqüências a sua vingança, primeiro mostrando-se extremamente violenta, e posteriormente fazendo sexo com um desconhecido, um cafajeste. Para surpresa geral do espectador, descortina-se na cama não uma santa como queria o Kanibal, mas uma amante das mais pervertidas.

- Daise, a amante. Comerciante, dona de barraca de feira, não admite mais ser a outra. Quer deixar o Kanibal, pois não suporta mais ter um namorado fantasma, como o denominam amigos e familiares; para todos, segundo ela, namorado que não aparece é homem casado.

- O homossexual. Cozinheiro de um hotel decadente, o Texas Hotel, no centro da cidade de Recife, onde se desenvolve toda a trama, vive sonhando com o momento em que o Kanibal deixará a esposa, acabará com a amante e viverá em seus braços. Arquiteta o plano que levará Kika a descobrir que Wellington a trai com Daise, na esperança de que ele seja o beneficiado.
- A solitária. Uma dona de bar, o Bar Avenida, que vive sem calcinhas e não dorme com desaforos. Quando provocada levanta a saia e mostra a genitália com seus pêlos amarelos. É dela a fala lapidar que tece o desenrolar dos personagens: "Às vezes fico pensando a forma como as coisas acontecem. Primeiro vem o dia, tudo acontece naquele dia, e chega a noite que é a melhor parte. Mas logo depois chega o dia de novo e tudo acontece naquele dia, vai, vai, sem parar". A única coisa que não tem acontecido na vida dela é homem; não aparece um que a mereça.

- O cafajeste. Personagem soturno que desfila em um carro amarelo, e tem como prazer atirar em cadáveres. Não sem antes provar o gosto da pele, como procede em qualquer circunstância. É dele uma frase que dá a idéia da idiotização a que a sociedade chegou dominada pela comunicação massificada. Ao ver os hóspedes do hotel reunidos vendo TV desabafa: "o que mais se pode esperar da vida". Para ele, os dias são confusos, mas a cidade reina.

- O padre. Personagem respeitado no hotel desfila sabedoria e conselhos. Um padre sem igreja, uma vez que esta foi fechada. Para ele "ninguém é inocente, perdeu-se a esperança nos homens".

- Há ainda Seu Bianou, dono do Texas Hotel, com o seu bordão "eta vidinha mais ou menos"; Aurora, a gorda asmática, que vive refugiada no seu quarto, prisioneira das sessões de aerossol, que divide a aplicação entre a boca/nariz e a vagina; e os dois intelectuais que expiam suas culpas em altos papos filosóficos na mesa do Bar Avenida.

Amarelou, não vai ficar de graça, essa é a marca do filme. Como a manga, que é amarela por dentro.

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Amarelo manga. Brasil, 2003. Direção: Cláudio Assis. Com Matheus Nachtergaele, Jonas Bloch, Dirá Paes, Chico Dias e Leona Cavalli.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo