AÇÃO CULTURAL


DA LAGARTA À BORBOLETA

Nos anos 80, Teixeira Coelho usou em um de seus livros a metáfora que perdura até hoje – da lagarta à borboleta – para significar que a ação cultural pode propiciar essa metamorfose do usuário da informação, transformando-o em alguém mais seguro, mais apto, mais autônomo, por meio do conhecimento adquirido. Portanto, do limbo ao nirvana!

 

O autor, com muito tempo de atuação no corpo docente do curso de Biblioteconomia da

ECA/USP, sabia a quem estava se dirigindo, conhecia o seu perfil até então tecnicista, e vislumbrava um outro tipo de desempenho para aqueles que ajudava a formar. Apesar de não ser bibliotecário de profissão nem de formação, percebia que, ao considerar a biblioteca como um centro de informação e cultura, não seria possível que os bacharéis em Biblioteconomia ficassem restritos a classificar, catalogar e indexar; tão-somente isso. Um posicionamento simples, mas que exigia uma nova e difícil mentalidade, uma nova e inédita posição profissional.

 

Na minha leitura particular, entendo que se tratava de manter os fundamentos e as técnicas de que se serve a Biblioteconomia clássica, até apurando-a, conforme o caso as indicasse. Porém, a óptica reveladora estava apontando não mais para o “guardião do acervo” mas para aquele a quem se destinava o acervo – o usuário (anteriormente consulente e, enfaticamente, leitor), o qual se desprendia da obra para voltar-se agora à informação, isto é, aquilo que estava contido na obra, à espera de alguém que a mediasse, a encontrasse e a decifrasse, por algum motivo.

 

Ora, com o acervo hipoteticamente em ordem e o bibliotecário em estado de graça, seria de se supor que o possível e eventual usuário (do espaço físico e do acervo) fosse uma figura de somenos importância nesse contexto que aqui se coloca.

 

As ideias de Teixeira Coelho, expostas em seus textos daquela época, somadas às de Luís Milanesi, que se estenderam por mais de uma década em diante, insistem em que havia algumas outras abordagens sobre a atuação dos bibliotecários; era uma questão de mentalidade – claro! – e, mais do que isso, de um novo olhar e de um novo fazer, não só desse profissional ao qual nos reportamos, mas de sua própria equipe, à qual poderiam se juntar elementos especialistas externos, variáveis conforme a temática definida e o público-alvo dessa temática.

 

Vinte e tantos anos depois, aqui estamos nós batendo na mesma tecla. Com algumas exceções, o bacharel recém-formado cai num centro de informação e cultura, no qual geralmente é o único ou um dos únicos profissionais da informação no local, e ele vai repetir a mesma rotina, visto que o serviço está comumente em atraso, por fazer. Ei-lo, então, a classificar, a catalogar e a indexar, furiosamente. É necessário? Sim. Todavia, com calma e equilíbrio; é preciso ter claro que a prioridade é sempre a satisfação informacional do cliente, isto é, do usuário que busca, deseja e quer a informação necessária, útil e satisfatória.

 

Se as coisas não ocorrem paralela e simultaneamente, em termos profissionais, é óbvio que elas não podem se atropelar. Um acervo de “pernas para o ar” não permite que se organize qualquer atividade cultural de permeio, nem que se monte uma programação cultural nesse ínterim. Vale dizer que a Ação Cultural, como vem sendo conceituada nesta coluna desde o início, pressupõe um acervo bem organizado, diversificado, com condição básica para que se desenvolva esse tipo de atuação.

 

Entretanto, o avanço muito rápido das tecnologias em ambientes de informação e comunicação nos mostra as inúmeras oportunidades que vão surgindo na atualidade e das quais os centros de informação e cultura, incluídas as bibliotecas, podem se apropriar e delas fazer bom uso.

 

Se, de um lado, temos um extenso país desigual em situações, circunstâncias e ofertas de informação, por outro temos inúmeros flagrantes profissionais e amadores mostrados pela TV e pela Internet do poder de penetração e dos efeitos causados pelos acontecimentos recentíssimos no Oriente Médio, que podem nos inspirar na maneira de trabalhar, apesar de serem tristes e lamentáveis.

 

Precisaríamos, por exemplo, que a Escola do Futuro/USP, com seus projetos experimentais, retomasse então os pilares da Ação Cultural preconizados por Teixeira e Milanesi há algumas décadas atrás e, num mix com as TICs, contribuísse para modernizar as atividades possíveis da Ação Cultural, estendendo e ampliando os limites extrínsecos dos centros de que falamos.

 

Hoje, o conceito de acervo está bastante alterado. Em função disso, o conceito de Ação Cultural também não pode ser exatamente o que era nos anos 80, embora os fundamentos e a aplicação permaneçam iguais.

 

Contudo, em que pesem as desigualdade sócio-econômicas e culturais brasileiras e os tropeços de nossas políticas públicas para o setor, bem como atuações profissionais desiguais (por conta até de formação também desigual), não dá mais para ignorar essa metáfora de Teixeira Coelho, já antiga mas ainda atual e impositiva.


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MARIA HELENA T. C. BARROS

Livre-docente em Disseminação da Informação (UNESP); Doutora em Ciências da Comunicação (USP); Mestre em Biblioteconomia (PUCCAMP); Especialista em Ação Cultural (USP); Formada em Biblioteconomia e Cultura Geral (Fac. Filosofia Sedes Sapientiae); Autora de livros e artigos científicos publicados no Brasil e no Exterior