AÇÃO CULTURAL


SOB O SIGNO DA VIOLETA

A violeta que hoje em dia costumamos comprar em pequenos vasos, em tonalidades que vão do branco ao roxo intenso, para alegrar os ambientes internos da casa ou do escritório, foram tomando a preferência que era dada a uma outra violeta, a de jardim.

 

Em touceiras pequenas, com folhagem escura, escondem suas flores miúdas e incrivelmente perfumadas, embora de curta sobrevida quando retiradas da planta-mãe.

 

Seu aroma incomparável foi consumido com destaque, quando adotado pelas damas vaidosas sob o nome de “violeta de Parma”. Suave e doce, penetrante, marcante. Diferente da violeta africana, a de vasinho, de pouco ou nenhum perfume.

 

Escondida, simboliza a modéstia; pequenina, é a representação da humildade; sua corola de poucas pétalas denota a simplicidade. No entanto, o perfume que exala, inconfundível e penetrante, a torna única.

 

Recentemente, sob o signo da violeta, pudemos conhecer com uma certa proximidade a dupla obra desenvolvida pelos seguidores de São Marcelino Champagnat. Esse santo católico francês teve seus preceitos e conceitos difundidos pelo mundo todo, e no Brasil, por muitos estados e em várias regiões. Duas linhas caracterizam o trabalho dos maristas de Champagnat: a educação e a solidariedade.

 

Não vamos nos aprofundar aqui a falar dessas duas linhas, ora paralelas, ora convergentes. O que queremos abordar é a presença maciça da biblioteca, em cada unidade, nas duas vertentes. São todas bem instaladas, contando com bibliotecários atualizados por meio de encontros periódicos, nos quais renovam seu conhecimento biblioteconômico e, acima de tudo, recebem incentivo para o delineamento de projetos culturais; muitos interessantes, aliás, porque, além de ampliarem os horizontes de informação e cultura de cada indivíduo e da comunidade, envolvem embriões de futuras capacidades profissionais, ligados aos interesses despertados durante esse processo. Tais encontros têm, ainda, a característica de promover a troca de experiências e observações sobre essa trajetória rara e particular do grupo.

 

Num desses encontros, de que participamos como palestrante convidada, em Curitiba, conhecemos 35 bibliotecários e educadores das regiões sul e sudeste, com os quais convivemos durante um dia da atualização aludida acima.

 

A exposição dos projetos realizados por eles causou-nos perplexidade por ser a primeira vez que ouvimos, numa só oportunidade, o depoimento de tantos bibliotecários reunidos, sobre os projetos que desenvolvem seguidamente e dos resultados positivos obtidos por meio de ação cultural; portanto, de uma intervenção sócio-cultural bem sucedida.

 

Como programa da ordem dos maristas, está tudo bem exposto numa publicação própria, titulada Bibliotecas: centros de informação e cultura, de 2011, distribuída apenas internamente. Fomos convidada a prefaciar a obra e, dessa maneira, pudemos ter acesso antecipado ao seu conteúdo, parte dedicado a brevíssimo histórico do livro, da leitura e da biblioteca, parte à implantação da linha das unidades assistenciais, ressaltando o papel da biblioteca para as comunidades da periferia, carentes de tudo, em especial de informação e de acesso ao circuito cultural mais amplo.

 

Esse trabalho tem sua base teórica em Paulo Freire, Victor Flusser, Luís Milanesi e Teixeira Coelho, na construção de um exemplo/modelo praticamente holístico, incorporando a invenção, a formulação e a criação de conhecimento, a partir do conceito de liberdade do homem (entenda-se autonomia), na perspectiva da transformação, do ir além.

 

Para descobrir seus fins e seus meios, o sujeito, no âmbito da biblioteca, deve contar com a mediação do bibliotecário que, apoiando-o e orientando-o, proporcionará a ele a possibilidade múltipla e particular de encontrar e usufruir da informação e da leitura para finalidades diversas, com diferentes recursos, em momentos variados.

 

Essa mediação não se restringe à capacitação informacional; mas, sem as amarras da censura, procura filtrar a informação, a partir de um volume crescente e quase incomensurável para o sujeito, dentro ou fora da biblioteca, considerando essa quantidade, mas sem, contudo, perder de vista a qualidade.

 

Com essa perspectiva, os bibliotecários maristas realizaram muitos projetos, dos quais o  referido livro destaca apenas alguns: Através da Arte, Clube de Leitura, Samba na Biblioteca, Literatura em Ação, RPG-Leitura e Escrita na Biblioteca, Lendas Urbanas, Projeto Sarau. Apenas os títulos já permitem entrever a variedade dos temas, que reproduzem as necessidades e demandas denotadas pelas comunidades que a Rede de Solidariedade atende.

 

Em matéria anterior desta coluna de Infohome, falávamos da importância da diversidade temática da Ação Cultural e do fundamental embasamento teórico, para que os esforços dos coordenadores não caiam no vácuo. Nesse aspecto, a ação cultural desenvolvida pelos maristas pode ser considerada bem plantada, uma vez que conta com a predisposição e a postura de seu corpo educacional, configurando uma política interna voltada para a educação e para a solidariedade, com pesos iguais; cuja coordenação leva em conta a importância da informação em ambas as vertentes; que entende que a  biblioteca, como centro do processo de informar e de fomentar a cultura, necessita de uma boa organização e de gestão eficiente para obter efeito; indo mais além, enxerga a validade de conhecer seu público para ele/com ele criar e realizar intensivamente projetos de intervenção socio-cultural bem estruturados e bem fundamentados, que fazem a diferença entre aqueles que são os beneficiários.

 

Discordamos apenas do enfoque da violetinha, neste caso específico, quer seja por simplicidade, humildade e modéstia embutidas em sua filosofia e na atitude profissional, no sentido da não divulgação do trabalho extraordinário que fazem. Ao contrário, tudo isso deveria ser mostrado e posto em discussão pelos maristas, para que motivassem outros a fazerem o mesmo e esse exemplo se propagasse. É por isso que trago hoje esse assunto para a coluna de Infohome, em que pese o signo da violeta, com todo o respeito.


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MARIA HELENA T. C. BARROS

Livre-docente em Disseminação da Informação (UNESP); Doutora em Ciências da Comunicação (USP); Mestre em Biblioteconomia (PUCCAMP); Especialista em Ação Cultural (USP); Formada em Biblioteconomia e Cultura Geral (Fac. Filosofia Sedes Sapientiae); Autora de livros e artigos científicos publicados no Brasil e no Exterior