ALÉM DAS BIBLIOTECAS


HISTÓRIAS DE BIBLIOTECAS: BRASIL, ALASKA E ASSIM SUCESSIVAMENTE

A partir de texto publicado por Gilda M. Whitaker Verri, “Valor de uma biblioteca”, no tradicional Jornal do Commercio (Recife), 24 de maio de 2013, sobre as bibliotecas de Pernambuco, percebo quão semelhante é a história das bibliotecas Brasil afora. Substitui-se a palavra – Pernambuco – por Piauí e está contada, sucintamente, a história das bibliotecas desse Estado. “Só a partir do século 20, a criação de universidades [...] [e] o aparecimento de editoras e livrarias aumentaram a produção editorial. O número de bibliotecas aumentou. A capacitação de pessoal especializado se fez necessário para organizar acervos. Surgiram os cursos de Biblioteconomia em nível superior, as bibliotecas patrimoniais e as de bairros [...]” A autora-docente da Universidade Federal de Pernambuco continua seu texto no mesmo tom de uma verdade irreversível e dolorosa... 

 

Rememoro, então, minha chegada ao Piauí, em especial, a Teresina. Na condição de primeira bibliotecária do Estado, vou coordenar a Biblioteca Pública do Estado do Piauí (BP), atual Biblioteca Pública Estadual Desembargador Cromwell de Carvalho, exatamente entre o período de 24 de agosto de 1971 e 10 de setembro de 1972. É quando faço concurso público para a Universidade Federal do Piauí e deixo meu primeiro trabalho. Mas, retorno adiante. De 1975 a 1979, vivencio a experiência como consultora junto aos Serviços de Bibliotecas da Fundação Cultural do Piauí.

 

Por tudo isso, posso afirmar, sem pestanejar, que na BP, exercitei mais do que nunca minha capacidade de sonhar e de acalentar esperanças. Muito jovem e cheia de devaneios, trabalhei arduamente no sentido de conscientizar os governantes da relevância da instituição biblioteca como centro nevrálgico de qualquer população. Nunca encontrei nenhuma autoridade que ousasse negar. Em compensação, na “Hora H”, ou seja, chegado o instante para execução das operações planejadas, constato, irreversivelmente, corte de verbas ou enfrento a eterna desculpa de que faltam recursos públicos... Sempre foi assim. Parece que vai ser sempre assim, com o agravante de que, mais do que antes, confundem-se salas de leitura com bibliotecas. Nomeiam-se bibliotecas quaisquer estanterias. Nomeiam-se bibliotecas quaisquer coleções doadas a uma escola. Brinca-se de instituir bibliotecas. Brinca-se de formar bibliotecários, a quem falta apoio e reconhecimento de sua função como agente social.

 

Esclareço que não falo de biblioteca como um amontoado de publicações impressas ou do acesso facilitado a publicações eletrônicas. Falo de biblioteca como organismo vivo – onde mesmo com coleções incompletas, há uma infinidade de serviços para o leitor. A depender do público-alvo, os serviços se transformam, se acomodam, se ajustam às demandas informacionais dos cidadãos. Há uma infinidade de atividades, isto é, há muitas opções para pensar a biblioteca como espaço dinâmico.

 

Como lembra uma grande amiga – amiga é sempre grande por mais baixinha que seja – os Dom Quixotes perdidos pelo mundo persistem. Ela, Joana Coeli, está entre eles. Há anos, luta incansavelmente pela melhoria da biblioteca de sua instituição. Com isso, estende a realidade à Paraíba. Conta-me do ocorrido em Conde, pequeno município da Região Metropolitana de João Pessoa: num belo dia, ao chegar à Biblioteca Municipal, a companheira bibliotecária descobre que a biblioteca sumiu. Os livros estão amontoados numa sala. Explicação “lógica” e curta: a Prefeita necessitou do espaço para a guarda municipal.

 

Assim, nesse momento de extrema nostalgia (palavra antiga, mas sem gosto amargo) lanço mão de Gilda Verri para subsidiar esta reflexão: “[...] por que as bibliotecas são [continuam sendo] maltratadas pelo Poder Executivo? [...] Mesmo com alta frequência de usuários, por que são [continuam sendo] postas no final das prioridades? Com acervos deteriorados, desatualizados?” É realmente uma lástima comprovar o distanciamento que há entre o discurso sobre o avanço das bibliotecas no Brasil. Salvo honrosas exceções, vivem um dia a dia de escárnio, de inércia e de paralisação. Lugar de estudo “forçado”, de “leitura punitiva” e de muito pouco prazer. Faltam alegria, vida e dinamismo. Sobram placas de silêncio e proibição.

 

É quando, diante do meu primeiro texto original, a amiga me envia, com sua agilidade quixotesca, a história de vida, morte e ressurreição de uma biblioteca construída em Fairbanks (Alaska), ano 1906. Os anos transcorrem. A biblioteca se desmorona pouco a pouco. Mas nem tudo está perdido. Bibliotecários decidem agir. Estabelecem comitês de divulgação de projetos de curta e longa duração direcionados à sociedade. Vale tudo! Por meio do rádio, divulgam resenhas de livros recém-lançados. Na mídia, veiculam fotos da biblioteca em ruína e as medidas em andamento. Escrevem colunas sobre livros no Jessen’s Daily. Enviam, em sistema rotativo, cartas aos legisladores sobre o orçamento da biblioteca. Lideranças comunitárias convidam legisladores para um banquete anual a fim de que conheçam in loco as potencialidades e os problemas da Biblioteca. Produzem videoclipes e filmes de curta metragem, onde assinalam os serviços oferecidos ao longo das estações do ano. No aeroporto local, exibem best-sellers. Divulgam listagem de livros de autores do Alaska. A cada chamada telefônica, um convite de cinco segundos para visitar a Instituição. Conseguem adesão de membros da Municipalidade nas diferentes comissões. Os cidadãos, independentemente de seus traços pessoais, coletam recursos. O Clube dos Amigos da Biblioteca participa com contribuições anuais. Livros novos são anunciados nos jornais, a cada semana. Convidam o público para discussões em encontros variados na Biblioteca. Finalmente, a notícia extraordinária: a Biblioteca de Fairbanks (Alaska), ano 1906, está reconstruída. Respira e vive... Belo exemplo para os profissionais brasileiros, que também lutam silenciosamente a cada dia, a cada hora...


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”