ALÉM DAS BIBLIOTECAS


O ENIGMA DOS BLACK BLOCS

As manifestações populares que se estendem nas principais cidades brasileiras desde junho de 2013 se respaldam numa pauta numerosa e recheada de itens justos. Dentre eles: melhor saúde e educação pública; transportes minimamente dignos para o trabalhador no dia a dia; combate à corrupção desenfreada que assola o país; segurança pública contra a violência urbana em todos os recantos; crítica feroz aos valores astronômicos destinados aos eventos esportivos megalomaníacos; etc. etc. No entanto, aos protestos legítimos, une-se, pouco a pouco, uma violência descomunal. Não é unilateral. À preparação precária dos policiais soma-se a infiltração de baderneiros que depredam o patrimônio público e particular, queimam ônibus, e, agora, matam pessoas.

 

De repente, sem que se saiba exatamente o significado, os mascarados passam a se intitular de black blocs. Entre eles estão agitadores profissionais, idealistas de qualquer faixa etária e jovens recrutados por políticos aéticos e desprezíveis que parecem catar votos em qualquer lixão. Agora, escondem-se por trás de uma imagem de inocência – não sei, não vi, não conheço... O fato é que há tempo, os black ou a denominação que se queira usar, aterrorizam populares no caminho ao trabalho ou a casa. Qualquer indício de movimento nas ruas, seja lá por qual motivo, lá estão eles, sobretudo no eixo Rio-São Paulo. Ao contrário do que recomenda o bom senso, a corporação policial imprime às eventuais prisões dos arruaceiros o ritmo vapt-vupt: presos e soltos rapidinho.

 

É possível que agora, quando se tem um mártir, o cinegrafista Santiago Andrade, TV Bandeirantes, assassinado durante a missão de gravar as cenas que invadem o centro do Rio de Janeiro na nefasta tarde de quinta-feira, dia 6 de fevereiro, quando populares e bagunceiros protestam contra o valor da passagem dos transportes públicos, governantes e policiais adotem novas táticas. Santiago, 49 anos, morre depois de quatro dias em coma, vítima da explosão de um rojão. As autoridades agem com rapidez. Quase de imediato, um dos rapazes identificados por meio das gravações das vias públicas apresenta-se à polícia, Fábio Raposo, 22 anos. Pouco tempo depois, o segundo algoz, Caio Silva de Souza, é localizado já na Bahia. Aqui vai um adendo: não há qualquer mérito na ação veloz da polícia. Há uma evidência nada honrosa: mostra que quando o caso interessa à polícia, ela consegue desvendá-lo, até porque, logo depois da tragédia, houve a divulgação errônea de que o cinegrafista fora mais uma vítima da violência policial. A repercussão na mídia ajuda. Ajuda tanto que uma revista informativa da circulação de Veja tem a insensatez de expor na capa de sua última edição a imagem de “Sininho”. Quem é “Sininho”? Elisa Quadros, 28 anos, agitadora de “carteirinha”. Esta é sua profissão. Esta é o mérito alcançado em cenário nacional.

 

Os dois rapazes, ambos jovens e pobres, são “socorridos” pela galera, de imediato. À frente, está “Sininho”. Ao que parece, além de líder dos black blocs, a jovem ama os holofotes que a transportam para a “fama”. Apesar de um único advogado acompanhar os dois – não se sabe quem o financia – há troca de acusações. Não se sabe quem acendeu o rojão. Não se sabe quem o direcionou. Tudo indica que Fábio carregou o artefato e Caio o posicionou a poucos metros da vítima.

 

O que importa é que os dois, agora, na condição de assassinos, descobrem os rostos. Retiram máscaras, panos e quaisquer outros invólucros com os quais davam vazão a seu instinto demolidor. Porém, paradoxalmente, por sua aparência frágil, pelo temor grudado no rosto, pela voz balbuciada, mesmo diante do lamento da morte de um profissional completamente inocente, é possível dizer que são eles, também, duas vítimas de um sistema econômico que abriga tantas desigualdades sociais. Nada justifica, é verdade. Mas nada acontece por acaso. 

 

Pode ser que, agora, haja o rigor devido rumo não só aos manifestantes, mas, sobretudo, em direção a quem os financia. É preciso garantia da ordem pública pelo Estado. É preciso cobertura dos fatos pela mídia para que nós, na condição de sociedade, estejamos atentos para nossa responsabilidade. Na verdade, são três famílias destruídas. Se os dois agiram com a inconsequência que pauta a juventude ou com a irresponsabilidade que marca os desocupados, não há dúvidas. O sistema penitenciário não os ajudará em nada. Sairão da prisão dois bandidos, dois perdidos na vida. E aí está o único engano da viúva de Santiago Andrade. Em meio à dor infinda da perda vivida, declara a uma emissora de TV que, com certeza, os pais dos jovens não souberam lhes educar. Ledo engano. Pais não são necessariamente responsáveis pela insensatez dos filhos. Afinal, a impressão que paira no ar é a de que o cinegrafista é mais um mártir da leviandade de Estado e suas instituições, e, também, da própria sociedade.


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”