MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO


  • Reflexões sobre a Mediação da Informação, englobando aspectos teóricos e práticos.

A ACADEMIA NA PENUMBRA

Hoje, quase sempre, nos eventos da área, os palestrantes e apresentadores de trabalhos, usam e empregam o Power-Point como ferramenta para sua apresentação. As salas em que ocorrem os eventos, assim, são escuras. Não se vê o palestrante. Não se vê os outros participantes. Estou chamando isso de "eventos no escuro". É a academia no escuro, a academia de olhos fechados; a academia que nada vê; a academia que se esconde nas penumbras do irreal.

 

Nesse tipo de evento, a fala do palestrante está fora dele, quase sempre presente apenas nos slides que, antecipadamente, elaborou. Hoje o Power-Point é a "extensão do cérebro do palestrante". Pior: é a "extensão do cérebro do professor". Quase não mais precisamos do professor, precisamos do Power-Point. Precisamos da escuridão do Power-Point. Apenas e tão somente isso. O professor está no escuro; os palestrantes estão no escuro. Do mesmo modo, participantes e alunos estão no escuro, vivem nas penumbras da área e da academia. Mais: vivem no escuro, na penumbra da realidade.

 

As salas não têm mais outras ferramentas ou instrumentos que não o projetor multimídia. Ou seja, todos são levados a usar o Power-Point. É quase uma imposição. Quem não utiliza está desconectado com os avanços tecnológicos.

 

O mesmo ocorre, a quase imposição, por exemplo, com o valor dado a publicações com um único autor e publicações com dois ou mais autores: livros, nas avaliações de produção acadêmica, recebem 2 pontos e cada artigo de periódico ou capítulo de livro, 1 ponto. Dessa forma, dois artigos ou capítulos, com, aproximadamente, 20 páginas cada um (com um total de 40 páginas) têm o mesmo valor que um livro de 200 ou 300 páginas. O custo-benefício (coisa horrível para ser usada na academia) nos direciona para publicar pequenos textos, pois têm uma melhor pontuação. Esse, no entanto, é um assunto para um outro momento.

 

Cada vez mais, o tamanho das letras dos slides são menores, por necessidade de incluir uma quantidade de textos maior, substituindo a fala do palestrante e do professor. O texto fica difícil de ser lido e, logicamente, difícil de ser entendido.

 

Os professores e palestrantes passam a ser meros repetidores, "papagaios acadêmicos". Não têm mais o que dizer, apenas repetir. Essa é a tendência atual da academia?

 

Faltou eletricidade? Mesmo durante o dia, com iluminação natural, a aula acabou, a palestra não pode continuar. O laser point vira um mero penduricalho nas mãos do professor, do palestrante, do apresentador de trabalho. Não tem mais serventia, fica sem função.

 

O professor ou o palestrante não pode enveredar por outras searas que não as previamente planejadas e estruturadas na sequência de slides. Pouco importa os interesses que surgem – intempestivamente, na opinião dos que estão se fazendo ouvir – entre os presentes. Alguns na plateia dormem, bocejam, conversam, olham celulares etc., visivelmente descontentes com o que ocorre à sua frente, mas, mesmo assim, a estrutura powerpointiana não permite desvios, mudanças de trajetórias e rumos do que foi previamente estabelecido.

 

Assim, a academia, a ciência meramente se reproduz, se repete, patina sobre conceitos entendidos como solidificados, sedimentados e, dessa maneira, não passíveis de serem questionados. Fala-se o mesmo, defende-se o mesmo. As novidades são pouco aceitas e quase sempre descartadas sem discussão.

 

A academia está se desligando do real. Parece que vive isolada, sozinha, criando suas próprias necessidades e as satisfazendo, sem a presença do sujeito, sem a presença da realidade. Para que a realidade, por que a realidade?

 

Já passamos por épocas em que a academia, a ciência, as teorias, viviam na penumbra. Foram momentos que pouco contribuíram para o conhecimento humano. Será que não estamos passando por algo parecido, semelhante em algumas ciências? Acho que, em relação à Ciência da informação, estamos vivendo um momento em que pouca preocupação se dá tanto ao usuário como ao "povo", e como aos profissionais que estão atuando no mercado.

 

Muitos trabalhos que se entendem ou que estão voltados para os profissionais que atuam na área, são, quase sempre, textos que buscam mais o treinamento do que a educação ou a discussão de algum aspecto do fazer do profissional daquela área.

 

Quantos trabalhos conhecemos que se preocupam com serviços para a população ou que discutam o tipo de informação para eles? Alguém conhece textos sobre Documentação Popular, tema de discussão e interesse nos anos 1960-1980? Qual o motivo disso?

 

Durante os anos 1990, com o crescimento dos conceitos neoliberais e suas consequências, os interesses sobre aspectos sociais decresceram e foram praticamente relegados a um plano secundário. Os movimentos organizados da população perderam seu protagonismo e foram subjugados por outros interesses. Movimento dos estudantes, contra a carestia, movimentos de gênero, raças etc., quase que desapareceram. Sobram poucos e quase sempre estigmatizados, como o MST - Movimentos dos Sem Terra ou o Movimento dos Sem Teto. Mantém uma resistência que se embate contra todos e contra tudo.

 

A academia vive seu momento powerpointiano; a pesquisa, o momento googletiano. Ambas, academia e pesquisa, estruturam-se em um único ponto, em um único recurso.

 

O que vem agora? Talvez um PowerPoint com mais recursos, mais cores, mais movimento. Terá um outro nome ou uma nova versão (algum número .0 – versão Beta). Facilitará a apresentação dos mesmos e repetidos conteúdos; da reprodução do que se considera imutável, consolidado, estruturado e, portanto, não passível de ser contestado ou questionado.

 

Enfim, um pouco mais de escuridão na academia que vive na penumbra.


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OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.