OBRAS RARAS


O HIPERTEXTO NO FINAL DO SÉCULO XIX

Deu no Infohome no mês passado: internet terá cheiros em menos de dez anos. Será isso uma novidade?

 

Acreditem ou não, mas um belga, por volta de 1895, começou a desenvolver idéias que o levariam a ter uma visão antecipada de sistemas multimídias que incluiriam cheiros, toque e som e a desenvolver um sistema de hipertexto (embora a tecnologia de seu tempo não permitisse muito do que idealizou).

 

No final do segundo milênio, um nome da área da Documentação do século XIX renasce para ganhar notoriedade como pioneiro pelas atividades que ocorreram no campo da Ciência da Informação (e outras atividades que ainda não ocorreram). Foi necessário quase um século para que Paul Otlet ressurgisse pelas mãos de seu biógrafo Boyd Rayward e começasse a ocupar um papel de destaque na história da organização, recuperação, disseminação da informação.

 

O advogado belga vislumbrou, juntamente com Henri La Fontaine (também belga e advogado, e Prêmio Nobel da Paz), nos últimos anos de 1800, o registro de todo conhecimento humano em fichas de 12,5 x 7,5 cm (invenção sua) em uma grande biblioteca universal que chegou a conter 15 milhões de fichas por volta de 1930, além de falar em rede universal de informação e documentação, cujo acesso se daria a partir de estações de trabalho, e no que hoje sabemos ser a internet. Os advogados fundaram o International Institute of Bibliography (IIB) em 1895, mais tarde denominado International Federation for Information and Documentation (FID), o que permitiu que suas idéias pudessem ser colocadas em prática.

 

Em 1930, Paul Otlet profetizou que as pessoas leriam em telas (“telescópios elétricos”) livros localizados em bibliotecas distantes. E previu que máquinas seriam um dia utilizadas para “recuperar dados reduzidos aos seus elementos analíticos”`.

 

Nas palavras de Rayward, em 1991:

 

“… Nos primeiros anos da década de 1930 ele começou a investigar como um grande número de tecnologias então experimentais, como o rádio, o cinema, o microfilme e a televisão, poderiam ser combinados de forma a alcançar uma funcionalidade mais variada na busca, análise, reestruturação e uso da informação. [Otlet] acreditava que esse conjunto de funções poderia ser incorporado em novos tipos de máquinas de informação que seriam similares ao que hoje se conhece como estações de trabalho inteligentes … .”

 

Muito do conceito de hipertexto se deve à Otlet, recentemente recuperando prestígio nos meios acadêmicos. Em seus trabalhos, ele descreveu o que chamou de “documento universal”, ou seja, um documento era matéria-prima de conhecimento e as informações nele contidas deveriam ser disponibilizadas; além disso, os documentos precisavam ter conexões uns com os outros. O conteúdo desse documento universal seria, então, indexado em fichas segundo a CDU (Classificação Decimal Universal, desenvolvida por Otlet e outros). Cada ficha teria apenas um ponto central/nó que estaria relacionado a outro nó através da classificação facetada da CDU. Dessa forma, as fichas poderiam ser organizadas e acessadas em qualquer seqüência. O usuário, assim, “navegaria” nesse universo de conhecimento sem estar limitado a somente um documento.

 

O termo “hipertexto” foi cunhado na década de 1960 por Ted Nelson para descrever o que ele chamava de “escrita não seqüencial”, basedo nos escritos de Vannevar Bush (1945), criador do Memex (um sistema de recuperação da informação automatizado que não chegou a ser utilizado), e considerado o pai da primeira descrição do que é hoje conhecido como hipertexto.

 

Alguns autores consideram que os conceitos de Paul Otlet deveriam ser revistos e investigados para o melhoramento do sistema de hipertexto que conhecemos hoje, principalmente com relação aos princípios de indexação (quem consulta a web bem sabe o quanto se obtem de informação sem relevância).

 

Otlet é ainda um nome esquecido, raro na literatura dos primórdios do hipertexto e talvez da Ciência da Informação em alguns países.

 

Até a próxima!

 

 

A bibliografia sobre Paul Otlet na internet é vasta. Para o presente texto, nos baseamos em:

 

Buckland, Michael K. Emanuel Goldberg, Electronic Document Retrival, And Vannevar Bush’s Memex. In: Journal of the American Society for Information Science, v. 43, n. 4, 1992, p. 284-294. Disponível em: <http://www.ischool.berkeley.edu/~buckland/goldbush.html>. Acesso em: 5 maio 2007.

 

Rayward, W. Boyd. The case of Paul Otlet, pioneer of Information Science, internationalist, visionary: reflections on biography. In: Journal of the American Society for Information Science, v. 23, 1991, p. 135-145. Disponível em:

http://people.lis.uiuc.edu/~wrayward/otlet/PAUL_OTLET_REFLECTIONS_ON_BIOG.HTM. Acesso em: 5 maio 2007.

 

Rayward, W. Boyd. Visions of Xanadu. In: Journal of the American Society for Information Science, v. 45, 1994, p. 235-250. Disponível em: <http://people.lis.uiuc.edu/~wrayward/otlet/xanadu.htm>. Acesso em: 5 maio 2007.

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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.