ARTIGOS E TEXTOS


MOVIMENTO ASSOCIATIVO: UISQUE COM GUARANÁ

1 INTRODUÇÃO

Um pequeno histórico da APB se faz necessário, a título de exemplo, para falarmos de movimento associativo.

A Associação Paulista de Bibliotecários foi fundada em 30 de setembro de 1938. Completará, portanto, 50 anos em 1988. Poucas são as instituições ou entidades que conseguem sobreviver por tanto tempo.

A fundação da APB representa muito mais do que a simples criação de uma entidade: ela representa o início do movimento associativo da classe bibliotecária no Brasil. A partir desse ponto, podemos dizer que a biblioteconomia nacional toma um novo direcionamento, impulsionada por um grupo de profissionais bibliotecários (sem curso superior específico, obviamente) encabeçados por Rubens Borba de Moraes, falecido há pouco mais de um ano.

Rubens Borba de Moraes foi chamado por Mário de Andrade, então diretor (o primeiro) do Departamento de Cultura da Prefeitura do Município de São Paulo, para dirigir a área de bibliotecas. É fácil observar que já não se fazem Secretários de Cultura como antigamente.

Uma de suas primeiras preocupações foi a de formar mão de obra especializada, já que estava convencido de que sem profissionais especializados, seria impossível desenvolver um bom trabalho. Para isso, ele cria a 1a escola de Biblioteconomia de São Paulo, junto à Biblioteca Municipal. Depois de passar por vários problemas e locais, essa escola terminou por se alojar na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e hoje se denomina Faculdade de Biblioteconomia e Documentação da FESP.

Provavelmente motivado por suas observações da situação biblioteconômica em vários países que visitara e aliado aos seus conhecimentos da produção editorial, já que foi, reconhecidamente, um grande bibliófilo, Rubens Borba opta por orientar os trabalhos da área de biblioteconomia pela visão e conceitos norte-americanos. Esse direcionamento redundou não só na escolha de pessoas para os cargos de supervisão, como também na determinação das matérias que comporiam o currículo do 1o curso de Biblioteconomia de São Paulo. A Associação possui, no acervo de sua biblioteca, a reprodução, em texto, das primeiras aulas ministradas nesse Curso.

Os Estados Unidos também serviram como estímulo para a criação da APB. O movimento dos bibliotecários naquele país sempre foi muito forte. Até hoje, o “lobby’ exercido pelos bibliotecários reflete diretamente nas condições de trabalho, no apoio às bibliotecas, na imagem do profissional, no salário pago, na importância reconhecida de instituições comandadas por bibliotecários etc.

A Associação Paulista de Bibliotecários foi fundada objetivando, principalmente, orientar, formar e atualizar os profissionais que atuavam em bibliotecas; em traduzir e editar publicações; em criar um vínculo entre os profissionais e as associações congêneres do resto do mundo; em manter um canal permanente de debates; em tornar aqueles “profissionais” mais conscientes de seu papel social, do que representava para a sociedade os serviços oferecidos pela biblioteca etc. Seu primeiro presidente, logicamente, foi Rubens Borba de Moraes.

O 2o presidente, Sergio Milliet, também foi Diretor da Biblioteca Municipal e, a exemplo de Rubens Borba, desenvolveu um trabalho tão significativo que, até hoje, é reconhecido e admirado. Como homenagem, a Biblioteca do Centro Cultural São Paulo leva seu nome.

Outros presidentes e diretores da Associação, que contribuíram durante esses 50 anos, durante esse meio século de existência, também foram homenageados, principalmente por seus trabalhos junto à população:

- Maria Luzia Monteiro da Cunha, Maria Antonieta Ferraz e Terezine Arantes Ferraz, possuem seus nomes designando Escolas na cidade de São Paulo;

- Lenyra Fracaroli será homenageada em 29 de maio de 1987, com o título de “Cidadã Paulistana”, outorgado pela Câmara Municipal de São Paulo, pelo trabalho que desenvolveu durante toda sua vida, sobressaindo-se a criação da primeira Biblioteca Infanto-Juvenil – até hoje copiada em todo o mundo – e a formação da Academia Brasileira de Literatura Infanto-Juvenil.

Os objetivos, propostos inicialmente, ainda norteiam os trabalhos da Associação, acrescidos de outros, gerados pelos problemas e situações da conjuntura atual.

2 A CRIAÇÃO DO SINDICATO

Até a criação do Sindicato dos Bibliotecários no Estado de São Paulo, toda a luta de caráter trabalhista era desenvolvida pela Associação. Até hoje, como forma de reforçar e fortalecer reivindicações ligadas a salários, mercado de trabalho, condições de trabalho etc., a APB se faz presente, acreditando que este tipo de atuação está inserido em seus objetivos. Entretanto, a incumbência ou melhor dizendo, a responsabilidade maior, nesses casos, passou, a partir de sua criação, para o âmbito do Sindicato.

Interessante lembrar aqui a verdadeira saga em que se constituiu a fundação do Sindicato.

Inicialmente, após consulta junto à classe sobre seu interesse, foram feitas gestões junto ao Ministério do Trabalho, especificamente à Delegacia Regional do Trabalho, para que pudéssemos conhecer e nos inteirar quanto às exigências burocráticas para a concretização do Sindicato. Concretização oficial, legal, já que, de fato, ele começava a surgir.

Criou-se, então, como primeiro passo, a Associação Profissional dos Bibliotecários do Estado de São Paulo - APBESP. Tal Associação representava, em termos legais, o pré-Sindicato.

Exigências outras foram feitas, como a necessidade de contar com a participação, como filiados, de 1/3 da classe; a representatividade de bibliotecários nas várias regiões administrativas do Estado; a quantidade imensa de papeis, protocolos, carimbos, encaminhamentos, cartas, ofícios, certidões negativas e uma gama infindável de outras exigências.

O Sindicato começou a se materializar em maio de 1978, quando alguns bibliotecários se reuniram e resolveram encampar e levar avante a ideia proposta. Convocada a classe para uma Assembleia, constatou-se realmente ser do interesse da grande maioria dos bibliotecários a criação de um Sindicato. Na época, eram passados 16 anos do reconhecimento oficial da profissão sem que houvesse uma única entidade em todo o Brasil, nos moldes exigidos pelo governo, que lutasse ou mesmo representasse a categoria quando se fizesse necessário.

Éramos, e ainda somos em grande parte, uma classe preocupada com a cultura, com o livro, com serviços (nem sempre adequados) para a comunidade. Esquecíamos, no entanto, do próprio profissional, aquele que atuava e necessitava de condições adequadas para desenvolver seu trabalho, além de uma remuneração que lhe propiciasse uma vida digna.

Essa primeira Assembleia redundou, após várias reuniões, na fundação da APBESP, em novembro de 1978.

A Carta Sindical apenas foi conseguida em agosto de 1985. Sete anos que despenderam esforços, lutas, brigas e, o pior, sete anos gastos na tentativa de conscientizar o próprio profissional bibliotecário, aquele que deveria possuir o maior interesse no Sindicato. Até hoje não foi possível trazer para o Sindicato a maioria dos profissionais que atuam no Estado.

3 O MOVIMENTO ASSOCIATIVO

O movimento associativo nacional é decepcionante, frustrante. Muito já foi escrito ou falado sobre a falta de necessidade e interesse, por parte do profissional bibliotecário, quanto às associações de classe. Comumente, extrapola-se o âmbito da atuação profissional na busca de razões e explicações. Obviamente, entre tantas opiniões, muitas respondem, quase que satisfatoriamente, à procura de causas que possam servir como ponto de apoio na tentativa de alteração do quadro diagnosticado e, com certeza, real.

Proponho retomarmos as discussões, partindo de outro ponto, já sugerido no parágrafo anterior, qual seja, a “atuação” do “profissional” bibliotecário.

Uma Associação profissional de bibliotecários tem como meta a luta por melhores salários; condições de trabalho mais dignas e adequadas à atuação dos profissionais que representa; ampliação do mercado de trabalho, criando, descobrindo ou difundindo novas áreas e segmentos ainda não explorados, bem como solidificando os já existentes; atualização dos profissionais, adequando-os às demandas e exigências do mercado que não pode prescindir de pessoal apto a manipular instrumentos diversificados, oriundos do avanço tecnológico e das mudanças sociais; veiculação de uma “nova imagem” – não tão real como gostaríamos, mas menos estereotipada que a atual – na tentativa de esclarecer a sociedade quanto à importância do trabalho do bibliotecário, propiciando uma melhor compreensão de nosso papel social.

Poderíamos arrolar um grande número de outros itens, embora de menor importância. No entanto, frequentemente é esquecido um outro lado da atuação do movimento associativo: aquele que visa os “produtos” do nosso trabalho. A informação é aceita como o cerne de nossas funções e sua manipulação, disseminação, recuperação etc., são, dessa forma, prioridades.

O objetivo, entretanto, está na alteração ou alterações advindas dessas informações. Em si, elas nada representam, a não ser um amontoado inconsequente de sinais e símbolos, apenas úteis quando decodificados, analisados e reconhecidos como de interesse. Possibilitar a alguém o acesso a essas informações, ou melhor, a determinadas informações, de tal forma que elas possam provocar alterações ou mudanças naquela pessoa – mesmo que indiretas ou superficiais – passa a ser, parece-nos, o objetivo prioritário de nosso trabalho.

É evidente que entre as funções de uma associação de classe bibliotecária, deve constar, necessariamente, propostas e ações voltadas para aqueles que têm acesso e, principalmente, para aqueles que não têm acesso às informações por nós prestadas. Reivindicar um maior número de bibliotecas; exigir melhores acervos, equipamentos, recursos humanos e estruturais passa então a ter lugar de destaque na atuação das associações.

Quando dizemos, então, que a participação do bibliotecário no movimento associativo é nula, quase inexistente, estamos também afirmando seu total descompromisso com o seu trabalho, com sua ação, com sua atuação. Como designar de profissional uma categoria cujos próprios elementos que a compõem relegam e menosprezam seus instrumentos de trabalho e, o que é pior, desconsideram o público a quem devem servir? Estaremos muito errados em tratar o bibliotecário como “amador”? Profissional é aquele que exerce uma profissão. Esta, por sua vez, deve ser reconhecida como útil pela sociedade. Nossas bibliotecas estão vazias; não conseguimos nos estruturar como categoria; nossa imagem é aquela que todos já estão cansados de saber; o “boom” do livro não passa de um “traque”; as verbas para as bibliotecas são cada vez menores; continuamos a ser ignorados nos debates sobre mercado editorial, cultura, comunicação, literatura, preservação, documento, educação e todas as áreas correlatas; nossa lei continua sendo infringida; nossos acervos continuam se transformando em papel higiênico; as propagandas continuam destruindo em 10 segundos as lutas e tentativas de anos e anos por melhorar nossa imagem; ainda procuramos sensibilizar os próprios bibliotecários para que modifiquem conceitos e atitudes em relação à sua própria classe etc., etc., etc.

Será que estamos seguindo o caminho certo, insistindo em pontos e propostas ultrapassadas? É necessária, urgente, uma revisão de nossos trabalhos e serviços. Da forma como são hoje oferecidos, eles não estão se adequando às necessidades da população. Dizemos que a biblioteconomia é interdisciplinar, mas não fazemos uso de quase nada do conhecimento de outras áreas. Não estamos acompanhando as alterações políticas, sociais, culturais de nosso tempo.

Precisamos de uma biblioteconomia revolucionária. Precisamos modificar nossa atuação para que ela seja, de fato, um instrumento transformador. Precisamos de uma biblioteca subversiva, de uma biblioteca guerrilheira.

(Palestra proferida em 27 de maio de 1987, em evento promovido pela Universidade Federal de Goiás)

(Publicado em ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Movimento associativo: uísque com guaraná. In: ________. Sociedade e Biblioteconomia. São Paulo: Polis : APB, 1997. p. 121-125.)

Autor: Oswaldo Francisco de Almeida Junior

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OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.