CAFÉ COM PÓS


BLOQUEIO

Solidão. Essa é a palavra que define a vida da muitos pós-graduandos. Solidão atormentada pelo vai e vem de ideias, frustrações, e a necessidade de constante superação.

A pesquisa vai percorrendo caminhos cada vez mais confusos e complexos, e tecer um fio de lógica frente a uma incrível manta de informações que nos cerca não é fácil. Muitos são os momentos em que nos perdemos na linha tênue entre o inovador e o insano, o novo e o mal direcionado (e coitados dos orientadores nessa hora). Fazer ciência num mundo globalizado nos expõe a um mar turbulento que muitas vezes nos joga do barco, nos põe contracorrente, e/ou nos faz questionar toda a base das pesquisas. Há que se manter firme para não nos perdermos em rota.

A frustração é parte do dia a dia: frustra-se com resultados incompletos ou inexistentes. Quem nunca recolheu dados e percebeu que não havia conseguido nada qualitativamente aceitável à pesquisa? Quem nunca trabalhou incontáveis horas em trabalhos para receber pareceres extremamente baseados no "eu não gosto disso", como se de repente você se teletranportasse para um corredor de colégio onde a popularidade fala mais alto que qualquer outra coisa? Quem nunca teve que mudar completamente sua pesquisa para adequá-la a um tema de um periódico ou evento que pontua mais?

A superação do cansaço: o tempo é nosso inimigo, e as construções de um trabalho de qualidade passam a basear-se em datas limite para submissões e prazos de defesa, passe o que passe não importa – os prazos estão aí para serem cumpridos, e o adiar, na maioria das vezes, não é uma opção. Assim que há que superar-se e as horas de trabalho vão se estendo proporcionalmente ao tempo que vai se esgotando.

Superação dos problemas físicos, porque as doenças que por ventura surjam nesse processo não podem fazê-lo perder a "linha". Não há remédio que cure o desespero de ter que trabalhar mesmo quando se sente um trapo, numa luta entre seu próprio corpo que quer descansar para retomar as energias, da sua mente que mal tem forças pra se concentrar ao tentar convencê-lo dessa necessidade, e todo o material que você precisa dar conta até o "final". 

Tudo isso vira vida cotidiana dos estudantes que decidem dedicar-se a pesquisa. Às vezes você fala com um amigo esperando ouvir que ele está bem e te dará esperança, e acaba numa competição de quem está na pior fase (se é que isso existe, já que cada dia você percebe que dá sim pra ficar pior).

Falar com pessoas de fora da academia é escutar que você não trabalha, sendo que até dormindo a gente continua trabalhando – quem lembra da última vez que dormiu sem acordar ao menos uma vez com alguma inquietação da pesquisa ou até mesmo percebendo que você estava escrevendo um capítulo durante o sonho? E a gente sempre pensa "que droga, deve ter sido algo bom e agora esqueci", mas na verdade teria que pensar "nossa, preciso me desligar um pouco da pesquisa".

E por nunca desligar, por sempre se cobrar, por sempre estar na corrida contra si mesmo e o próprio tempo culturalmente construído e que nos levou a uma linha de produção desenfreada e na maioria das vezes mais preocupada com o quantitativo do que o qualitativo dessa produção, acabamos nos perdendo no momento mais desesperador da pós: o famoso bloqueio. Bloqueio mental total. O nada em que nos afogamos quando perdemos o controle após uma maratona de esforço desenfreado.

Os bloqueios podem durar um dia, uma semana, um mês... quanto maior mais desespero, mais desesperança que nos vai consumindo.

Costumam ser o pico do estresse e depressão. É contra o que todos lutamos. Você lê, você pesquisa, você segue tudo o que te indicam ou prescrevem: nada. Não resolve. Passa o tempo. Nada.

Nos resta os refúgios - cada um tem o seu. Alguns se irritam, outros choram, descontam em alguém (as vezes em si mesmo), alguns (como eu) dormem – e não é um dormir qualquer, é como se a única coisa que seu corpo conseguisse fazer é se arrastar até um canto qualquer e dormir, um sono maldito, conturbado, de trabalho que não sai, de decepção pessoal total. Pode estar um dia lindo, os pássaros podem estar cantando e você pode estar em um lugar paradisíaco - só te cabe sono.

Seja qual seja seu refúgio, afogamo-nos na solidão da pesquisa ainda mais. E como sair dela? Como despertar novamente? Como superar o bloqueio que nos afunda no indescritível desespero de uma mente vazia?

Bom, eu, reles pós-graduanda, só posso fazer um apelo para que nos lembremos que há vida além da pesquisa e, por mais difícil que seja, temos que buscar nossos passinhos de bebe para voltar ao controle de nossa consciência. E que cada dia seja mais que uma busca, seja uma pequena grande vitória.

Que nos encontremos de novo em finais de semana agradáveis, em encontros com amigos, em transformação de dias improdutivos em dias de deleite para que consigamos recuperar energias. Que nos permitamos viver além da pesquisa. Que lutemos por ideais além de hipóteses. 

O mais fácil é nos perder na velha amiga procrastinação, que assume o controle num rápido piscar de olhos, e que nos traz a culpa de perder tempo. Bom, que então troquemos a procrastinação por vida social! Não está produzindo? Saia tomar um café, um sorvete, ou qualquer coisa do gênero. Combine de sair com algum amigo. Aceite o convite para aquela festa, para aquele encontro. Ou passe a ver que alguns momentos de solidão podem ser também momentos de deleite e liberdade se nos focamos em mudar nossa perspectiva. Enfim, passar um tempo proveitoso com amigos ou sozinho, fazendo algo em que sentimos prazer, nos ajuda a esquecer um pouco do bloqueio e de todas as pressões que vivemos e assim, vamos retomando as energias para voltar ao trabalho de forma intensa e qualitativa. 

Uma amiga sugeriu que nós temos que ter um "tempo comercial", como a maioria dos trabalhos, nos desligando quando esse tempo termina e aproveitar para descansar e desfrutar do tempo que nos resta. Parece absurdo falar em tirar tempo do trabalho quando inicialmente expus o quanto o tempo é nosso inimigo, mas é extremamente lógico quando pensamos que com isso deixaremos o tempo de trabalho mais produtivo, evitando os temíveis bloqueios. E o bom da pós é que podemos ter um tempo de deleite não delimitado por construções sociais (tudo bem você ter a segunda pra descansar se você produz bem no domingo).

Eu vejo que sempre que "esqueço" esse conselho da minha amiga me pego afogada, como que me perdendo. Assim, inicia novamente esse processo de buscar um equilíbrio, e quanto mais nos perdemos mais difícil é (re)encontrá-lo – voltamos aos passinhos de bebe. Mas enfim, que cada vitória tenha sua glória, e que cada um de nós consiga passar pela vida acadêmica não só deixando um bom trabalho, mas também boas experiências vividas (e sem perder a sanidade e a saúde).


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HELOÁ OLIVEIRA

Doutoranda em Ciência da Informação na Unesp - Marília, Mestra em Ciência da Informação pela Unesp - Marília e Graduada em Biblioteconomia pela Universidade Estadual de Londrina.