TEMPOS DE OUTRORA: LITERATURA DE AGORA
Quando era pequena achava engraçado ouvir os adultos falando: “como nos tempos de outrora”. Me soava gostoso e divertido, quase um trava-língua. Talvez pela família falante que tenho (metade vinda de Minas Gerais e metade da roça paulista) as palavras proferidas sempre exerceram sobre mim muito fascínio.
A palavra outrora é, segundo dicionário básico da língua portuguesa, formada de “outra” + “hora” e se refere à hora que já se foi. Simples assim... Era perceptível um tom saudosista na emissão da palavra, quase um suspiro, em geral de rememoração, da despreocupação e liberdade dos idos da infância...
Idos também é engraçado! Sobre a palavra ido, na Wikipédia, há a seguinte explicação: “Idos eram, no calendário romano, uma das três divisões dos meses. Os idos eram a 15 de Março, Maio, Julho e Outubro, a 13 nos restantes meses.”
Elucubração à parte, me volto para a literatura infantojuvenil que me fascina e é o tema dessa Coluna. Antes, como uma palavra puxa a outra, busquei a explicação de elucubração que é: “passar a noite sobre um texto”. Gostei disso também!!
Por terapia e para escrever meus textos, leio, e em muitos casos, releio obras infantis diariamente. Fazia tempo que não estudava teorias sobre obras destinadas às crianças e aos jovens. Na ânsia de aprender, este semestre, resolvi voltar aos “bancos escolares”, melhor dizendo: para as cadeiras da Universidade Estadual de Londrina. Solicitei à profª. Sonia Pascolati, do departamento de Letras Vernáculas e Clássicas para frequentar sua disciplina Literatura Infantojuvenil ministrada na graduação. Ela gentilmente aceitou. Sou muito grata por isso e estou me sentindo renovada no meio da moçada.
Como tarefa para casa, a profa. Sonia disponibilizou no classroom o livro de Olavo Bilac intitulado Poesias infantis cuja a data de publicação é 1904. Ainda não discutimos em sala de aula, mas o fato de revisitar essa obra me provocou diferentes reflexões, a principal é que envoltos na aura de modernidade, nós, mediadores, acabamos “esquecendo” de apresentar ao leitor essa obra.
Minha intenção não é analisar a produção de Olavo Bilac, quero sim evidenciar a preocupação ecológica que há no poema: O pássaro cativo.
Vale lembrar que à época a produção literária para as crianças brasileiras, em sua maioria, objetivava-se ditar comportamentos, por exemplo, a obediência aos adultos. Segundo o Dicionário crítico de literatura infantil e juvenil brasileira de Nelly Novaes Coelho o escritor Olavo Bilac é um poeta parnasiano que “[...] pretendia documentar a realidade brasileira e transmitir valores cívicos e morais que pudessem fazer das crianças os futuros cidadãos conscientes de seus deveres e direitos.” (COELHO, 2006, p.37)
Lendo o poema O pássaro cativo fica evidente o tom moralista para cobrar das crianças que aprisionam os pássaros em gaiolas, um bom comportamento. O autor dá ao pássaro o protagonismo de conduzir a narrativa e o bichinho “puxa as orelhas do infrator mirim” de maneira incisiva, apelativa e, na minha perspectiva, não cruel.
Para que você tire suas próprias conclusões trago um trecho (mantendo a escrita original) e reflita sobre a linha tênue de um texto reprimidor ou libertador que pode levar o leitor a submissão ou a emancipação.
O pássaro captivo
“[...]
É que, creança os passaros não falam.
Só gorjeando a sua dor exhalam,
Sem que os homens os possam entender,
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este captivo passaro dizer:
Não quero o teu alpiste!
Gosto mais do alimento que procuro
Na matta livre em que a voar me viste,
Tenho agoa fresca num recanto escuro
Da selva em que nasci;
Da matta entre os verdores,
Tenho frutos e flores,
Sem precisar de ti!
Não quero sua esplêndida gaiola”
Pois nenhuma riqueza me consola
De haver perdido aquillo que perdi...
Pretiro o ninho humilde, construído
De folhas secas, placido, e escondido
Entre os galhos das arvores amigas...
Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?
Quero saldar as pompas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas!
Porque me prendes? Solta-me covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade:
Quero voar! Voar!...
Estas cousas o passaro diria,
Se pudesse falar.
E a tua alma, creança, tremeria,
Vendo tanta afflição:
E a tua mão, tremendo, lhe abriria
a porta da prisão...
(BILAC, 1904, p.11-12)
Para finalizar gostaria de indagar: passados 119 anos da publicação desse poema o seu discurso é apropriado aos pequenos leitores hoje? Da minha parte creio que o mais importante num texto literário não é alcançar uma conclusão fechada, única, definitiva, pois isso não é adequado quando se trata de um texto ficcional.
Sugestões de leitura:
BILAC, Olavo. Poesias infantis. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1904.
COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil brasileira. 5.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006.