OBRAS RARAS


INSTITUTO RICARDO BRENNAND

Em fevereiro do ano passado o colega Fernando Modesto visitou várias bibliotecas no litoral brasileiro (vejam em sua coluna nesse mesmo site). Morri de inveja, e pensei em fazer o mesmo, ou parecido. Como não podia me dar ao luxo de uma longa viagem nas últimas férias, dediquei minha visita a apenas uma instituição em Recife.

Foi uma grata surpresa. Não por ter visitado uma biblioteca apenas - o que, por si só, já seria notícia -, mas por ter conhecido o Instituto Ricardo Brennand na capital pernambucana de que tanto gosto.

Como diz o panfleto do Instituto, o RB é um complexo formado pelo Castelo, Pinacoteca e Biblioteca, em estilo medieval gótico. De fato, é mais do que isso, pois o espaço é bonito e agradável, com lago, verde, animais, esculturas trazidas por seu fundador da Europa em todos os cantos internos e externos daquele pedaço de mata atlântica. A cada olhar descobre-se uma obra de arte e uma pessoa simpática para dar informação. Como se não bastasse, ainda se faz no local um trabalho educativo com crianças e jovens da comunidade, principalmente os carentes. O dia em que for criado o Café Brennand, vai ser difícil ir embora ao entardecer.

O Castelo abriga a coleção particular de armas que Dr. Ricardo começou a colecionar com 12 anos de idade. É um belo museu até para quem, como eu, não visitaria tal coleção, em princípio. O estagiário que me acompanhou (há vários) sabia tudo sobre o assunto. Um rapaz bem novinho e bem treinado. Bem treinado até para me dizer, com muito tato e educação, mas também muita segurança, que eu não poderia tirar fotos sem permissão por escrito (e ele não sabia que aquilo era um teste). Havia adagas, lanças, cavaleiro do século 16 com cavalo, armadura, etc., em tamanho original, canivetes e todo tipo de arma branca (não gosto desse nome, mas enfim: segundo o Decreto 3.665/2000, é arma cortante ou perfurante, constituída por peça em lâmina ou oblonga, ao contrário de arma de fogo). Entre uma arma e outra, vê-se uma escultura, tapete ou outro objeto relacionado ao assunto, pra não falar que o ambiente de um castelo medieval sempre traz surpresas pela própria construção.

A Pinacoteca tem uma história interessante, que vou tentar resumir. Tudo quase começou com Eckhout, pintor tido pelos especialistas como original em seus quadros sobre o Brasil, e que viveu no Brasil entre 1636 e 1644 (é famoso seu enorme quadro dos Índios Tapuia dançando. Com Frans Post, foi pioneiro em retratar natureza e povo brasileiros durante o governo de Maurício de Nassau). Enfim, quando a exposição de Eckhout foi ameaçada de não ir à Recife por falta de espaço adequado para recebê-la, Dr. Ricardo viajou à Dinamarca, ao Museu Nacional, onde os originais residem, e se comprometeu a construir, em um ano, um prédio que pudesse abrigar a exposição. Ninguém acreditou. Afinal, o espaço precisava ter padrão internacional, tecnologia de ponta no que diz respeito a temperatura e umidade relativa controladas, e cumprir todos os trâmites necessários a fim de receber a volta de Eckhout ao Brasil após quase 400 anos. Em um ano e três meses a Pinacoteca, cuja construção possuía somente a estrutura antes da viagem, estava pronta para ser inaugurada, e inaugurar no Brasil a mostra de Eckhout em 2002, que depois seguiu para Brasília e São Paulo. Vale também dizer que o Instituto possui a maior coleção particular de pinturas de Frans Post do Brasil, e uma das melhores do mundo, incluindo um dos sete quadros sobreviventes (dos 18 originais) que Post pintou no Brasil. Meu 1/6 de sangue nordestino sentiu-se orgulhoso na bela Pinacoteca.

A Biblioteca, hoje com mais de 20 mil volumes e, claro, especializada em período holandês, ainda armazena gravuras e material cartográfico, além dos acervos particulares de Edson Nery da Fonseca, que todos conhecemos, do escritor e musicólogo, o Padre Jaime Cavalcanti Dinis, e do historiador internacionalmente conhecido José Antonio Gonsalves (com "s") de Mello. As bibliotecárias, além de muito simpáticas, conhecem o assunto e estão fazendo um bom trabalho técnico, ao mesmo tempo em que se preparam para logo abrir a biblioteca também ao público não especializado. O espaço é bom e foi planejado para ser uma grande biblioteca.

Dr. Ricardo Brennand criou uma instituição ímpar, de padrão internacional, com profissionais capazes de responder a todas as suas perguntas. Um espaço muito agradável, aberto ao público, com visitação quase diária e em grande número (alunos de escolas, turistas, etc.). Visitem o Instituto virtualmente em http://www.institutoricardobrennand.org.br/index2.html, mas não parem por aí, pois nada substitui várias horas em São João da Várzea.

So long!


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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.