MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO


  • Reflexões sobre a Mediação da Informação, englobando aspectos teóricos e práticos.

COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS

A competência em informação é um segmento da área da Ciência da Informação que ocupa, hoje, um grande espaço nas preocupações dos estudiosos, pesquisadores e interessados na área. De algum tempo para cá, sua importância ficou evidente principalmente pelo número crescente de textos publicados nos veículos especializados, tanto periódicos como livros e trabalhos oriundos de eventos. Estes últimos reforçam o crescimento desse segmento, uma vez que, quase sempre, os trabalhos publicados em eventos têm sua base em práticas realizadas em espaços informacionais. Teoria e prática se mesclam e apontam a contribuição da competência em informação para a área.

 

Alguns textos que li me fizeram apoiar e incentivar, nos meus espaços de atuação, as pesquisas e estudos sobre o tema.  No entanto, os textos, alguns com mais ênfase e outros com menos, trabalham com a competência em informação apenas em um âmbito positivo. Não teria ela aspectos que propiciem discussões ou que permitam questionamentos e críticas?

 

Em vários momentos da história tanto da Biblioteconomia como da Ciência da Informação, surgiram novidades que foram entendidas como a solução para todos os problemas por elas enfrentados naquele momento. Isso ocorreu com o Planejamento Bibliotecário, com o Marketing, com segmentos da Administração da Informação, com a Informática, com as Tecnologias da Comunicação e da Informação, entre outros. Todos eles foram entendidos como aspectos inovadores da área, ocupando o espaço pertinente em relação às suas contribuições.

 

A competência em informação também não é a “salvação” da Biblioteconomia ou da Ciência da Informação. Sua contribuição é inegável, embora dentro dos limites de sua interferência tanto na teoria como na prática informacional.

 

O que pretendo com este curto texto é apresentar algumas reflexões críticas que me inquietam já há algum tempo.

 

A competência em informação, como boa parte dos textos sobre o assunto alerta, não se restringe a determinar regras ou normas necessárias para a apropriação da informação. Essa é uma afirmação que deve ser repetida exaustivamente para que os leitores, pesquisadores e trabalhadores da área não caiam na tentação, tão presente no imaginário dos profissionais da informação, de “enquadrar” ações e atividades em formatos pré-definidos e que direcionam, norteiam e moldam o fazer desses profissionais. A Biblioteconomia, em sua concepção tecnicista, procura criar normas, códigos e tabelas. Claro que, nessa concepção, o seu foco, objeto ou “núcleo duro” está vinculado à organização e ao controle da produção científica, artística etc. Normas, regras, códigos e tabelas entendem como secundárias as atividades de disseminação, de mediação da informação e, em especial, a apropriação da informação. É inegável a importância da organização da informação, desde que ela não se entenda como o único objeto da área. Quando isso acontece, ou seja, quando a organização da informação passa a ser entendida como o principal e único objeto da área, quando passa a ser entendida como a distinção, a diferença da Biblioteconomia em relação a outras áreas, os fazeres que compõem as atividades dos profissionais da informação, são menosprezados, a ponto de, como é o caso do serviço de referência e informação, não exigir formação específica dos que nele atuam. O trabalho com o atendimento de usuários, dentro da visão que estou questionando, pode ser realizado por qualquer profissional, independente de sua formação básica.

 

Um grande perigo nas discussões da competência em informação é o de esquecer e não analisar o conteúdo da informação. Não as técnicas, mas é preciso lidar com o conteúdo da informação e, a partir dessa ideia, com a apropriação dessa informação por parte do usuário.

 

O mesmo ocorre, por exemplo, na contação de histórias em que o foco dessa atuação (não exclusiva do bibliotecário, vale dizer) está mais nas técnicas empregadas para desenvolver ações do que no conteúdo que será veiculado. As técnicas são importantes, mas o conteúdo deve ser considerado prioritário.

 

Mais um exemplo: bibliotecas públicas que buscam atrair público alterando o layout do prédio em que está instalada, “modernizando” equipamentos, ampliando os espaços de fluxo dos usuários, incorporando outros tipos de suportes informacionais etc. Todos esses itens devem ser considerados e fazer parte das preocupações dos que atuam nessas bibliotecas, mas a incorporação deles deve estar atrelada a uma concepção de biblioteca que busca propiciar a apropriação da informação, que busca ser um espaço de resistência aos tipos de informação veiculadas pela mídia “autorizada”, que visa oportunizar a relação do usuário com exteriorizações culturais não presentes ou escamoteadas pela indústria da cultura, que intenta dar condições para que os conflitos produzidos pela informação possam transformar o usuário.

 

Não quero preparar o usuário para que ele possa, sem criticidade, reproduzir ideias e situações existentes na sociedade. Não quero confundir competência com mérito. Não quero uma sociedade meritocrática. Assim, as competências no âmbito da informação não devem “moldar” o usuário, o cidadão, para fazer uso de qualquer informação. Ao contrário, nosso interesse deve ser dar condições para que o usuário possa ser crítico em relação às informações com as quais tem contato. As competências em informação não devem preparar o cidadão para reproduzir uma sociedade dada, mas devem dar ferramentas para que esse cidadão tenha condições de desnudar as inúmeras formas – que ideologicamente se apoderam da informação – de que se valem os que tentam transformar em natural o que é produto de relações históricas.

 

As competências informacionais não devem ser compreendidas como forma de empoderamento do conhecimento científico, menosprezando ou desconsiderando o conhecimento e o saber do povo. Também estes são conhecimentos válidos. O conhecimento também é construído a partir do empírico, da nossa relação com o mundo, das nossas experiências, do nosso acervo de vida, da nossa interação com os outros, do nosso modo de entender e explicar o mundo. Devemos propiciar o encontro desse conhecimento e saber do povo (buscando armazená-lo e disseminá-lo) com aquele preservado nos espaços dos equipamentos informacionais (conhecimento esse que representa o pensar e os interesses dos vencedores, das classes dominantes).

 

A Competência em Informação deve ter como foco o protagonismo dos usuários, a possibilidade deles se tornarem críticos em relação ao conteúdo das informações que os atingem cotidianamente. As classes populares precisam ser vistas, hoje, como privilegiadas em nossas preocupações, em nossos estudos, em nossas ações, uma vez que são elas alijadas do acesso e apropriação de informações que “falem”, que deem “voz” às suas necessidades, interesses e desejos.

 

Pretendi colocar neste texto apenas algumas considerações que me inquietam, que me fazem refletir sobre esse tema. A competência em informação já tem seu espaço na área da Biblioteconomia e da Ciência da Informação. Precisamos, agora, ampliar as discussões sobre ela.


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OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.