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DECLARAÇÃO DO ESTORIL SOBRE O ACESSO À INFORMAÇÃO

O papel central da informação e do conhecimento no mundo contemporâneo é uma evidência por todos reconhecida. Por isso, o acesso à informação é essencial para garantir o bem-estar e o progresso dos indivíduos e das sociedades.

Garantir um acesso equitativo à informação é fundamental para assegurar a participação cívica dos cidadãos, a qualificação dos recursos humanos, o desenvolvimento e a coesão social, em cada país e a nível mundial. A informação é assim um bem público. Um bem público indispensável para a democracia e o desenvolvimento.

Por pressão de poderosos interesses económicos, tem-se assistido, nas últimas décadas, a uma mercantilização da informação, impondo crescentes restrições e limitações de acesso e utilização dos produtos da criatividade e investigação humana. Abusando da legítima necessidade de proteger a propriedade intelectual e os direitos de autor, e deturpando os objectivos fundadores desses direitos - ou seja, promover o avanço do conhecimento e das artes -, rompeu-se o necessário equilíbrio entre a protecção de direitos privados e a defesa do bem público, que é o acesso à informação.

Uma das áreas onde esse desequilíbrio tem sido particularmente acentuado é a da publicação de literatura científica. A função essencial das revistas científicas - a divulgação de resultados de investigação, para promover o avanço da ciência - foi obscurecida pelos objectivos comerciais de lucro e rentabilidade. Os investigadores entregam gratuitamente os resultados do seu trabalho, suportado com as verbas das instituições onde trabalham, ou com bolsas e financiamentos externos, a editores que depois os vendem de novo às bibliotecas dessas instituições, muitas vezes a preços exagerados. Em muitos casos, os investigadores entregam gratuitamente os seus artigos a revistas que a sua instituição não tem disponibilidade financeira para assinar. Ao mesmo tempo, os grandes grupos editoriais de informação de ciência e tecnologia apresentam taxas de lucro superiores a 30%, muito acima das registradas noutros tipos de publicações.

Assim, relativamente ao acesso à literatura científica, considerando que,
- A investigação científica em Portugal é maioritariamente realizada em organismos públicos (universidades, laboratórios, etc.) e com financiamentos públicos (bolsas, projectos de investigação, etc.);
- O acesso à literatura científica é essencial para o progresso da investigação e do ensino, que se reflectem no desenvolvimento da sociedade em geral ;
- O aumento do acesso aos resultados da investigação maximizará o valor e os efeitos positivos dos investimentos públicos neste domínio;
- As tecnologias hoje disponíveis facilitam e permitem a distribuição e o acesso livre e irrestrito à literatura científica;
- O Estado português subscreveu a "Declaration on Access to research data from public funding" (1), resultante da reunião do Comité para a política científica e tecnológica da OCDE, de 30 de Janeiro de 2004, em Paris;

Os profissionais de informação portugueses, reunidos no 8º Congresso Nacional de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, em Maio de 2004 no Estoril:
- Reconhecem e apoiam as definições, objectivos e princípios do acesso livre, tal como definidos na Declaração da Budapest Open Access Initiative (2)
e na Declaração de Berlim sobre o Acesso ao Conhecimento nas Ciências e Humanidades (3). Assim, uma publicação em acesso livre é aquela que corresponde às seguintes condições:
1. O autor e os detentores dos direitos de autor concedem a todos os utilizadores o direito de acesso gratuito, mundial e irrevogável, e uma licença para copiar, usar, distribuir, transmitir e exibir o trabalho publicamente e realizar e distribuir obras derivadas, em qualquer suporte digital e com qualquer propósito responsável, sujeito à correcta atribuição da autoria, bem como o direito de fazer um pequeno número de cópias impressas para seu uso pessoal.
2. Uma versão completa da obra e todos os materiais suplementares, incluindo uma cópia da licença como acima definida, é depositada (e portanto publicada) num formato electrónico normalizado e apropriado em pelo menos um repositório que seja mantido por uma instituição académica, sociedade científica, organismo governamental ou outra organização reconhecida que pretenda promover o acesso livre, a distribuição irrestrita, a inter-operabilidade e o arquivo a longo prazo.

- Subscrevem a Declaração da IFLA - International Federation of Library Associations and Institutions sobre Open Access to Scholarly Literature and Research Documentation (4);
- Recomendam que o governo português torne obrigatório que os resultados de investigações financiadas com dinheiros públicos fiquem disponíveis de acordo com a definição de acesso livre acima referida;
- Apelam às universidades, laboratórios e centros de investigação, sociedades científicas e outras organizações que produzem, financiam ou editam literatura científica em Portugal, no sentido de implementarem políticas que encorajem ou tornem obrigatório a publicação dos trabalhos dos seus investigadores e bolseiros de acordo com os princípios do acesso livre.

Outra área de grande preocupação é a aplicação a nível nacional da Directiva
92/100/CEE relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual, e o risco associado de ser instituída uma taxa sobre o empréstimo de livros e outros documentos nas bibliotecas portuguesas, sejam elas públicas, escolares, universitárias ou outras.

Assim, considerando que
- Em Portugal as dificuldades económicas e os incipientes hábitos de leitura dificultam o acesso de vastos sectores da sociedade ao conhecimento e à cultura;
- As bibliotecas e arquivos não possuem fins lucrativos, económicos ou comerciais e garantem aos cidadãos o acesso livre e ilimitado ao conhecimento, a formas de expressão do pensamento, à cultura e à informação;
- A criação de verdadeiras redes de bibliotecas (públicas, escolares, universitárias) em Portugal é um fenómeno recente, com diferentes níveis de extensão e desenvolvimento, mas em qualquer caso ainda não completamente consolidadas;
- O desvio de verbas para o pagamento de taxas de empréstimo poderia pôr em causa a ainda necessária expansão, melhoria e consolidação das bibliotecas e arquivos portugueses;
- O investimento que os organismos públicos realizam em fundos documentais para estes centros tem uma grande relevância, com benefício directo para criadores e todo o sector editorial em geral, sendo até indispensável para garantir a viabilidade da edição de certos tipos de obras;

Os profissionais de informação portugueses, reunidos no 8º Congresso Nacional de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, em Maio de 2004, no Estoril:

- Reafirmam o valor dos serviços de empréstimo que as bibliotecas, arquivos e museus disponibilizam e que são um elemento que beneficia os cidadãos (apoiando a educação, o desenvolvimento cultural e a investigação) e os autores (captando e formando leitores, e portanto consumidores das obras dos autores);
- Recusam toda a possibilidade de que o empréstimo público realizado nas bibliotecas, arquivos, museus e centros similares, que actualmente beneficiam da excepção contemplada na Lei da Propriedade intelectual, seja sujeita ao pagamento de qualquer compensação económica;
- Exigem a manutenção do regime vigente, estabelecido pelo Decreto-Lei nº 332/97, de 27 de Novembro, instrumento eficiente de uma política de promoção cultural que, aliás, está em consonância com o enquadramento legal criado pela Directiva 92/100/CEE sobre comodato;

Estoril, 14 de Maio de 2004

(Aprovada, por unanimidade e aclamação, na sessão de apresentação das conclusões do 8º Congresso Nacional de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas)

1 Declaration on Access to research data from public funding -
http://www.oecd.org/document/0%2C2340%2Cen_2649_34487_25998799 _1_1_ 1_1%2C00.html

2 Budapest Open Access Initiative -
http://www.soros.org/openaccess/index.shtml

3 Berlin Declaration on Open Access to Knowledge in the Sciences and Humanities -
http://www.zim.mpg.de/openaccess-berlin/berlin_declaration.pdf

4 IFLA Statement on Open Access to Scholarly Literature and Research Documentation - http://www.ifla.org/V/cdoc/open-access04.html
Autor: 8o. Congresso Nacional de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas
Fonte: http://www.apbad.pt/Declaracao_do_Estoril.pdf

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Seção Mantida por OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.