LER FAZ A DIFERENÇA
A cada novo ano letivo que se inicia, pais e professores renovam seu desejo de oferecer as suas crianças e jovens uma educação transformadora, um ensino de qualidade capaz de auxiliá-los a enfrentar com sucesso os desafios que a vida lhes impõe. Desejamos uma educação que contribua, efetivamente, para que os sujeitos nela envolvidos possam preparar-se de forma eficiente para conhecer e compreender melhor a si mesmos, aos outros e à realidade na qual estão inseridos e, a partir disso, se qualificarem para atuar nesse meio, transformando-o num lugar melhor para se viver e construir a própria felicidade.
O que nos move, portanto, é a construção do conhecimento, visando à transformação social. E, como nos ensinou Vygotsky, o conhecimento é mediado pela linguagem. Pensamento e linguagem caminham de mãos dadas. O desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, mas, ao mesmo tempo, ele é capaz de transformar a linguagem que o constrói. A linguagem é, portanto, imprescindível na construção do conhecimento. E a linguagem se apresenta nas modalidades de oralidade, leitura e escrita, que por sua vez se organizam em forma de textos.
Por muito tempo, a escrita mecânica foi priorizada na escola. Havia o culto ao silêncio. Depois, descobriu-se a importância da oralidade, o silêncio foi rompido e essa passou a receber uma atenção especial.
A sociedade letrada em que vivemos exige de nós, cada vez mais, competência lingüística. O mundo é um grande texto que precisa ser lido para que possamos transitar por ele sem sucumbir. A exclusão social caminha lado a lado com a exclusão cultural. O domínio da palavra torna-se imprescindível numa realidade permeada pela escrita. Portanto, se o pensamento é mediado pela linguagem, então, essa é a chave que precisamos para ampliar nossa capacidade de construir conhecimento. Nesse caso a meta pedagógica maior da escola deveria visar ao sucesso da criança em relação à linguagem. E a leitura desempenharia aqui um papel fundamental.
É nesse ponto, ao meu ver, que reside o grande nó da educação atual: a quase que ausência da prática da leitura na escola. Saber ler e escrever (alfabetização) apenas, não é mais o suficiente. O desafio é prover o aluno de competência lingüística, para que possa dar um salto em direção ao letramento, que segundo
A leitura faz toda a diferença, quando se pensa um ensino de qualidade. Pesquisadores nos mostram que há uma relação decisiva entre a prática da leitura e o bom desempenho do aluno em todas as áreas do conhecimento.
Então vem a pergunta óbvia: como podemos ter a pretensão de construir conhecimento na escola sem que possamos contar, para tanto, com a participação do sujeito-leitor? As pesquisas que têm sido feitas mostram que isso é o mesmo que querer ensinar alguém a nadar fora da água ou, então, pedir a um surdo mudo que cante. O resultado é desanimador. O que fazer, pois, para que a escola seja um espaço para a constituição de leitores e desempenhar, assim, com sucesso, sua grande e mais nobre tarefa? É possível reverter o quadro que aí está? Acredito que sim.
Se a leitura é o poderoso instrumento que nos abre as portas para o conhecimento, a LITERATURA é a chave mágica que nos abre a porta de entrada principal que dá acesso ao mundo da leitura e a tudo o que ela pode nos proporcionar. E isso é tão mais verdadeiro quanto mais jovem for o nosso leitor. Quanto antes se der esse encontro, maiores serão as chances de sucesso. Criança é ludismo, é magia, é questionamento, e a literatura feita para ela também o é. Por isso, a literatura infantil desempenha um papel preponderante na constituição do leitor. A literatura, por seu caráter lúdico-mágico, fala a linguagem que a criança entende. Não apela apenas à razão, mas envolve emoções num jogo mágico e lúdico. Através da literatura a criança entra em contato com uma linguagem cuidadosamente elaborada, feita por alguém que tem por ofício lapidar a palavra, fazer arte com a palavra. É um texto que apela para a sua imaginação, que provoca sua criatividade, que propõe questionamentos e que proporciona momentos muito prazerosos de encontro consigo mesmo e com o novo.
Por isso, quando pensamos na criança da educação infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental, podemos bem imaginar qual o texto capaz de cativar, de emocionar, de provocar o encantamento e o desejo de conhecer outros livros, para renovar sempre esse prazer.
Rubem Alves (2004), citando verso de
Se não tenho fome, é inútil ter queijo. Mas, se tenho fome de queijo e não tenho queijo, eu dou um jeito de arranjar um queijo...
Partindo dessa analogia, Rubem Alves nos chama a atenção para o fato de que a escola precisa aprender a despertar a fome, o apetite pelo conhecimento/saber. Uma vez despertado o desejo de saber, o desejante buscará uma forma de satisfazer esse desejo. Quando não há o desejo, não há necessidade. Não há interesse. E, nesse caso, não há aprendizagem. Corre-se ainda o risco - quando se é forçado a engolir coisas que não se deseja – de vomitar tudo e até de adquirir uma rejeição por aquele alimento.
Essa mesma analogia pode nos ajudar a pensar a questão da leitura. Para conquistar leitores é preciso antes provocar o desejo, produzir a fome, abrir o apetite para a leitura. “A cabeça não pensa aquilo que o coração não pede”, ensina Rubem Alves. E, no caso, de servirmos um prato indigesto, poderá advir como conseqüência, náusea, vômito e futura rejeição...
Ler e contar histórias, ler e dizer poemas para as crianças ainda é a mais eficiente maneira de despertar nelas a fome, o desejo de ler... É isso que faz a diferença.
Bibliografia
Alves, Rubem. Ao professor, com o meu Carinho. Campinas/SP: Versus Editora, 2004
Soares, Magda. Letramento: Um Tema
(Enviado e autorizado pela autora em 27/06/2006)