TERRA ROXA, PÉ VERMELHO!
A terra natal de cada um, o acompanha sempre. Na
literatura, muitos escritores constróem suas obras utilizando a região de origem
como referência: a seu relevo, ao povo, aos hábitos que fazem parte de sua
região. Graciliano Ramos, por exemplo, tem em suas principais obras a paisagem
nordestina. Difícil pensar em Carlos Drummond de Andrade e não se lembrar de
Itabira, ou mesmo Manuel Bandeira e sua Recife querida. Cora Coralina e Goiás,
entre tantos outros.
Domingos Pellegrini é um autor daqui e em algumas de suas obras também encontramos a paisagem de nossa região, nossos hábitos. Na obra intitulada O tempo de seo Celso (1990)* Pellegrini reconstrói a história de um dos pioneiros de Londrina. Antes do homem, a descrição da terra:
Há apenas 135 milhões de anos, a terra vermelha (...) era ainda lava em fusão a 5.000 graus. Essa lava foi expulsa do interior do planeta e escorreu espremida pelas suas fendas, derrame após derrame, enquanto a América se afastava da África (...)
No norte do Paraná, por capricho a lava endureceu sobre um imenso lago subterrâneo, o Aqüífero Botucatu. Mas sua massa mineral era do mesmo basalto derramado também na África e em vários outros pontos do Brasil. Mas só no Norte do Paraná, o Basalto viraria a famosa "terra roxa", apelido devido aos colonos italianos que chamavam de rosa a terra vermelha (...) A extraordinária qualidade da terra roxa para a agricultura vem, antes de tudo, das chuvas, da umidade no ar e no solo (...)
O basalto, rocha-mãe da terra, conforme se corrompia pela umidade durante milênios, foi liberando óxido de ferro que deu a cor avermelhada. ( p.15-16)
Mas se o imigrante chegava ao sertão do norte paranaense com a perspectiva de uma terra tão fértil, promissora, por outro lado, as dificuldades para domá-la não foram poucas. Já imaginou uma terra dessas em dias de chuva? Sem asfalto?
No conto O encalhe dos trezentos**, o autor pé vermelho conduz o leitor a passar sete dias encalhado no maior lamaçal, como acontecia à época da colonização da região norte do Paraná: "O Encalhe dos Trezentos começou às seis horas da manhã ainda escura de 11 de agosto de 1958, no atoleiro do quilômetro 60 da Cianorte-Cruzeiro do Oeste, naquele tempo a estrada mais traiçoeira e mal falada do Brasil." (p.9)
É torrencial a chuva. O encalhe inevitável:
"Tentaram de tudo. As rodas do Fenemê patinaram até cozinhar a terra. O vapor subia do barro amassado, e quanto mais giravam as rodas, mais aquilo virava uma cola daquela cor entre o marrom e vermelho que só a terra do Norte do Paraná (...)." (p.10)
Mais adiante o autor continua a descrever a terra:
"(...) e era uma terra tão grudenta que cada enxadão ia virando uma bola de barro espetada num pau, até dar mais trabalho limpar os enxadões do que cavar(...)." (p. 11)
Em O Encalhe dos Trezentos, o barro da terra roxa prende não só os caminhões no atoleiro, mas também a nossa atenção aos tipos que compõem a região. Como se a liga desse barro fosse grudando aos poucos e construindo personagem por personagem. O barro da terra roxa é um estratagema que Pellegrini utiliza para dar vida à variedade de tipos humanos comuns à colonização do norte do Paraná à época.
Homem e barro. O homem que vem da terra e para ela volta. A terra que dá vida. Terra que como a vida está cheia de contradições, luta pela posse, vida e morte, poesia e literatura. Tudo é terra que vira barro e provoca encontros.
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* in O
tempo de seo Celso, Gráfica Ipê, 1990.
* * in Pensão Alto Paraná,
Imprensa Oficial do Paraná, 2000.
Outras obras do Autor:
Homem Vermelho (Civilização
Brasileira)
Tempo de Menino (Ática)
Terra Vermelha (Editora
Moderna)