LEITURAS E LEITORES


ALFENEIROS: ÁRVORES DE HARRY POTTER

A cada leitura que fazemos, somos levados a outros lugares, a outras pessoas, mas principalmente a nós mesmos. Na história cada um vê o que pode ver, compreende o que é capaz de compreender no momento em que lê e, como leitores, à medida que passa o tempo, vamos entendendo mais e melhor o que lemos.

 

A leitura de um livro pode trazer inquietações ao leitor, agregar conhecimentos novos, levá-lo a não querer desgrudar do livro enquanto a última linha for lida e, muitas vezes, provoca desistência da história que se lê. À medida que se lê, ora o leitor concorda, ora discorda... tudo isso se mistura com suas lembranças e conhecimentos que entram em ação, em conjunto, e vai, sem perceber, conversando, dialogando com o que já se leu...concordando, discordando, amalgamando ao que cada um é. 

 

O que tirar de cada obra que lemos é pessoal, individual e ressoa, em cada um, de acordo com sua sensibilidade, vivência, sua maneira de ver o mundo, e seu jeito de ser, que nem sempre tem explicação objetiva.

 

Eu, como tanto outros leitores adultos, passei alguns anos seguindo, ano a ano, a saga de Potter, o menino órfão. Dois principais motivos me levaram à leitura, inicialmente, devido ao alarido sobre a obra, muita gente a favor, muita gente contra o livro... ensinar bruxaria para as crianças? Questionavam alguns... a especulação era grande e a leitura, nem sempre, era feita pelos adultos, mas sedimentava o discurso conservador e preconceituoso de que a leitura do livro estivesse desvirtuando crianças e adolescentes. Enfim, uma grita inconsistente.

 

Em segundo lugar, pelo meu viés profissional, pois trabalhava com a seleção de acervo para leitura de crianças e adolescentes, portanto, valeria a pena ler. Mas, nesse turbilhão, também fui arrebatado pela epopeia de Potter. Li por puro prazer, um a um, cada volume.

 

Dentre as tantas peripécias de Harry, das referências mitológicas, bondades e maldades, o que ressoou em mim foram as árvores, os alfeneiros. De princípio, gostei da sonoridade do nome, depois a atmosfera mágica dessas árvores no bairro dos trouxas, em Londres.

 

A saga de Harry está, em cada volume, predominantemente ambientada, na rua dos Alfeneiros, número 4, e na escola de magia de Hogwarts. No verão, quando das férias escolares, o aluno mais famoso do mundo bruxo permanece à rua dos Alfeneiros, pois é ali na casa dos tios que o menino e depois adolescente passa as férias de verão. Quando o verão começa ele chega, no término da estação, parte para a Hogwarts. Também é neste período que Harry está mais triste, sentido-se sozinho, entediado, pois está na casa dos tios, conforme o livro 5 da saga, Harry Potter e a Ordem da Fênix:

 

“O dia mais quente de verão do ano estava chegando ao fim e um silêncio modorrento pairava sobre os casarões quadrados da rua dos Alfeneiros.” (2003, p.7)

 

Mais adiante, o aspecto geral do bairro:

 

“A rua das Magnólias, assim como a dos Alfeneiros, era cheia de grandes casas quadradas com gramados perfeitamente cuidados, todos de propriedade de homens grandes e quadrados que guiavam carros muito limpos [...]” (2003, p.15)

 

Enfim, quem leu ou lerá a saga de Harry, encontrará em todos os volumes referências aos alfeneiros, pois era nessa rua, número quatro que vivia o protagonista da história e seus tios e primo.

 

Alfeneiro tem o nome científico de Ligustrum vulgare, planta nativa da Europa, mas no Brasil também existem alfeneiros, embora não seja da mesma espécie do Ligustrum vulgare, mas da Colletotrichum ligustri*:

 

"Alfeneiro, alfenheiro ou alfena (Ligustrum vulgare, Linæus), do árabe al-henna, é um arbusto de 1 a 3 metros, com ramos flexíveis, folhas opostas e inteiras, flores brancas e cheirosas, e fruto baciliforme constituído por uma baga pequena, negro-azulada e amarga.” (wikipédia,2014)

 

As árvores, em geral, sempre me chamaram a atenção: nome, cor, tipo de flor, folhagem de verão, folhagem de inverno, etc., mas não podia imaginar que aquela espécie de árvore que mexera com minha imaginação estava dentre as árvores plantadas em minha rua, conforme me  informou uma amiga bióloga.

 

Quando li Harry Potter, sequer desconfiei que pudesse ter minha atenção voltada a uma árvore e que, daí em diante, faria parte de minha “coleção” pessoal de árvores. Além disso, que essa árvore veio por meio de uma obra que, aparentemente, nada acrescentaria a um adulto, pois, em principio, era destinada a crianças e adolescentes, no entanto, ressoou no adulto, na ampliação de seu conhecimento, no seu lazer. Talvez esta seja a mágica da leitura: não avisar quando nos amplia a compreensão de nós mesmos, do que vemos, do mundo.

 

* http://pt.wikipedia.org/wiki/Alfeneiro


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ROVILSON JOSÉ DA SILVA

Doutor em Educação/ Mestre em Literatura e Ensino/ Professor do Departamento de Educação da UEL – PR / Vencedor do Prêmio VivaLeitura 2008, com o projeto Bibliotecas Escolares: Palavras Andantes.