LEITURAS E LEITORES


GIBI FAZ MAL... PARA QUEM NÃO LÊ!

Criança pode ler gibi? Para alguns, esse questionamento parecerá sem sentido, uma vez que a leitura não há de "fazer mal". Para outros, no entanto, pode se constituir uma séria dúvida e toda dúvida merece ter seu momento de reflexão.

Já há algum tempo trabalho ministrando cursos de formação para professores e um dos questionamentos mais freqüentes refere-se à utilização ou não do gibi como fonte de leitura. Há dúvidas dos professores que são reforçadas pelas dúvidas dos pais. Parece existir um "consenso" de que a leitura de gibi não faz bem à criança, embora quando indagado o porquê de tal idéia, dificilmente recebemos argumentos claros, coerentes, convincentes. Tem-se a impressão que alguém disse isso um dia e outra pessoa repetiu, mais outra.... outra... virou mito e chegou até hoje na escola.

Por mais que teorizemos sobre a leitura, sobre o processo de formação de leitor, principalmente no período infanto-juvenil, quase sempre estaremos dialogando com o leitor que fomos e o que somos, ou seja, para quem teve acesso ao gibi na infância, dificilmente olhará para essa fonte de leitura como algo ruim, perigoso, etc. Eu, por exemplo, quando tinha aproximadamente nove anos, estava lendo um gibi da Vovó Donalda e, junto com Huguinho, Zezinho e Luisinho, descobri que aquela luminescência proveniente da decomposição de matérias orgânicas no campo era chamada fogo-fátuo. Não me fez mal, inclusive estou me utilizando da minha experiência enquanto leitor de gibi para escrever este texto. Mais tarde o gibi me ensinou sobre a história do futebol, que não era um esporte muito interessante pra mim, mas que Pateta transformou numa saga histórica para o meu imaginário. Em outros gibis não lembro de mais nada em especial, mas o esquecimento, o tempo "sem pensar racionalmente" sobre isso ou aquilo, me proporcionou a experiência fundamental à formação do leitor que é a fruição do que lê sem se preocupar se está aprendendo, estudando, etc.

Talvez sejam pessoais demais esses argumentos, então passemos a olhar para as orientações contidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1997), que toda escola possui. Dentro da seção Aprender e Ensinar a Língua Portuguesa na Escola, há uma subdivisão intitulada Diversidade de Textos, onde se pode ler:

(...) Cabe, portanto, à escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a interpretá-los (...) p.30

A lei é clara: diversidade de textos. O gibi é um dos textos que circulam socialmente, logo, por que evitá-lo? Além disso, o caminho para a formação de leitor não tem a mesma trajetória para todos os leitores, mas uma coisa é certa, o leitor se forma gradativamente: das histórias orais contadas ou lidas por familiares, pelas ilustrações, palavras, frases, histórias em quadrinhos, livros, enfim, caminha-se cada um no seu ritmo, de acordo com suas preferências. Não se começa a ler livros por aqueles de conteúdo mais complexo, à medida que se lê, cada vez mais o leitor vai se tornando exigente e buscando novas fontes de leitura e novos graus de complexidade, tudo muito naturalmente, cada um em seu ritmo.

E o papel da escola? Do professor nesse processo? Dos pais? Criar oportunidades para que a criança tenha contato freqüente com a leitura, com a diversidade de textos, de modo que ela se encontre com a leitura que a satisfaça e, ao mesmo tempo, a estimule a buscar outras leituras.

Estímulo à imaginação é um alimento importante para o desenvolvimento infantil e o gibi pode ser um dos veículos para se chegar a esse "alimento". Por isso, continuamos a afirmar, gibi só faz mal... para quem não lê.

Sugestão: Ler a coluna do Waldomiro Vergueiro, neste site, sobre a História em Quadrinhos, começar por fevereiro de 2003.


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ROVILSON JOSÉ DA SILVA

Doutor em Educação/ Mestre em Literatura e Ensino/ Professor do Departamento de Educação da UEL – PR / Vencedor do Prêmio VivaLeitura 2008, com o projeto Bibliotecas Escolares: Palavras Andantes.