LEITURAS E LEITORES


A INDISCUTÍVEL SUBVERSÃO DE SER PROFESSOR

"Existem pessoas que são como a cana-de-açúcar, quanto mais espremidas, mais doces se tornam". Era assim que um arcebispo progressista da época da ditadura caracterizava as pessoas que resistiam, por vezes entregavam a própria vida, para não compactuar com um período de cerceamento das liberdades individuais no Brasil.

Nas palavras do arcebispo, parece existir uma contradição própria do ser humano: resistir e acreditar, ter fé até quando tudo se mostra difícil, caótico. A metáfora da cana-de-açúcar também se aplica ao magistério do país, que é um retrato cruel dessa moenda.

Vivemos um tempo que desfavorece a profissão de professor. Há um discurso estabelecido de desprestígio a essa profissão. Uma das origens mais prováveis desse quadro é o tratamento que o Estado dá à categoria. Salários baixos, condições precárias de trabalho, materiais didáticos improvisados, inexistência de bibliotecas nas escolas, falta de dinheiro para que o professor possa usufruir os bens culturais: livros, jornais, cinema, teatro, concerto, etc.

Uma outra origem pode advir do modelo neoliberal, para o qual o homem vale somente como meio de produção. No senso comum, praticamente, se estabeleceu que tornar-se professor é estar mais pobre, ter carro (quando se tem) menos potente, basicamente popular, etc. Tudo isso é fatal na imagem construída na sociedade de consumo que vivemos, pois o bem material é mais importante que o bem cultural. Ter e não ser.

É desestímulo para os mais jovens. Pais desencorajam os filhos a abraçar a profissão de professor. Não é difícil, inclusive, ver pais professores agindo dessa forma. Os próprios docentes são levados a crer que sua função social não tem importância. Frustram-se e tornam suas vidas e a dos alunos um tormento.

Por outro lado, há aqueles que resistem e transfiguram o aparente bagaço ressecado em caldo suculento e doce como a cana-de-açúcar. Muitos resistem anonimamente, que é uma forma de afrontar mais ainda o sistema do lucro, do poder, do fazer dinheiro. Isso porque o professor permeia seu trabalho pela crença no outro, no desenvolver do outro.

Se não fosse assim, como explicar que uma professora de escola pública subverta a ordem capitalista numa terça-feira à noite e leve seus alunos a um dos principais cinemas da cidade. O filme, Cazuza. No shopping mais burguês do Norte do Paraná. Eram aproximadamente 20 alunos, 20 expectativas, 20 sonhos sendo embalados pelo projeto de uma professora que, provavelmente, tinha enfrentado jornadas durante o dia, mas que se recusava a aceitar os limites preestabelecidos. Subversiva professora. Conseguiu meia entrada para todos os alunos adultos num dia em que não havia promoção para estudantes.

O que leva a essa resistência? A essa subversão? Muitas são as possibilidades de resposta. Pensar nessa subversão educativa é remeter-se imediatamente ao professor Paulo Freire*:

"O educador progressista precisa estar convencido como de suas conseqüências é o de ser o seu trabalho uma especificidade humana. (...)
O nosso é um trabalho realizado com gente, miúda, jovem ou adulta, mas gente em permanente processo de busca. Gente formando-se, mudando, crescendo, reorientando-se, melhorando, mas, porque gente, capaz de negar os valores, de distorcer-se, de recuar, de transgredir. " (p. 143 -144)

Ser professor é essencialmente acreditar no ser humano, na sua força para transformar a realidade circundante. E, acima de tudo, na sua capacidade de transfigurar a sua própria realidade e encontrar o seu caminho no mundo.

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* Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.


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ROVILSON JOSÉ DA SILVA

Doutor em Educação/ Mestre em Literatura e Ensino/ Professor do Departamento de Educação da UEL – PR / Vencedor do Prêmio VivaLeitura 2008, com o projeto Bibliotecas Escolares: Palavras Andantes.