A INDISCUTÍVEL SUBVERSÃO DE SER PROFESSOR
Nas palavras do arcebispo, parece existir uma
contradição própria do ser humano: resistir e acreditar, ter fé até quando tudo
se mostra difícil, caótico. A metáfora da cana-de-açúcar também se aplica ao
magistério do país, que é um retrato cruel dessa moenda.
Vivemos um tempo que desfavorece a profissão de
professor. Há um discurso estabelecido de desprestígio a essa profissão. Uma das
origens mais prováveis desse quadro é o tratamento que o Estado dá à categoria.
Salários baixos, condições precárias de trabalho, materiais didáticos
improvisados, inexistência de bibliotecas nas escolas, falta de dinheiro para
que o professor possa usufruir os bens culturais: livros, jornais, cinema,
teatro, concerto, etc.
Uma outra origem pode advir do modelo neoliberal,
para o qual o homem vale somente como meio de produção. No senso comum,
praticamente, se estabeleceu que tornar-se professor é estar mais pobre, ter
carro (quando se tem) menos potente, basicamente popular, etc. Tudo isso é fatal
na imagem construída na sociedade de consumo que vivemos, pois o bem material é
mais importante que o bem cultural. Ter e não ser.
É desestímulo para os mais jovens. Pais desencorajam
os filhos a abraçar a profissão de professor. Não é difícil, inclusive, ver pais
professores agindo dessa forma. Os próprios docentes são levados a crer que sua
função social não tem importância. Frustram-se e tornam suas vidas e a dos
alunos um tormento.
Por outro lado, há aqueles que resistem e
transfiguram o aparente bagaço ressecado em caldo suculento e doce como a
cana-de-açúcar. Muitos resistem anonimamente, que é uma forma de afrontar mais
ainda o sistema do lucro, do poder, do fazer dinheiro. Isso porque o professor
permeia seu trabalho pela crença no outro, no desenvolver do outro.
Se não fosse assim, como explicar que uma professora
de escola pública subverta a ordem capitalista numa terça-feira à noite e leve
seus alunos a um dos principais cinemas da cidade. O filme, Cazuza. No shopping
mais burguês do Norte do Paraná. Eram aproximadamente 20 alunos, 20
expectativas, 20 sonhos sendo embalados pelo projeto de uma professora que,
provavelmente, tinha enfrentado jornadas durante o dia, mas que se recusava a
aceitar os limites preestabelecidos. Subversiva professora. Conseguiu meia
entrada para todos os alunos adultos num dia em que não havia promoção para
estudantes.
O que leva a essa resistência? A essa subversão? Muitas são as possibilidades de resposta. Pensar nessa subversão educativa é remeter-se imediatamente ao professor Paulo Freire*:
Ser professor é essencialmente acreditar no ser humano, na sua força para transformar a realidade circundante. E, acima de tudo, na sua capacidade de transfigurar a sua própria realidade e encontrar o seu caminho no mundo."O educador progressista precisa estar convencido como de suas conseqüências é o de ser o seu trabalho uma especificidade humana. (...)
O nosso é um trabalho realizado com gente, miúda, jovem ou adulta, mas gente em permanente processo de busca. Gente formando-se, mudando, crescendo, reorientando-se, melhorando, mas, porque gente, capaz de negar os valores, de distorcer-se, de recuar, de transgredir. " (p. 143 -144)
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* Pedagogia da
Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
1996.