LEITURAS E LEITORES


A HORA DO RECREIO E A BIBLIOTECA ESCOLAR

Na história de cada pessoa que passou pela escola, principalmente de ensino fundamental, há muito que se contar dos recreios vividos: amizades, brincadeiras, desavenças, comentários e troca de ideias a respeito das aulas, de professores, da própria vida. Enfim, é um momento especial na vida de todo estudante, pois se converte em espaço que estimula a troca de ideias, consolida amizades e instiga a descoberta infantojuvenil.

 

Etimologicamente, a palavra recreio vem do latim, verbo recreare, registro encontrado no século XIV (CUNHA, 1992) e significa divertir, brincar. Para a criança, o brincar é uma das maneiras de conversar com o mundo que a rodeia, de representar o que ela vive, de compreender e transformar as experiências em prol de seu amadurecimento pessoal.

 

A rotina escolar estrutura-se de modo que haja o encadeamento pedagógico para a realização de tudo aquilo que seja afeto ao seu ambiente. Em geral, embora não aparente, o recreio é influenciado diretamente pela compreensão pedagógica que se tem dele.

 

Muitos já compreendem que o recreio é um espaço pedagógico no ambiente escolar, entretanto, na ânsia de torná-lo escolarizado, as crianças e os adolescentes têm perdido esse espaço, tanto físico quanto psicológico. Não faltam propostas de recreios “direcionados” ou “pedagogizantes” que apenas transformam o espaço informal em uma extensão formal da sala de aula.

 

Houve época em que o recreio tinha, em média, 30 minutos, depois passou para 20 minutos, e hoje oscila entre 10 e 15 minutos! É importante esclarecer que, nesse tempo exíguo, o aluno deve sair da sala até o pátio, tomar lanche, ir ao banheiro e, se der tempo, brincar ou usufruir o tempo do modo que lhe convier ou for possível dentro da escola.

 

Não bastasse a diminuição do tempo cronológico e do espaço físico, há também diminuição da liberdade nesse período de tempo. Inclusive, os recreios estão perdendo esse nome que traz leveza, que alimenta a alma do ser humano, para outro termo mais fabril: o intervalo.

 

De recreio para intervalo há mais que a simples troca de palavra, pois a semântica oferece dois rumos bem diferentes a esse momento escolar. O primeiro instiga a espontaneidade do ser, estimula o exercício da escolha pessoal, da vontade própria. No segundo caso, intervalo, a palavra remete a espaço entre dois pontos, como se fosse apenas uma parada no período escolar para logo em seguida recomeçar a produção.

 

Nesse contexto, há mais um agravante em relação ao recreio: a não utilização da biblioteca escolar. Existe uma regra, nefasta e antipedagógica, que tem condicionado as escolas a fecharem a biblioteca durante o recreio. Não se sabe quem determinou isso, nem se há regras escritas, entretanto, as escolas vão reproduzindo, Brasil afora, essa prática de atraso cultural, educacional.

 

O fechamento da biblioteca durante o recreio diz, direta e indiretamente, aos alunos que leitura e biblioteca não fazem toda aquela diferença que se propala em sala de aula. Há muito que os alunos têm ouvido uma enxurrada verborrágica a respeito da importância da leitura e são muitos os bordões usados: “ler para viajar”, “quem lê aprende mais”. Palavras vazias de significado para os alunos que percebem a incoerência escolar ao cerceá-lo de ter acesso à biblioteca e, principalmente, à leitura. Assim, é preciso refletir:

 

- se ler é importante, por que durante o recreio, na hora de diversão, que o aluno pode escolher o que deseja fazer, ele não pode ler na biblioteca?

 

- se a biblioteca é tão legal assim, por que não se pode ir para lá no recreio? Compartilhar o bate papo com leitura de livros, jornais e internet?

 

- a biblioteca da escola, durante o recreio, poderia ser mais um dos espaços para que o aluno pudesse explorar os materiais lá existentes?

 

Recreio e biblioteca combinam, embora boa parte de nossas escolas ainda não estimulem essa convivência. É preciso dessacralizar o uso das bibliotecas para que o aluno tenha acesso à leitura, à informação, ao passatempo, dentro dessa instituição que será sua parceira durante toda sua formação acadêmica e pós-acadêmica.

 

A biblioteca escolar deve ser utilizada pelo aluno em atividades pedagógicas direcionadas pela sala de aula, mas também deve haver espaço para que o aluno possa buscá-la sem a tutela do professor e um desses momentos pode ser o recreio. O estar num espaço por escolha pessoal pode ser mais significativo, para a criança e o adolescente, do que frequentá-lo apenas porque o professor quer.

 

Ir espontaneamente à biblioteca durante o recreio, instigará o aluno à construção de sua autonomia como leitor, pois, ao manusear aleatoriamente os materiais lá existentes, poderá encontrar novas leituras, os assuntos de sua preferência, temáticas que gostaria de saber, porém nem sempre é possível durante a aula.

 

Esse ócio na biblioteca contribui para a formação do leitor, do pesquisador e, principalmente, para seu amadurecimento intelectual, social e, acima de tudo, humano.

 

Referências

CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fonteira, 1992.


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ROVILSON JOSÉ DA SILVA

Doutor em Educação/ Mestre em Literatura e Ensino/ Professor do Departamento de Educação da UEL – PR / Vencedor do Prêmio VivaLeitura 2008, com o projeto Bibliotecas Escolares: Palavras Andantes.