JEFERSON TENÓRIO
Sobreviver era nossa prioridade. Nesse tempo, os livros não tinham chance com a gente. A vida era mais urgente que a ficção.
Nasci em Madureira, no Rio de Janeiro, em 1977, ainda em plena ditadura militar. Convivi parcamente com os livros. E os poucos que apareciam em casa cumpriam um papel secundário e decorativo ou ajudavam a calçada o pé quebrado de uma mesa. A precariedade era nosso único bem.
Fui um leitor tardio porque passei a infância e a adolescência procurando, com minha mãe e minha irmã, modos de sobreviver com dignidade. Não tive muitos brinquedos, o que exigia de mim o maior esforço imaginativo para transformar tampinhas de cerveja, de refrigerante, pedras e caixinhas de papelão em brinquedos. Nessa época, éramos acometidos pelo preconceito e pelas violências de um racismo sistemático e estrutural, mas não sabíamos disso. Achávamos que tudo era muito natural e que a vida era assim porque tinha de ser.
Eu tinha 22 anos quando li pela primeira vez um livro inteiro. Era o Feliz Ano-Novo, de Rubem Fonseca. Foi um acontecimento. Até aquele momento a literatura era incompatível com a minha vida. [...] Então, de certo modo, Rubem Fonseca aproximou minha vida da literatura, pois a miséria, a angústia e a dignidade daqueles personagens eram também as minhas. (p.66-67)