GP - INFORMAÇÃO: MEDIAÇÃO, CULTURA, LEITURA E SOCIEDADE


  • Grupo de Pesquisa - Informação: Mediação, Cultura, Leitura e Sociedade - Textos elaborados por membros do Grupo, visando a divulgação de pesquisas específicas realizadas no seio do GP e a disseminação de discussões e reflexões desencadeadas pelos integrantes do grupo.

SERÁ MESMO O FIM DO BIBLIOTECÁRIO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO, DO CONHECIMENTO E DA IGNORÂNCIA?

Thiago Giordano de Souza Siqueira

Resolvi escrever esse apartado após a reunião do grupo de pesquisa em outubro de 2022 pensando em sua futura publicação no INFOHOME em 2023. Na ocasião, estávamos conversando sobre o texto A ignorância da sociedade do conhecimento, de Robert Kurz – que, entre tantos assuntos discute o conceito de informação – enquanto palavra polissêmica, uma vez que há inúmeros procedimentos envolvidos nesse tema e, principalmente, há grande confusão entre informação, conhecimento e inteligência.

Não pretendo fazer as distinções entre estas porque já existe bastante material sobre isso publicado por aí. Mas não posso deixar de criticar o que se entende por "inteligência" na sociedade do conhecimento ou da informação. Tal termo não pode ser entendido como sinônimo do acesso às máquinas com capacidade de armazenamento cada vez maior ou à automação de atividades cotidianas. Eu, como ser humano crítico, fico chateado ao ter minha inteligência reduzida a tais atividades de acúmulo de informações e processamentos de dados quando, na verdade, deveríamos falar sobre cognição.

Em determinado ponto da reunião, questionamo-nos sobre a inserção das tecnologias e o mercado de trabalho dos bibliotecários. Não apenas destes profissionais, mas tantos outros que comumente encontramos estampados nas manchetes de jornais ou revistas falando sobre o fim de determinadas profissões devido à Inteligência Artificial, por exemplo. Ah, faça-me o favor!

Isso me fez relembrar de uma fala de alguns anos atrás sobre as possibilidades de atuação do bibliotecário além das prateleiras. Obviamente, eu precisava dourar a pílula para vender o peixe da profissão ao falar para um público cheio de jovens em uma feira estadual de estudantes – ou seja, eu sabia que teria muita gente e, portanto, deveria articular um discurso bem-feito e sem contar mentiras que pudessem causar frustrações nas pessoas que eu conseguisse atingir com aquela comunicação.

E foi exatamente nos minutos iniciais da minha fala, que eu apresentava em alto e bom tom: “Para quem pensa que essa profissão está com os dias contados por causa da informatização, está enganado”. Ainda que tenhamos robôs fazendo algumas atividades técnicas, não é possível aceitar que tais ações sejam reduzidas e comparadas às funções dos bibliotecários, como organizador de livros em estantes e prateleiras ou aquele que realiza empréstimos de livros, como se uma máquina fosse.

De acordo com Ray Kurzweil, um futurista estadunidense, no ano de 2030, a inteligência humana será superada pela Inteligência Artificial. Ainda que eu me esforce em concordar, o máximo que sou capaz disso é que teremos avanços sensatos e só – nos aspectos de humanização. Não sou tão otimista, mas acredito que o senso de oportunidade é essencial ao pensar na inserção de tecnologias de informação e comunicação presentes na sociedade e nos profissionais bibliotecários.  

Faço questão de usar o nome bibliotecário para expressar a compreensão da simbologia da profissão que carrega um estereótipo bem assinalado por Michael Bauwens, em 1993, quando destaca, em um de seus escritos, que os bibliotecários são os únicos profissionais cujo cargo está ligado a um edifício e que, obviamente, estão emocionalmente ligados ao produto desse edifício, ou seja, o livro. Na verdade, o foco deveria ser nos sujeitos informacionais e comunidades de interesse e não no processamento técnico de obras e outras atividades orientadas ao acervo, embora o mercado de trabalho ou a cultura organizacional possa demorar a ter essa percepção, dependendo de onde esteja inserido.

A profissão bibliotecário vem se transformando a cada dia. Antes orientada para controlar os livros e a produção bibliográfica universal, hoje orientada para a organização, gestão e disseminação de informação. Para resumir, apresentarei (pelo menos) 3 áreas de atuação em que o bibliotecário pode atuar:

A atuação em gestão e tecnologia ocupa-se da organização e busca da informação em base de dados científicas, curadoria de conteúdos digitais, mídias sociais, arquitetura da informação, produtos e serviços de acesso à informação a distância, big data, repositórios institucionais para guardar informações que são produzidas nas organizações.

A atuação social está diretamente vinculada à função socioeducativa e cultural das bibliotecas e da informação, sobretudo para as comunidades menos favorecidas. O fazer e as ações são pensadas para levar resultados para pessoas sem informação. Buscar meios de acesso ao livro, leitura, literatura e bibliotecas.

A atuação acadêmica trata da docência, do papel enquanto educador, assessoria e realização de trabalhos de orientação em normalização e alguns aspectos de pesquisa e suporte a outros pesquisadores, além mesmo da sala de aula, formando outros profissionais.

Mas tem uma coisa que eu gosto de responder, principalmente após a experiência com a docência: ser bibliotecário é gostar de trabalhar para e com as pessoas. Imagino que você possa achar essa resposta um tanto vaga ou generalista demais ou mesmo deve estar se questionando “quem são essas pessoas?”.

Apresento-lhes alguns dados para que possam notar como o campo é abrangente. Primeiro, temos os dados Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), que por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), apresentou o relatório TIC Domicílios, 2021, o qual traça o perfil do uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros cujos dados apresentam que apenas 39% dos domicílios possuem computador em casa, 19% da população brasileira nunca acessou a internet na vida e 42,2% dos que não acessaram a internet não sabiam usar a tecnologia.

Somado a isso, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), 2019, apontou que no Brasil a taxa de analfabetismo das pessoas com 15 anos ou mais de idade foi estimada em 6,1% (11 milhões de analfabetos), que sequer acessaram ou concluíram parte de um processo regular de escolarização. A PNADC também aponta que até 29% da população brasileira é analfabeta funcional – pessoas com dificuldades em encontrar emprego, se qualificar na carreira e até mesmo em organizar a vida e as finanças pessoais.

Outro dado interessante, mas que não consegui recuperar mais atualizado, refere-se ao levantamento Educação para Todos divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), realizado em 2014, no qual o Brasil ocupava a oitava posição no número de analfabetos do mundo, perdendo apenas para Índia, China, Paquistão, Bangladesh, Nigéria, Etiópia e Egito, o que ilustra uma triste realidade em que o total de 38,5% dos analfabetos latino-americanos são brasileiros.

Sendo o bibliotecário o profissional que sabe organizar livros, informação e contribuir para o desenvolvimento humano, eles conhecem (ou precisariam conhecer) ações relacionadas à acessibilidade de informação confiável e validada para o maior número e variedade possível de pessoas.  Pensando num cenário para pessoas mais favorecidas e no contexto empresarial, por exemplo, penso que, a curto prazo, o esforço seria pensar num paradigma emergente pós-custodial e social da informação e concentrar os esforços em compreender o comportamento e as necessidades de informação para, então, desenvolver competências e habilidades que possam subsidiar o trabalho e os problemas existentes na sociedade, favorecendo a cidadania e reduzindo as mazelas da barbárie.

A promoção de serviços em bibliotecas como equipamento educativo e cultural é uma ação que influencia para a criação, manutenção e divulgação de políticas públicas, alocação de recursos financeiros e pessoais, proporcionados de modo a atrair público para as bibliotecas e capacitar pessoas, sendo uma ferramenta de apoio ao ensino e aprendizagem.

Ademais, deve-se pensar na usabilidade da informação, à medida em que proporciona mecanismos que favorecem a facilidade do uso, o fácil entendimento, a realização de busca e a integração de conteúdo, pensando na experiência do usuário final nos serviços e plataformas que fornecem acesso à informação.

Se nos deslocamos para os ambientes virtuais, a preocupação é na encontrabilidade da informação e navegabilidade, isto é, a capacidade que a interface de um site deve ter para facilitar ao usuário chegar ao seu destino. Pensar em como dar acesso ao conteúdo das informações num ambiente eletrônico.

De igual maneira, o aumento do desejo em preservar a informação se materializa com a criação e fomento de repositórios de informação estimulados pela digitalização. Sabendo que passar do papel para o computador não é o suficiente, pois é preciso criar ferramentas para o usuário e para as comunidades de interesse, de modo que possam recuperar os documentos bem como saber priorizar o que digitalizar primeiro.

Em resumo, nota-se que o bibliotecário atua em lugares. É preciso estar atento nas habilidades que o futuro bibliotecário já precisa adquirir caso essa profecia do que estão disseminando por inteligência artificial venha, de fato, a se consolidar ou, ainda, se for o fim do livro impresso, como já estão falando desde quando eu me entendo como gente.

Considerando que as pessoas estão cada vez mais apressadas, buscando resultados rápidos e desejando bons serviços e experiências, em uma era de respostas fáceis (ou apenas curtas), é importante lembrar que o Google não é tudo. É um espaço de abundantes informações on-line que fornece respostas fáceis para perguntas fáceis. Infelizmente, também pode fornecer respostas fáceis a questões complexas, potencialmente diminuindo ou limitando a nossa capacidade humana de interrogar, avaliar e sintetizar fontes de informação fidedignas.

No cenário onde a confiança na informação acessada em ambiente digital é baixa, em uma era das novidades falsas e dos modelos de negócios em mudança, se considerarmos pessoas e empresas sérias, aumenta-se o valor da informação apurada, pois o mundo já tem informação demais, e resta quem pode pagar por serviços, filtros, seleção e agregação de valor.

Diante do exposto, acredito que a informação relevante, de valor para o desenvolvimento de pesquisas científicas ou para tomada de decisão em grandes empresas estão em bases de dados pagas e que empregam bibliotecários para organizá-las ou para recuperar informações nessas bases de dados.

Realmente acredito que trabalhamos pensando no excesso de informação e no combate à desinformação. Nisso, também, estamos aptos a ajudar, pois o mundo tem informação demais e as pessoas, por necessidade ou por oportunidades, precisam que sobre tais informações sejam aplicados filtros, sejam feitas seleções que permitam a agregação de valor para tomada de decisão e para o desenvolvimento de uma sociedade mais inclusiva, justa e igualitária em termos de acesso à informação.

REFERÊNCIAS

BAUWENS, Michael. (1993). The emergence of the “cybrarian”: A new organisational model for corporate libraries. Business Information Review, v. 9, n.4, p. 65–67. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0266382934234882. Acesso em: 09 jan. 2023.

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Ministério da Economia (org.). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Brasília, 2022. Disponível em: https://painel.ibge.gov.br/pnadc/. Acesso em: 14 jan. 2023.

BRASIL. Ministério da Educação. Relatório Educação para Todos no Brasil, 2000-2015. Brasília: MEC, 2014. 102 p. Setor de Educação da Representação da UNESCO no Brasil. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000232699. Acesso em: 09 jan. 2023.

KURZ, Robert. A ignorância da sociedade do conhecimento: o estágio final da evolução intelectual moderna será uma macaqueação de nossas mais triviais ações por máquinas? 2002. Traduzido por Marcelo Rondinelli. Disponível em: hhttps://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1301200211.htm. Acesso em: 09 jan. 2023.

NÚCLEO DE INFORMAÇÃO E COORDENAÇÃO DO PONTO BR (Brasil). Comitê Gestor da Internet no Brasil. Centro Regional de Estudos Para O Desenvolvimento da Sociedade da Informação. (ed.). TIC Domicílios: pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2021. Disponível em: https://cetic.br/media/docs/publicacoes/2/20221121125504/tic_domicilios_2021_livro_eletronico.pdf. Acesso em: 14 jan. 2023.


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