GP - INFORMAÇÃO: MEDIAÇÃO, CULTURA, LEITURA E SOCIEDADE


  • Grupo de Pesquisa - Informação: Mediação, Cultura, Leitura e Sociedade - Textos elaborados por membros do Grupo, visando a divulgação de pesquisas específicas realizadas no seio do GP e a disseminação de discussões e reflexões desencadeadas pelos integrantes do grupo.

INFORMAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS: REFLEXÕES SOBRE A MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO NO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA

WILSON ROBERTO VERONEZ JÚNIOR

Os movimentos sociais produzem informações com base em suas lutas, conquistas e práxis culturais, sendo este último termo utilizado por Marx (2015) na discussão sobre a noção de práticas culturais e de trabalho ontológico, estranhado e alienado. Os estudos sobre os movimentos sociais envolvem a análise de diversas fontes de pesquisas, dando visibilidade às suas práxis em campos de atuação determinados e na simbiose estabelecida com o poder público ou outras instituições.

Esta reflexão, embora de forma sucinta, analisa o processo de mediação da informação no contexto dos movimentos sociais, tendo como foco o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e demonstrar como esse processo reflete uma informação advinda de movimentos sociais, o que na maioria das vezes não é levada em consideração pelas instituições do saber, como as universidades e instituições de ensinos tradicionais. Nos dias de hoje, o MST está presente em 24 estados brasileiros, com mais de 450 mil famílias que, mesmo acampadas e assentadas, continuam a se empenhar nas ações sociais, políticas e culturais do Movimento.

O MST, sendo um dos maiores movimentos sociais do Brasil e da América Latina, além da luta pela reforma agrária popular, emancipação das mulheres e da comunidade LGBTQIAPN+, dentre outras demandas sociais, produz informações exógenas (de fora para dentro), ou seja, fatores externos condicionam a ação e a intencionalidade dos sujeitos políticos de produzir significados e manter o registro de suas lutas. Vale lembrar que essa forma de produção é diferente da informação produzida pela universidade, já que no âmbito acadêmico, em sua maioria, a informação representa a invisibilidade social dos sujeitos que se encontram na clandestinidade científica e que clamam por visibilidade. Foucault e Chomsky (1971) ao discutirem sobre o poder ideológico exercido pelo Estado, criticam que a universidade, seja ela pública ou privada, não tem por função a produção, mediação e disseminação da informação e do saber, mas sim manter uma determinada classe social no poder, isto é, manter a influência das elites na produção da informação e do conhecimento, e que essa forma de produção não reflete a realidade dos movimentos sociais.

O MST, desde seu registro formal em 1984, construiu sua unidade em torno de três objetivos: a luta pela terra, realização da reforma agrária e por transformações sociais mais amplas. As ocupações de latifúndios, possibilitadas pela capacidade de organização de uma multiplicidade de sujeitos sem-terra, são marca fundamental da sua estratégia e método de luta.

A formação do MST vem de um acúmulo da luta agrária resistente no Brasil ao longo dos anos e foi intensificada na década de 1950 e 1960 com a criação das Ligas Camponesas, Via Campesina, União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas (ULTABs), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER). Somado a isso, o MST tem como parceira a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), instituição responsável pela formação política e cultural de seus militantes e simpatizantes, sendo eles assentados, acampados ou não (MST, 2015, DALMAGRO, 2017, CAMOLEZE; TROITINO-RODRÍGUEZ, 2019, CAMOLEZE, 2022). No caso da ENFF, embora adote parâmetros e métodos científicos para a construção do conhecimento, também produz informação e conhecimento de forma exógena, pois a práxis se faz presente no campo da ação e da luta.

Nessa reflexão, além dos movimentos supracitados, os movimentos sociais costumam aglutinar ao mesmo tempo diversas associações ou coletivos, em torno de determinadas demandas, insatisfações e desejos por elas compartilhados, e que abarcam um conjunto de associações de espectro ideológico de esquerda: partidos políticos, como o Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Comunista do Brasil (PCdoB); movimento sindical, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB); Movimento Sem-terra e Sem-teto, como a Frente Nacional de Lutas (FNL) e o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Movimento Feminista, Movimento de Igualdade de Gênero, Movimento Negro, Quilombolas, Ribeirinhas, entre outros.

Veronez Júnior, Troitiño-Rodriguez e Martínez-Ávila (2023), entendem que esse processo de luta, coletividade e significação não é apenas para esses movimentos, mas também se estende aos sujeitos políticos que compõem as lutas, como militantes e simpatizantes, desse modo, questiona-se: o que seria o MST sem esses personagens? Qual o sentido de se ter um Movimento sem a participação desses sujeitos políticos? Além do processo de luta e militância, existe a produção documental, ou seja, esses atos são registrados em algum tipo de suporte informacional, existe algum material que reflete e revela essas lutas, os militantes fazem questão que isso seja evidenciado, que isso seja mediado e transmitido por algum canal de comunicação, que este registro chegue e seja apropriado por alguém.

Somado a produção e registro informacional, existe a mediação, e que com base nas reflexões de Almeida Júnior (2009), a mediação da informação, enquanto um processo de interferência humana que ocorre por meio de processos sociais, políticos e culturais. Para Japiassu e Marcondes (2001), a mediação tem por objetivo relacionar duas ou mais coisas, servindo como intermediário ou ponte, e que com base em Gomes (2019, 2020), a mediação da informação promove a aproximação entre unidades de informação (Arquivos, Bibliotecas, Museus, Centros de Informação e Documentação), profissionais da informação (Arquivistas, Bibliotecários, Museólogos, Documentalistas e Cientistas da Informação) e o sujeito informacional (aqueles que fazem uso da informação, neste caso, os próprios militantes dos movimentos sociais) e que essa relação contribui no acesso, preservação da memória e no protagonismo social.

Segundo Fachin (2013), a mediação entre o sujeito e a informação, com a finalidade de auxiliar na recuperação e de minimizar o tempo para a obtenção da informação, objetiva também maximizar o potencial da recuperação da informação relevante para o efetivo uso pelo sujeito informacional, concretizando o objetivo dos estoques informacionais. Assim, sustenta-se que a mediação não ocorre apenas em unidades de informação, e que essa relação permeia os movimentos sociais, coletivos, partidos políticos, dentre outras instituições, e que pode ser caracterizada, no sentido exógeno, segundo Piaget (1972), a partir de uma relação sociointeracionista e construtivista, constitui-se na interação do sujeito com fenômenos advindos da natureza e do ambiente ao qual está inserido, e que tem compromisso e influência nas relações advindas dos movimentos sociais, uma vez que estabelece uma força de correlação, na qual elementos simbólicos estão permeados na luta dos trabalhadores e das trabalhadoras sem-terra.

Guimarães (2017), defende que para a constituição do conhecimento, a informação deve ser registrada em um suporte, e que essa materialização fornece base substancial para a mediação e socialização, constituindo-se em um processo helicoidal, ou seja, informação + conhecimento = informação, e que esta equação segue um processo infinito. No entanto, é preciso criticar tal equação, visto que este processo não contempla o sujeito que produz a práxis, isto é, que produz a ação, a informação, mediação e a socialização do conhecimento. A equação se limita ao contexto fisicista e cognitivista, portanto, não contempla o paradigma sociocultural que condiciona a ação e a mediação da informação promovida pelos sujeitos que constituem os movimentos sociais.

Em contrapartida, seguindo o raciocínio de Piaget (1972), a mediação que ocorre no MST se dá de forma exógena, ou seja, a práxis realizada pelos assentados e assentadas determina como esses processos procedem. Desse modo, a produção da informação é constituída de fora para dentro; na medida em que o acúmulo de lutas se intensifica, o MST, de forma auto organizativa, estabelece critérios de produção, mediação e socialização. Assim, com base na reflexão de Camoleze (2022), a práxis dentro do MST consiste em uma construção social e coletiva, na qual suas ações, técnicas e práticas intelectuais desempenham funções nucleares na organização e na produção da informação, tornando-se, muitas vezes, fontes de pesquisas para responder às indagações e os anseios da sociedade em geral.

Nessa observação, para Duranti (1994), o ato de produzir uma ação está associado ao actio, que tem por função a intencionalidade de se produzir a ação sobre um determinado fato/contexto; por sua vez, essa ação gera a conscriptio, ou seja, o registro e a documentação dessa ação. No caso dos movimentos sociais, a criação e o registro de uma ação é internalizado como algo inconsciente, uma vez que esses movimentos não levam em consideração a obrigatoriedade de materialidade da informação para fins de prova e testemunho, mas sim para a representação, mediação e a preservação da memória, do registro das lutas e da evidenciação dos trabalhadores rurais na conquista de seus direitos fundamentais. Os conjuntos de documentos, esquemas de representação que condicionam a significação, também constroem memórias, produzidas como ato simbólico de perpetuação ou ressignificação de discursos sociais a partir dos registros do conhecimento custodiados nos acervos documentais e que necessitam ser mediados.

A partir do actio e da conscriptio, ocorre a mediação, que por sua vez, materializa e condiciona a ação, mesmo que de forma simbólica. O processo de mediação, entendido como uma interferência humana, se faz presente nas lutas do MST, seja em um ato político, manifestação política, ocupação de terras e latifúndios improdutivos, na produção de alimentos agroecológicos ou em suas mais diversas formas de manifestações.

No sentido geral, no contexto dos movimentos sociais, a mediação é realizada entre os grupos sociais e o Estado, que estabelece uma correlação de forças políticas, em que, de um lado está o poder estatal e do outro um grupo que reivindica suas lutas e direitos. Assim, o processo de mediação no MST se dá por meio das lutas, da resistência e do sentido de que as estratégias e os ideais necessitam de uma dinâmica social sedimentada na luta dos trabalhadores rurais sem-terra, bem como em outros movimentos sociais que anseiam por uma sociedade mais justa, igualitária, inclusiva e democrática.

O MST TEM LUTA, TEM HISTÓRIA E TEM MEMÓRIA!!

VIDA LONGA AO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES E DAS TRABALHADORAS RURAIS SEM TERRA!!

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA JÚNIOR, O. F. Mediação da informação e múltiplas linguagens. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, v. 2, n. 1, 2009.

CAMOLEZE, J. M. C. Arquivos e movimentos sociais: um estudo da produção de documentos populares no setor nacional de educação do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). 290 fls. Tese (Doutorado em Ciência da Informação), Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação - PPGCI, Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus de Marília, 2022.

CAMOLEZE, J. M. C; TROITIÑO-RODRIGUEZ, S. M. Produção e tipologia documental de movimentos sociais: estudo sobre o arquivo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras do Brasil (MST). Revista Informação em Pauta, Fortaleza, v. 4, n. 2, p. 121-136, jul./dez. 2019.

DALMAGRO, S. L. História da escola no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Revista HISTEDBR On-line, v. 17, n. 3, p. 782-810, 2017.

DURANTI, L. Registros documentais contemporâneos como provas de ação. Revista Estudos Históricos, v. 7, n. 13, p. 49-64, 1994.

FACHIN, J. Mediação da informação na sociedade do conhecimento. Biblos, no. 27:1, p. 25-42, 2013.

FOUCAULT, M; CHOMSKY, N. Human nature: Justice vs. power. The Chomsky-Foucault debate on human nature. 1971.

GOMES, H. F. Protagonismo Social e Mediação da Informação. Logeion: Filosofia da Informação, Rio de Janeiro, RJ, v. 5, n. 2, p. 10–21, 2019.

GOMES, H. F. Mediação da informação e suas dimensões dialógica, estética, formativa, ética e política: um fundamento da Ciência da Informação em favor do protagonismo social. Informação & Sociedade: Estudos, 30(4), 1–23, 2020.

GUIMARÃES, J. A. C. Organização do conhecimento: passado, presente e futuro sob a perspectiva da ISKO. Informação & Informação, v. 22, n. 2, p. 84-98, 2017.

JAPIASSU, H; MARCONDES, D. Definição de Mediação. Dicionário Básico de Filosofia. Revista e Ampliada. Rio de Janeiro, 2001. Disponível em: https://raycydio.yolasite.com/resources/dicionario_de_filosofia_japiassu.pdf Acesso em: 30 de ago. 2023.

MARX, K. Manuscritos econômicos filosóficos. Boitempo Editorial, 2015.

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). História do MST. [S. l.]: MST, 2015.

PIAGET, J. Desenvolvimento e aprendizagem. Studying teaching, p. 1-8, 1972.

VERONEZ JÚNIOR, W. R; TROITIÑO-RODRÍGUEZ, S. M; MARTÍNEZ-ÁVILA, D. Organização e Representação do Conhecimento em Arquivos de Movimentos Sociais: o caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. VII Colóquio em Organização, Acesso e Apropriação da Informação e do Conhecimento (COAIC), Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina, PR, 2023.

 

WILSON ROBERTO VERONEZ JÚNIOR - Bacharel em Arquivologia, Mestre e Doutorando em Ciência da Informação (PPGCI-UNESP). Membro do Conselho Científico da Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília (RIPPMar) e do Journal of Sustainable Urban Mobility (JOSUM). Pesquisador de Arquivos de Movimentos Sociais, Partidos Políticos e Sindicatos. Militante do Partido dos Trabalhadores (PT), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT).


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